O livro A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES é um lançamento tão polêmico, feito numa época tão confusa, que tenho até receio de expor minha opinião e ser rechaçada por isso. Mas, por outro lado, quero mostrar o meu pensamento “controverso” – tendo em vista que a grande maioria dos fãs odiou essa história – e causar um pouco de reflexão, porque mesmo após ter finalizado a leitura, lido opiniões alheias e revisitado minhas anotações sobre o livro, continuo refletindo.

Dez anos se passaram desde o fim da Guerra Civil em Panem, iniciada pelos Rebeldes do Distrito 13. A população da Capital ainda sente o ódio de ter sido tão atingida por um povo inferior. Os sobreviventes estão traumatizados, muitos perderam suas riquezas, a maioria vive de aparências. O que restou dos Snow faz parte desse grupo: todas as aplicações da família se concentravam no distrito extinto. Com a aniquilação, a fonte de renda se foi. O que restou da família sobrevive com o salário destinado aos herdeiros de um general militar: Crassus Snow, pai de Coriolanus. Órfão, o pequeno Snow divide o luxuoso apartamento da cobertura com sua prima, Tigris, e sua avó quase caquética.

Iniciamos a leitura com Coriolanus fazendo uma sopa de repolho para o almoço enquanto se preocupa com a reforma da blusa velha que deve vestir para a décima Colheita. A novidade do ano é a primeira mentoria dos Jogos Vorazes, que será realizada pelos melhores alunos do último ano da Academia da Capital, um colégio de prestígio onde só os renomados têm o prazer de estudar. O jovem Snow, com apenas dezoito anos, é um dos selecionados. O mentor que apresentar melhor desempenho terá grandes chances de ingressar na Universidade, e como sua família se encontra falida, Snow vê nessa ocasião a sua grande oportunidade de retomar os prestígios dignos.

Entretanto, todas expectativas do rapaz caem por terra quando o reitor Highbottom, criador dos jogos, o designa para a garota do Distrito 12. Uma onda de ódio misturada ao desespero preenche o peito de Coriolanus. Como é possível um renomado Snow ser designado para um distrito tão insignificante, enquanto Sejanus, um garoto do Distrito 2 que enriqueceu graças ao comércio bélico do pai, é direcionado para um garoto de sua terra natal? É inadmissível! Mas as coisas logo mudam de patamar, quando sua garota, Lucy Gray Baird, faz uma entrada excepcional ao ser sorteada. Vendo que a população a aprovou, Coriolanus logo muda seu discurso e decide, de modo frio e calculista, elevar a garota ao máximo para que ela possa receber apoio e vencer a edição, enquanto ele, acima de tudo, receba o prêmio para continuar sua caminhada rumo à sua riqueza perdida.

Coriolanus Snow, ou Coryo, se mostra um jovem promissor, seja para o bem ou para o mal. Vemos uma mente confusa que oscila entre desejar o bem ao próximo e tirar o nome da família de qualquer problema. Ao mesmo tempo em que presenciamos um garoto bondoso, por vezes altruísta, com sentimentos à flor da pele (muito disso proporcionado pela sua juventude), também percebemos, em grande parte do tempo, um pensamento egoísta e egocêntrico. Tudo gira em torno dele, tudo é ele, os Snow são superiores, são melhores que toda a Panem. O próprio lema da família é assustador: “Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo”.

A questão que deve ser levantada com a montanha russa de acontecimentos é simples: o ser humano nasce bom e a sociedade o corrompe? Ou o ser humano nasce mau e a sociedade exige que ele seja bom? É difícil dizer, já que não conhecemos a vida de Coryo antes dos dezoito anos, apenas temos flashbacks que nos mostram o terror causado pelos rebeldes durante a guerra. Mas, afinal, os rebeldes são realmente errados nessa história? Ou eles estavam se defendendo, fazendo a Capital passar pelo mesmo que eles? Esse é outro questionamento.

Suzanne Colliins decidiu inovar ao narrar A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES em terceira pessoa, o que achei excelente, já que, dessa forma, podemos ter uma visão mais ampla dos acontecimentos. Não ficamos confinados aos pensamentos do protagonista. Sabemos o que ele sente e o que se passa em sua cabeça, mas também vemos os arredores. Esse detalhe foi crucial pra essa trama.

Além da história de Coriolanus Snow, aprendemos a origem de vários aspectos da trilogia original: como eram e quem criou os Jogos Vorazes, como eles se modificaram até se tornarem o que conhecemos, como surgiu e evoluiu a mentoria, em que contexto foi criada a música “The Hangging Tree” (A Árvore Forca), cantada por Katniss no livro A ESPERANÇA, a origem dos temidos Bestantes, animais geneticamente modificados que são inseridos na Arena. E, principalmente, como Snow conseguiu chegar à presidência de Panem.

A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES, além de nos mostrar o passado do vilão, nos dá várias respostas cujas perguntas sequer sabíamos que existiam. Após essa leitura sinto que conheço o universo por completo, e é por isso que o recomendo para os fãs da trilogia. Para quem nunca leu, indico iniciar por esse volume. Assim, vocês não terão a sensação de que caíram de paraquedas num mundo totalmente novo.

Não é necessário muito esforço pra compreender a trama, ela já é autoexplicativa. A única dúvida que fica é sobre os questionamentos que mencionei lá em cima, então esse ponto é totalmente pessoal. Apenas aviso que é necessário ler de mente aberta e de forma bem esperta, porque, além dos personagens, nós também podemos cair nas graças de um Snow.


AUTORA: Suzzane COLLINS
TRADUÇÃO: Regiane WINARSKI
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 576


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