Listado como um dos 50 melhores livros de terror de todos os tempos pela revista Esquire, esta é a história de Ted Bannerman, um homem com problemas de memória, que vive com a sua filha adolescente Lauren, e sua gata Olívia, em uma casa comum, no final de uma rua sem saída. Ted costuma beber sozinho em frente à TV e já foi interrogado pela polícia quando uma menina desapareceu por ali, há onze anos. Quando Didi, a irmã da menina desaparecida resolve se mudar para a casa ao lado, o que está enterrado há bastante tempo pode voltar para assombrá-los.

Catriona Ward é uma escritora talentosa que é reconhecida por criar histórias que são não apenas complexas, mas também profundamente psicológicas, repletas de suspense e terror. Ela mergulha nos detalhes e na evolução dos personagens de maneira excepcional. A ÚLTIMA CASA DA RUA NEEDLESS, lançado em 2021, desenrola uma trama perturbadora e intrincada, com reviravoltas inesperadas no final e uma abordagem singular de temas intensos como trauma e redenção.

O livro tem um jeito único de contar sua história, pulando no tempo e alternando entre as visões de mundo de vários personagens, todos falando em primeira pessoa. O interessante aqui é que, diferentemente de muitos livros onde a gente tende a confiar no que o narrador conta, este livro joga com a ideia de que nem tudo que é narrado pode ser levado ao pé da letra. Parece que cada personagem tem seus segredos, conta só um pedaço da história ou às vezes distorce os fatos. Isso deixa o leitor numa situação bem intrigante, meio que montando um quebra-cabeça, tentando descobrir o que é realmente verdadeiro em cada pedaço da história que eles contam.

Ted, no livro, é um personagem meio enigma. Ele não é descrito com muitos detalhes, então a gente fica livre para imaginar como ele é. O que sabemos é que ele parece ser uma pessoa bem normal por fora, mas isso só adiciona um toque de mistério ao que ele realmente é por dentro. Ted tem um jeito de ser que pode parecer estranho ou até um pouco perturbador. Ele prefere ficar na dele, evitando contato com outras pessoas, o que dá a entender que ele tem umas coisas complicadas rolando em sua vida. As escolhas que ele faz e seu jeito de viver parecem ecoar um passado cheio de altos e baixos, e uma mente cheia de lembranças, traumas e talvez algumas ideias meio distorcidas. A forma como Ted vê o mundo e se relaciona com ele é um ponto chave da história, deixando a gente curioso para entender o porquê de ele ser assim.

Lauren, filha de Ted, desempenha um papel crucial tanto na vida quanto no comportamento de seu pai. Sua influência é palpável, afetando profundamente suas decisões e ações. Ela representa um dos poucos elos de Ted com um mundo fora de suas complexidades e tormentos internos. As experiências de Lauren, especialmente as torturar que sofre nas mãos do pai, são fundamentais para desatar os nós da narrativa e entender as reviravoltas que se desenrolam mais adiante.

Lauren também toca o leitor de maneira significativa. Ela encarna uma combinação de vulnerabilidade e resiliência, enfrentando desafios que distorcem a percepção da realidade da sua história. A perspectiva de Lauren adiciona uma camada de complexidade aos eventos do livro, oferecendo vislumbres que, em vez de simplificar, adicionam camadas de mistério e engano, conduzindo a revelações surpreendentes no clímax da história.

Olivia, em A ÚLTIMA CASA DA RUA NEEDLESS, se destaca como uma personagem extraordinária — um gato que fala e oferece uma visão única e fascinante na história. Sua capacidade de “falar” nos permite acessar seus pensamentos e percepções, apresentados de uma forma que mistura inteligência e humor. Ela não é apenas um animal de estimação para Ted, mas uma verdadeira confidente, proporcionando uma janela para suas ações e psique.

A relação entre Olivia e Ted é profunda, onde ela age como uma espécie de espelho para os aspectos internos e externos da vida dele. A perspectiva de Olivia é valiosa, trazendo à luz aspectos da história que permaneceriam ocultos se dependêssemos somente dos personagens humanos. Ela encarna instinto e verdade, servindo como um contraponto às complicadas teias de enganos e realidades distorcidas dos humanos na trama.

Olivia também brinca com a ideia de realidade versus percepção e explora a essência da verdade. Com sua presença e interações, ela adiciona uma camada rica ao enredo, desafiando o leitor a questionar o que é real e o que é percebido. Surpreendentemente, Olivia também está no coração da maior reviravolta do livro, solidificando sua posição como um dos seus elementos mais interessantes e significativos.

Didi, a quarta protagonista do livro, em sua essência, é uma personagem movida por uma determinação feroz. Sua narrativa é profundamente influenciada pelo desaparecimento de sua irmã, Lulu, um evento traumático que direciona suas ações e motivações ao longo do livro. Ela é a personificação da resiliência, marcada por uma busca obstinada pela verdade e uma forte convicção moral. A mistura de luto e raiva em Didi a impulsiona em uma jornada incansável para desvendar o destino de sua irmã.

A convicção de Didi de que Ted está ligado ao desaparecimento de Lulu, mesmo sem provas concretas, destaca sua determinação e, por vezes, sua rigidez em buscar justiça. Ela está pronta para fazer o que for necessário para provar suas suspeitas. É fácil se solidarizar com Didi, principalmente quando a narrativa de Ted é enigmática e suas ações em relação à sua filha Lauren reforçam a percepção de que ele tem sérios problemas emocionais e psicológicos, parecendo capaz de tal crime.

Esse envolvimento emocional com Didi persiste até as etapas finais da história, onde uma reviravolta dramática desafia todas as percepções anteriores. O que antes era tido como certo se desfaz, revelando uma realidade completamente diferente e colocando em cheque tudo o que parecia ser verdade.

A ÚLTIMA CASA DA RUA NEEDLESS é uma obra que cativa mais pela sua forma de narrar do que pela história em si. É um daqueles livros em que é impossível confiar cegamente no que os personagens dizem, especialmente quando uma das narradoras é uma gata falante. Em meio a um enredo marcado por dramas intensos e realistas, a presença de uma gata que fala destoa, criando um elemento surpreendente que parece deslocado em uma trama que não se propõe a ser fantástica.

Inicialmente, isso pode causar estranhamento, com a quebra da realidade a cada vez que a gata compartilha sua perspectiva. Porém, à medida que a história avança, especialmente a partir da metade do livro, o leitor começa a entender o papel da gata na trama, e as peças começam a se encaixar. Mas, quando pensa que finalmente compreendeu tudo, o leitor é desafiado novamente, enfrentando novas reviravoltas.

O charme deste livro reside exatamente nessa habilidade da autora de ludibriar o leitor repetidas vezes, estimulando-o a construir e descartar teorias ao longo da leitura. A verdade, quando finalmente revelada, é ao mesmo tempo mais simples e mais sombria do que se poderia imaginar, dando um toque tanto terrível quanto fascinante à conclusão da história.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Catriona Ward
TRADUÇÃO: Thereza Christina Rocque da Motta
EDITORA: Jangada
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 352
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