Clementine é uma jovem de 15 anos que descobre o amor ao conhecer Emma, uma garota de cabelos azuis. Através de textos do diário de Clementine, o leitor acompanha o primeiro encontro das duas e caminha entre as descobertas, tristezas e maravilhas que essa relação pode trazer. Em tempos de luta por direitos e de novas questões políticas, AZUL É A COR MAIS QUENTE surge para mostrar o lado poético e universal do amor, sem apontar regras ou gêneros.

A essência de AZUL É A COR MAIS QUENTE transcende a temática da homossexualidade e do preconceito, focando-se no amor em sua forma mais genuína. Os desafios apresentados são meros obstáculos a serem superados em busca desse sentimento sublime. Portanto, a narrativa não se destina exclusivamente a um público específico ou seus simpatizantes. Clementine e Emma representam a universalidade dos sentimentos e do amor que compartilham, ressoando com qualquer um que valorize as profundezas das conexões humanas.

Embora Julie Maroh teça a narrativa de Clem e Emma em meio a eventos e conflitos relacionados à liberdade de orientação sexual, ao preconceito contra homossexuais, e à discriminação por parte de colegas, amigos e familiares em relação à escolha de um parceiro ou parceira do mesmo sexo, o cerne de sua obra vai além. Através de seu texto e suas pinturas (sim, cada quadrinho é uma obra de arte, capaz de transmitir diversos significados a depender da sensibilidade do leitor), Maroh destaca a luta persistente de uma jovem de 15 anos para amadurecer, aceitar-se e abraçar um amor que, embora não compreendido em sua totalidade, a consome intensamente sempre que dela se afasta.

A jornada que Julie Maroh nos oferece é repleta de sofrimento entrecortado por momentos efêmeros de alegria. Inicia-se no presente, onde as ilustrações são vívidas e coloridas, embora a atmosfera já prenuncie os desafios futuros. Ao regressarmos ao passado, as cores se esvaem das páginas, restando apenas o branco, o preto, suas nuances e o azul. Este último, um símbolo constante de tudo que Clem ama: desde a blusa do primeiro namorado, que rapidamente perde seu significado ao perceber que aquele não era o tipo de amor que buscava, até o marcante cabelo azul de Emma. A predominância do azul persiste até que, progressivamente, sua importância se desvanece à medida que o drama se intensifica e o desfecho se avizinha. A partir desse momento, não se faz mais necessário ressaltar uma única cor. E assim, a cada quadro, o leitor é convidado a experimentar a complexa mistura de alegria e tristeza que a história transmite.

Por essa razão, AZUL É A COR MAIS QUENTE merece ser lido com uma atenção minuciosa. Deixe-se envolver pelos detalhes. Tome, por exemplo, o quadrinho que se estende por uma página inteira carregando apenas uma única frase, ressaltando o peso de seu significado. Ou aqueles quadrinhos desprovidos de balões de fala, que capturam os aspectos mais preconceituosos e dramáticos da narrativa, permitindo ao leitor “ouvir” as atrocidades implícitas nos desenhos. Atenha-se aos desenhos em que somente os olhos dos personagens se sobressaem, carregando lágrimas não derramadas, talvez refletindo as suas próprias emoções contidas. Ou às expressões de felicidade forçada, uma tentativa de mascarar a opressão sentida diante do julgamento alheio sobre a orientação sexual. Esses elementos, sutis e poderosos, convidam a uma reflexão profunda sobre as complexidades das experiências humanas compartilhadas na obra.

O único ponto de crítica na trama, como em qualquer história, reside na razão escolhida pela autora para gerar um conflito entre Emma e Clem quando ambas já estão na casa dos trinta anos. Este desentendimento parece deslocado, considerando a autenticidade e os inúmeros sacrifícios que as duas personagens enfrentaram para permanecerem juntas. De fato, o motivo do conflito poderia ser mais plausível se tivesse ocorrido na época em que Clem tinha 15 anos, um momento marcado pela incerteza em relação à sua orientação sexual, e não aos trinta, quando se esperaria que ela estivesse mais madura e confiante em suas escolhas. Contudo, este aspecto não chega a comprometer a riqueza e o impacto da narrativa como um todo, nem diminui a expectativa pelo que ainda está por ser revelado.

O amor retratado em AZUL É A COR MAIS QUENTE é aquele idealizado, reservado exclusivamente a um indivíduo e capaz de perdurar eternamente, mesmo diante de obstáculos como a infidelidade e as falhas de caráter. Contudo, na realidade, o amor não se restringe a uma única pessoa, nem é infindável. Como já me disseram, o mundo é vasto demais para acreditar que somente uma pessoa é capaz de despertar tal sentimento. Ou que este amor possa resistir a tudo, desconsiderando as falhas, as influências externas e as necessidades pessoais. O amor exige uma constante reavaliação para que possa se sustentar. E, mesmo com esse esforço, é possível descobrir esse mesmo ímpeto emocionante em mais de um indivíduo ao longo da vida.

Clem e Emma vivenciam um tipo de sentimento que todos anseiam que seja real: puro, apesar das imperfeições humanas, e exatamente como imaginamos o amor verdadeiro. Quanto à adaptação para o cinema, embora tenha seus méritos, sugiro manter o foco nos quadrinhos. A experiência que eles oferecem é incomparável e profundamente rica, de uma maneira que o filme, apesar de seus esforços, não consegue capturar nem de longe.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Julie Maroh
ILUSTRADORA: Julie Maroh
TRADUÇÃO: Marcelo Mori
EDITORA: Martins Fontes
PUBLICAÇÃO: 2010
PÁGINAS: 158
COMPRE: Americanas