Christelle Dabos nasceu em Côte d’Azur, uma região da costa francesa, e cresceu em Cannes, no meio de uma família de músicos, rodeada por história. Em 2005, Christelle mudou para a Bélgica, começou a trabalhar como bibliotecária e entrou para uma comunidade na Internet de autores, chamada de Silver Plume. Graças a isso, ela recebeu o incentivo necessário para se inscrever no Concours du Premier Roman Jeunesse. Dos mais de 1300 textos recebidos, um júri composto por editores, autores, jornalistas, livreiros e leitores, selecionou a obra de Christelle, OS NOIVOS DO INVERNO, como a ganhadora.

Ophélie nasceu em Anima, onde a tradição manda que os casamentos sejam entre primos, como forma de manter a linhagem, ou os espíritos familiares, termo usado por eles. Mas devido a um arranjo feito pelas Decanas, uma espécie conselho que administra Anima, Ophélie deverá se casar com um importante cidadão do Polo, uma região ao norte, onde reina o frio extremo, como forma de criar uma aliança e diminuir as hostilidades políticas.

Quase todos os habitantes de Anima e Polo possuem poderes. Os de Ophélie é ler o passado de objetos e atravessar espelhos. Ou seja, se ela tocar um livro, um pente, um copo, por exemplo, ela consegue ver todas as pessoas que já seguraram cada um desses objetos e o que elas fizeram enquanto os seguravam. Quanto aos espelhos, ela consegue entrar em um espelho de um armário e sair em qualquer outro espelho que ela conheça a localização.

No Polo existem três clãs que compartilham poderes distintos: a família dos Miragens, que conseguem criar qualquer tipo de ilusão externamente ou apenas na mente de uma pessoa; a família dos Teias, onde cada um consegue ver o que o outro faz, um compartilhamento de informações; e a família dos Dragões, que consegue causar dor em qualquer pessoa, como se uma garra as atacasse. E desse clã, os Dragões, que faz parte Thorn, o homem que irá se casar com Ophélie.

Thorn é o intendente do Polo, um cargo de grande importância e visibilidade, e que por isso mesmo, faz com que ganhe muitos inimigos. Ainda mais que ele é um bastardo, o filho da relação secreta de seu pai com a mulher de outra família. Graças a sua tia Berenilde, uma mulher de grande influência devido à sua ligação com Farouk, o líder do Polo, Thorn sempre esteve protegido. Mas isso não evita que seus rivais sempre confabulem contra ele.

O casamento de Thorn com Ophélie irá unir duas famílias poderosas, de regiões distintas, e os inimigos não querem que o poder dos Dragões aumente, ainda mais sob o comando de Thorn. Além disso, existe um motivo oculto, que envolve o líder do Polo, Farouk, e um objeto muito antigo, que poderá dar grande poder a quem conhecer seus segredos. E a única coisa que os rivais precisam fazer para impedir tudo isso, é matar Ophélie.

A base de OS NOIVOS DO INVERNO é bastante conhecida e usada em vários romances, sejam clássicos ou modernos: a união forçada de uma mulher com um homem poderoso, os dois se odeiam no início, mas aos poucos começam a se apaixonar e se unem para enfrentar um inimigo comum. Existem, literalmente, dezenas e dezenas de livros que contam essa mesma história, mas com personagens, locais e épocas diferentes. Entretanto, apesar da base ser um clichê, todo o resto é bastante criativo e interessante.

A região do Polo está representada na capa do livro, uma região construída em espiral, onde a temperatura chega a 25 graus negativos, comandada por três famílias poderosas que vivem no meio de intrigas, conflitos e assassinatos. Tudo é descrito de forma bastante vívida, com clareza, o que passa a dimensão de como tudo lá é incrível, impossível. Até os elevadores, que levam as pessoas pelos níveis, são formidáveis.

Ophélie é uma personagem cativante, detentora de poderes interessantes e que são usados com inteligência durante a história. Ela tem uma dose de rebeldia e de ousadia, gosta de confrontar pessoas com atitudes que não concorda. Não fica presa a convenções. Sempre que acredita que precisa fazer algo, concretiza seus planos, independentemente se não estão dentro das regras. É fácil gostar e torcer por ela. Principalmente por lutar contra o casamento forçado e por não se curvar diante de Thorn quando este é grosso no trato. Ela responde à altura.

Thorn é um personagem que aparece pouco no decorrer da história. E quando aparece, é breve, quase sempre com alguma grosseria ou desinteresse. Ele também não quer se casar, mas reconhece a importância do acordo entre as partes, principalmente devido a um outro interesse que só é desvendado mais para o fim do livro.

Existem alguns personagens secundários interessantes e importantes, como Berenilde, a tia de Thorn, que tem mais participação que o próprio. Ela tem um passado dramático, está grávida e é a única que tem alguma influência para proteger Ophélie enquanto Thorn não está presente. Roseline, uma outra tia, só que de Ophélie, também é importante e a única que está sempre ao lado da sobrinha. Suas atitudes intempestivas criam alguns trechos engraçados, além de ser a mais sensata diante de tudo o que vai acontecendo. Temos também o Cavaleiro, que é um membro da Miragem e é extremamente perigoso. Aparece apenas duas vezes, mas são suficientes para criar um certo pânico na leitura. Existem muitos outros personagens além desses que citei, que possuem mais ou menos importância, mas nenhum deles existe ao acaso, todos possuem um grau de importância no desenrolar dos acontecimentos.

Christelle Dabos tem uma escrita muito envolvente e uma criatividade invejável, o que é surpreendente, ainda mais por ser seu primeiro livro. Entretanto existem dois defeitos na narrativa que causam um pequeno desconforto. O primeiro é em relação à repetição de descrições e acontecimentos, principalmente em algumas agressões físicas sofridas por Ophélie. São quatro especificamente. A primeira pode até ter algum sentido, como forma de demonstrar a arrogância e prepotência de quem a agride, mas isso ocorre mais duas vezes, sem qualquer necessidade para a evolução da história. O mesmo pode ser dito da quarta agressão, provocada por uma armadilha, mas que também não tem qualquer propósito em uma sociedade civilizada e que destoa do restante da história.

O segundo é a falta de atitude. Há várias situações que oprimem e agridem alguns personagens mais de uma vez, e estes não tomam uma providência para que isso não ocorra mais. Como exemplo do que quero dizer, posso usar as próprias agressões físicas sofridas por Ophélie. Quando Thorn toma conhecimento, ele se revolta, fica preocupado, mas nada faz. Roseline, a tia de Ophélie, chega em um ponto da história que concorda que o arranjo do casamento foi um erro, mas não leva a sobrinha de volta para Anima ou toma qualquer outra providência. A própria Ophélie aceita o que sofre de forma resignada, sendo que não precisava. E isso acontece com vários outros personagens e em diversas situações. Além de que o próprio casamento, que segundo Thorn, logo no início do livro, seria a forma de manter Ophélie segura, não acontece, vai sendo prolongado sem um motivo razoável.

OS NOIVOS DO INVERNO é uma aventura tão bem escrita, que torna os problemas e os clichês, algo secundário, sem afetar muito a qualidade da obra. O livro é o primeiro de uma trilogia, chamada de A PASSA-ESPELHOS, e nota-se que a autora tinha isso como objetivo desde sempre. As informações dos mundos e dos personagens são passadas de forma cuidadosa, sem pressa, deixando o leitor se acostumar de forma bem natural. Tanto que não existe um clímax neste volume, o que não quer dizer que não exista ação. Mas é bem nítida a intenção de preparar o terreno para o que virá nos livros seguintes. Prefiro algo assim, planejado, do que aqueles autores que forçam uma extensão da história apenas para criar sequências.

A editora lançou a continuação este ano, que terá resenha em breve aqui no blog, sendo que o último volume já foi publicado lá fora, então não deverá demorar muito para aparecer por aqui. Enquanto isso, aproveite e leia. OS NOIVOS DO INVERNO é uma história empolgante, com personagens cativantes, que promete trazer muitas surpresas nos próximos volumes.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Christelle DABOS
TRADUÇÃO: Sofia SOTER
EDITORA: Morro Branco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 416


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