Jade Victorino precisa de um milagre financeiro. Formada em Relações Internacionais e trabalhando num emprego que não gosta, seu sonho é ingressar na pós-graduação e, um dia, se tornar docente. O único problema? Ela não consegue pagar a altíssima mensalidade. Já Dominic Salvatierra não pode ser deportado. Após anos trabalhando como professor universitário no Brasil, corre o risco de perder seu visto de trabalho por mudanças na legislação. Ele precisa se manter no país ou voltará para a República Dominicana desempregado e com as mãos abanando.

Após um encontro na praia que parecia destinado, eles entendem que a melhor maneira de se ajudarem é criando uma cooperação visando seus objetivos, tudo por meio de um casamento falso. Dessa forma, Jade consegue uma bolsa por ser sua esposa e Dominic recebe um green card brasileiro. Em meio a apostas, flertes e provocações, eles descobrem que a união estratégica do matrimônio falso pode ser mais que apenas um mero protocolo, transformando o acordo em uma conexão instantânea e, quem sabe, em algo verdadeiro.

É assim que começa a premissa de “Amor Sob Protocolo”, o livro de Sarah Oliveira, uma comédia romântica adulta que equilibra, como se espera, humor, romance e uma série de temas socialmente relevantes. Sério, são muitos: machismo, sexismo, xenofobia, homofobia, quebra de estigmas sobre transtornos neurobiológicos, padrões e pressões de beleza feminina, autoconhecimento, autoestima, valorização feminina… e a lista continua. Sarah praticamente gabaritou o bingo do Quebrando tabu, e o melhor é que fez isso com muito cuidado e sensibilidade.

Comecei a ler “Amor Sob Protocolo” no dia 20 de outubro de 2024 (meu Skoob não me permite mentir!). Li as primeiras 25 páginas e, confesso, deixei o livro de lado por dois meses. Não foi por desgosto, mas por puro caos: voltei da Bienal do Livro de São Paulo com esse e outros 30, mais livros do que tempo ou organização para lidar com eles. Quando finalmente retomei a leitura no dia 5 de janeiro de 2025, devorei as 366 páginas restantes em um único dia. Não foi só a leveza da história que me prendeu, mas o dinamismo da escrita.

Sarah construiu um texto que dialoga com inclusão de forma genuína. Jade, a protagonista, é uma mulher negra, bissexual, com vitiligo e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade). Essas características são abordadas com cuidado, sem cair em clichês vazios ou transformar a personagem em um símbolo estereotipado.

Gostei da forma como o personagem masculino foi construído. Dominic é gentil e atencioso de um jeito que aquece o coração. Um dos momentos que mais gostei foi uma cena inicial em que ele, distraído em seus pensamentos, se pergunta se Jade passou protetor solar enquanto conversavam. Pequenos detalhes como esse tornam Dominic um personagem adorável. Não vejo problema algum em idealizações. Criar personagens masculinos fictícios, carinhosos e sexualmente interessantes, não é crime, e Sarah fez isso muito bem. A propósito, os interesses sexuais dele me surpreenderam, viu?!

Embora prefira fantasias, adorei como Sarah trouxe o cotidiano para a narrativa. Um dos maiores elogios que faço ao livro é como o tédio e a rotina da vida não são ignorados. Pequenos momentos como comer, trabalhar ou simplesmente existir estão presentes, e isso só torna os personagens mais humanos. Não é todo dia que leio um romance onde os personagens, além de interessantes, também são tão… reais.

Outro ponto que me conquistou foi a familiaridade do universo acadêmico. A luta de Jade para entrar no mestrado e as descrições das suas pesquisas foram sutilmente inseridas na história, sem sobrecarregar o leitor. O livro não é acadêmico, mas cria curiosidade sobre o mundo da educação. É fácil se conectar com os personagens quando suas rotinas são tão humanas.

Um dos momentos mais marcantes para mim foi quando Dominic diz: “Acho que a vida é isso, momentos felizes são feitos no dia a dia, nas pequenas coisas. Os dias rotineiros passam sem que a gente se dê conta de que aquilo também é viver”. Divo!

Em tempos de discussões sobre a validade de clichês, “Amor Sob Protocolo” lembra que o problema nunca é o clichê em si, mas como ele é usado. O livro se apoia em tropes como “casamento de conveniência”, “sob o mesmo teto” e “uma única cama”. E quer saber? É divertidíssimo. Nunca deixa de ser. A graça está justamente em como a história brinca com essas fórmulas de um jeito que faz você sorrir ao invés de revirar os olhos.

Embora o livro seja encantador, algumas coisas me incomodaram. A sexualidade de Jade, por exemplo, é abordada com sensibilidade, mas senti que poderia ter sido melhor explorada. Em certos momentos, seu interesse por mulheres parece surgir mais como uma resposta ao trauma do que como parte dela. É uma linha tênue, e não acho que Sarah tenha falhado, não é isso, mas acredito que a personagem merecia cenas em que seu desejo por outras mulheres não estivesse associado exclusivamente a um contraponto ao ex abusivo. As justificativas da personagem são plausíveis, mas, ainda assim, senti falta de cenas onde sua bissexualidade fosse explorada sem estar atrelada ao passado doloroso.

No geral, “Amor Sob Protocolo” é uma comédia romântica nacional escrita com carinho e com uma dose saudável de sensualidade (+18, é bom lembrar), e isso é algo que sinto que sempre vale a pena celebrar. Referências culturais bem colocadas, diálogos sensíveis e três ilustrações adoráveis complementam a experiência. Sarah não apenas criou uma história divertida, mas mostrou que há espaço para delicadeza e representatividade em meio aos clichês do gênero. E isso, para mim, foi o mais inspirador.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Sarah Oliveira
EDITORA: Independente
PUBLICAÇÃO: 2024
PÁGINAS: 426 (Kindle)
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