Em O PRÍNCIPE CRUEL, quando tinha 7 anos de idade, Jude e suas irmãs, Taryn e Vivienne, assistem ao violento assassinato de seus pais por um homem desconhecido, que em seguida sequestra as três garotas e as leva para Elfhame, o mundo das fadas. Ele se chama Modoc e é o general do exército do rei. As meninas descobrem que a mãe era casada com Modoc e que Vivienne é sua filha legítima. Mas a mãe das meninas fugiu do mundo das fadas, conheceu outro homem e teve Jude e Taryn.

Dez anos mais tarde, as meninas tentam se adaptar e sobreviver em um mundo cheio de magia, onde todos são lindos e nutrem um profundo desprezo pelos humanos, pelas três garotas. O pior deles, o príncipe Cardan, parece viver para infernizar a vida de Jude, mas a garota se recusa a aceitar passivamente. Existem duas formas de uma humana se proteger desses ataques: casar com um nativo do reino das fadas, ou conseguir um lugar na Alta Corte através de um torneio de duelos entre os mais jovens. Jude escolhe a segunda opção, mesmo sendo a mais arriscada e a que pode tirar sua vida.

Entretanto, Elfhame está à beira de uma guerra civil, e Jude, devido às habilidades adquiridas pelo treinamento intenso com Madoc, é convencida a participar de uma sociedade secreta que visa descobrir os traidores do reino, impedir complôs e assassinatos, a Corte das Sombras. Ela não pode contar a ninguém, principalmente a seu padrasto, e aos poucos, ela descobre que a traição pode vir de pessoas bem mais próximas dela e de quem jamais suspeitaria.

O PRÍNCIPE CRUEL, embora seja passado em um mundo de fadas, é bastante violento, em algumas partes beirando o abuso, quase passando do que seria aceitável em um livro voltado, principalmente, para adolescentes. A perseguição sofrida por Jude é comparada ao bullying praticado em colégios, uma vez que os agressores são seus colegas de sala, mas na verdade vai muito além. Eu nem considero bullying, mas tortura psicológica e física, uma vez que muitos dos ataques chegam ao risco de morte. E a frequência com que eles acontecem durante metade da história, acaba cansando, parecendo excessivo, repetitivo.

A fonte de tanto ódio aos humanos não é explorada, mas preconceito realmente não tem explicação, e esse não chega a ser um problema. Entretanto, o comportamento de Jude diante de suas escolhas, me causaram um certo descontentamento, uma vez que são baseados em algo sem muita lógica. Ela e as duas irmãs foram sequestradas, assistiram ao assassinato dos pais, estão em cativeiro em um mundo ao qual elas não pertencem, com exceção da mais velha, e mesmo assim, Jude insiste em querer fazer parte desse povo.

Eu senti mais interesse em Vivienne do que em Jude. Vivienne, apesar de ser filha biológica de Madoc e, por isso, uma fada, não deseja ficar em Elfhame, ela sente repulsa de Madoc pelo que ele fez, então ela encontra uma forma de voltar periodicamente ao nosso mundo, dos humanos, conhece uma garota por quem se apaixona e começa a criar um plano para escapar de forma definitiva. Ela, claro, quer levar as duas irmãs junto, mas Jude se recusa, ela quer permanecer em Elfhame. Eu só não consegui entender o motivo.

Eu penso que seria compreensível se não houvessem opções para Jude. Se ela não tivesse como fugir de Elfhame. Se a permanência entre as fadas fosse permanente. Então, sim, claro, ela teria que forçar sua posição, teria que combater as perseguições, teria que enfrentar quem a odeia, mostrar que ela, apesar de não poder controlar forças mágicas, sabe se defender e sabe atacar. Seria uma questão de sobrevivência. Mas não é o caso. Ela tem opções de escapar desse inferno e viver longe de um homem que matou quem ela amava e que não é capaz de demonstrar emoções pela filha natural e nem pelas adotivas. Ou seja, não existem motivos para ela ficar. E esse vazio de motivos, atrapalhou minha capacidade de gostar da personagem.

Afastando esse problema com Jude, todo o resto segue um roteiro que não traz novidades mas que é competente na forma como constrói o suspense e o caminho para um clímax bastante sangrento. Tudo melhora a partir do momento em que Jude entra para a Corte das Sombras, e é deixado de lado o bullying repetitivo dos primeiros capítulos. Então a trama começa a se desenhar, os personagens secundários mostram para que foram criados, e o príncipe Cardan se confirma como alguém mimado e cruel, exatamente como parecia, mas também dono de uma dualidade que é comum às pessoas normais. Ou seja, ele também pode mudar, pode rever seus conceitos.

Eu aprecio quando um personagem ganha maturidade durante a história, quando ele é modificado pelo que ele sofre e não apenas porque o autor quis para atender melhor algo que criou mais para a frente. É bem óbvio que Cardan sente algo por Jude, e vice-versa, mas eles se entenderem, depende de ambos evoluírem pessoalmente, aprenderem com seus erros. E isso é bem feito no livro, tanto com Jude, como com Cardan. E o mesmo se pode dizer quanto a Madoc. Ele se mantém o homem frio o tempo todo, mas também possui várias camadas de personalidade, ele não é assim porque é, mas como resultado do que ele viveu e de suas escolhas, o que não quer dizer que suas ações assassinas são justificáveis. Personagens bem construídos são assim, detentores de muitas dimensões, exatamente como uma pessoa real.

Existem muitos personagens em O PRÍNCIPE CRUEL e todos possuem alguma importância dentro da história. Alguns merecem destaque, como Taryn, a irmã de Jude, que demonstra o quanto uma educação equivocada por ser prejudicial; ou Valerian, um dos amigos mais próximos de Cardan, que é o protagonista de trechos de bastante suspense e crueldade, sendo um deles bastante intenso e um claro exemplo de como Jude, apesar de todos os problemas na construção de suas motivações, ainda é uma garota forte e persistente.

Embora não tenha conquistado minha simpatia, não posso negar a força que Jude demonstra. Ela é o motor de toda a história, não apenas por ser a narradora, mas por ser o ponto de causa para quase tudo o que acontece. Ela não é uma personagem que sofre as consequências das ações e reage, mas uma personagem que cria as ações. E isso é muito satisfatório, acompanhar esse pequeno furacão.

O PRÍNCIPE CRUEL é uma fantasia violenta, com uma trama que não traz novidades, mas que possui personagens bens construídos, cujas decisões, essas sim, causam surpresa. Metade desses personagens não é o que parece, e a outra metade é modificada pelo que acontece. E isso é ótimo. Ao fim, o resultado é muito satisfatório e cria ansiedade para a continuação. Indico muito a leitura, mas com ressalvas para os mais jovens, principalmente pelos trechos que podem causar desconforto pelo bullying repetitivo.


AUTORA: Holly BLACK
TRADUÇÃO: Regiane WINARSKI
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 322


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