No final dos anos 2000, ainda no início da carreira, Felipe Neto se tornou um fenômeno da internet. Seus vídeos, marcados por um tom agressivo mas bem-humorado, criticavam desde bandas e filmes para adolescentes até a corrupção, o PT, Lula e Dilma. A fórmula deu certo, e ele se tornou o primeiro youtuber brasileiro a conquistar 1 milhão de inscritos.

No entanto, com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, a aproximação da extrema direita ao poder e o recrudescimento de discursos de ódio contra minorias, Felipe passou a questionar suas convicções. Onde exatamente ele se encaixaria no espectro político já que terminologias como “esquerda” e “direita” pareciam não ser suficientes?

Em “Como enfrentar o ódio”, Felipe Neto retrata seu processo de tomada de consciência política – tão semelhante ao de milhões de brasileiros – e o papel do ódio em sua vida, primeiro como força propulsora de sua carreira e depois como ferramenta da qual ele próprio se tornou vítima.

Ao apresentar um ponto de vista singular sobre as redes sociais e seu papel na manipulação dos usuários, Felipe revela o funcionamento do Gabinete do Ódio e como combateu os inúmeros ataques que sofreu por grupos bolsonaristas. O pano de fundo dessa narrativa é um Brasil cindido, que vivenciou as eleições mais turbulentas desde a redemocratização, uma pandemia e um governo que fez da internet seu principal campo de batalha.

Os quatro primeiros parágrafos são uma reprodução da orelha do livro “Como enfrentar o ódio”. Escolhi esse texto porque achei que ele ofereceria uma descrição mais detalhada e direta do conteúdo do livro, diferente da sinopse reduzida que aparece nos sites de venda. E é exatamente isso que o leitor vai encontrar: o relato das experiências que Felipe Neto viveu e das ações que realizou nos últimos anos. O foco está especialmente no período entre 2013 e 2022, embora algumas partes também mencionam eventos que aconteceram antes disso.

O livro é dividido em cinco partes. Na primeira, o leitor começa a acompanhar um pouco da ascensão de Felipe no YouTube com seus vídeos polêmicos. Ao mesmo tempo, descobre quais foram suas influências políticas e sociais, além dos motivos que o levaram a fazer críticas profundas ao PT, a Lula e a Dilma. De forma quase cronológica, o autor retorna ao passado para explicar algumas de suas ações ou pontos de vista. Passamos pelos eventos que levaram ao impeachment da presidenta Dilma, pela Lava Jato, pela prisão de Lula e pelo surgimento de Bolsonaro como uma opção da extrema-direita para assumir o poder executivo no país.

A segunda parte é curta e uma das mais técnicas, com uma explicação detalhada de como a extrema-direita descobriu o uso das redes sociais para a perpetuação das fake news e como isso é feito. Já na terceira parte, Felipe Neto compartilha como a maioria dos artistas e influenciadores se afastou da luta contra o fascismo. Ele fala sobre o “Gabinete do Ódio”, os ataques que sofreu com o uso de fake news e manipulação de vídeos, e o evento histórico na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Felipe relata a perseguição que enfrentou de um delegado da polícia do Rio, as ameaças de morte a ele e sua família, que levaram sua mãe a deixar o país para se manter em segurança. Além disso, ele conta como começou a perceber que estava errado sobre os eventos do passado e sobre culpar Lula, Dilma e a verdade da Lava Jato.

A quarta parte do livro se concentra na pandemia, no isolamento social, no genocídio de milhares de brasileiros devido ao desgoverno e no início da vacinação. Também aborda o aumento dos ataques virtuais, mas principalmente mostra como Felipe Neto se tornou relevante no cenário político e mundial. Isso inclui a criação do Instituto Vero, suas participações em eventos e entrevistas para meios de comunicação importantes, os processos que sofreu e que iniciou, além dos diversos eventos que transformaram o país em um caos por quase três anos.

Na quinta e última parte do livro, acompanhamos as eleições que marcaram o retorno de Lula à presidência. Felipe Neto conta como pediu desculpas a Dilma e a Lula, reconhecendo erros em suas avaliações anteriores. Ele fala sobre a criação do movimento “Cala-Boca Já Morreu”, sua influência e a luta contra vários influenciadores da extrema-direita. As ameaças de morte que recebeu se tornaram mais graves, e ele descreve o combate intenso para ajudar Lula a ganhar as eleições. Além disso, Felipe oferece sugestões de como enfrentar discursos de ódio sem perder a sanidade e a integridade pessoal.

Após esse breve resumo de “Como enfrentar o ódio”, fica claro que não é um livro típico para fãs. Mas, ao mesmo tempo, é. Embora o livro se concentre principalmente no amadurecimento e na conscientização política do autor sobre os eventos da última década, toda a narrativa é construída de forma simples e direta, fácil de entender. Isso faz com que possa ser lido e compreendido por qualquer pessoa, inclusive, e talvez especialmente, pelos fãs do autor. Não sei dizer se isso foi intencional ou apenas a maneira natural do autor escrever, mas, de qualquer forma, é algo que vai ajudar muito a conquistar e educar um número ainda maior de leitores.

Há outros aspectos da narrativa que merecem elogios e mostram o cuidado em ajudar o leitor a entender e acreditar no que está lendo. Como já mencionei, a história é contada de forma cronológica na maior parte do tempo, o que é essencial para o leitor se situar nos acontecimentos e perceber como eles foram se tornando mais importantes e graves. Isso é especialmente útil para aqueles que, assim como o autor, lutaram contra a extrema-direita até a eleição de Lula poderem se localizar nas suas memórias.

Capítulo por capítulo, para quem viveu esses anos, ler “Como Enfrentar o Ódio” é como reviver todos os conflitos e batalhas do dia a dia. Através das páginas, sentimos novamente a ansiedade do confinamento e o medo de sobreviver a uma pandemia, enfrentando um governo que parecia se esforçar mais para prejudicar do que para proteger a população. Não havia a quem recorrer, já que aqueles que podiam ajudar eram exatamente os que pareciam querer que as pessoas contraíssem o vírus e morressem.

Isso traz à memória o fim de muitas amizades e brigas familiares por causa das diferenças políticas. Em certo momento, no auge da pandemia, essas discordâncias atingiram um novo patamar; deixaram de ser apenas políticas e se tornaram questões humanitárias. Ser bolsominion deixou de significar apenas alguém de direita que apoiava Bolsonaro e passou a representar uma pessoa alienada, racista, preconceituosa, terrorista—tudo o que há de pior no ser humano. Todos os eventos que levaram a essa transformação, assim como os pensamentos e sentimentos do autor, estão bem explicados e exemplificados em várias partes do livro.

Mas essa narrativa não teria impacto para muitas pessoas se fosse apenas o testemunho do autor. Tudo o que é contado no livro vem acompanhado de referências, testemunhos e documentos . Há cópias de mensagens, postagens, links para reportagens de vários meios de comunicação, citações de personalidades — enfim, uma série de provas de que tudo o que ele escreve está baseado em fatos e não apenas na sua opinião. Até mesmo as partes em que ele fez algo de que se arrependeu são acompanhadas de referências.

Sim, o autor não se concentra apenas no que fez de certo ou no que sofreu. Ele também inclui muitas partes em que admite seus erros e mostra como conseguiu reconhecê-los, mudar de opinião e corrigir o que fez de errado, ou pelo menos tornar esse reconhecimento público. Praticamente todos esses momentos são conhecidos por quem acompanha Felipe Neto nas redes sociais e no YouTube, mas acredito que incluí-los no livro é importante, especialmente por se tornarem parte de uma obra onde o que está escrito não pode ser apagado ou modificado.

Embora a maior parte da narrativa se concentre em fatos, há momentos mais pessoais em que o autor compartilha seus sentimentos, medos e expectativas. Ele situa tudo dentro de cada período, ligado ao que acontecia em sua vida e no Brasil. Acredito que isso foi essencial para criar empatia pelo que ele passou, mas também levantou algumas questões sobre por que ele enfrentou tudo isso. Ao final da leitura, depois de acompanhar o autor em todos os conflitos que enfrentou, nas ameaças de morte, nos ataques, quase sempre de maneira solitária, contando apenas com sua família, amigos e assessores, a maior questão que fica é o motivo. Afinal, a grande maioria das pessoas públicas com o mesmo impacto se acovardou e se calou até a eleição de Lula em 2022.

O autor explica alguns de seus motivos em “Como enfrentar o ódio”, mas mesmo assim, para a pessoa comum, eles não ficam muito claros; ainda resta a dúvida. Acredito que nem Felipe Neto poderia dar uma resposta definitiva, ou talvez nem ele saiba ao certo. Não de forma racional. Porque, se pensarmos racionalmente, fica claro que ele não tinha nada a ganhar nas lutas que enfrentou. Muitos podem dizer que ele ganhou visibilidade e seguidores, mas isso não seria verdade. Ele já vinha aumentando sua visibilidade e seguidores há anos, principalmente durante a fase em que coloria os cabelos, e sua influência nas redes sociais crescia no mesmo ritmo. Sua posição política apenas freou esse crescimento, o afastou de colegas de profissão e diminuiu sua renda, que, apesar de ainda ser alta segundo o senso comum, poderia ter sido muito maior.

Também acho que descobrir ou entender esse motivo, normalmente, não cabe à maioria das pessoas; isso diz respeito apenas ao autor e àqueles próximos a ele que têm intimidade para esse tipo de pergunta. Mas, para analisar “Como enfrentar o ódio” como obra, é necessário também avaliar a credibilidade das motivações do narrador. Os eventos são baseados em fatos, já que vêm acompanhados de testemunhos, referências e documentos, como já mencionei. Porém, não podemos esquecer de confirmar e entender os atos, convicções e sentimentos do narrador no meio desses fatos.

Analisando de forma puramente racional, em “Como enfrentar o ódio” fica claro que houve vários “Felipe Neto” ao longo dos anos. Ele mesmo admite isso ao reconhecer seu viés político equivocado na juventude, seu radicalismo nos vídeos e como foi mudando ao longo do tempo, principalmente pela vontade de estar ao lado do que é correto e verdadeiro, sem ataques. Diferente de muitas pessoas públicas que passaram pela mesma transformação, ele compartilhou todas essas mudanças, seja nas redes sociais ou em seu canal no YouTube. Isso é uma qualidade rara para o meio, já que a maioria simplesmente esconderia os erros e destacaria apenas os acertos com medo de perder seguidores e receitas. Mas, para uma parte do público, o reconhecimento das falhas pode ser visto como hipocrisia ou oportunismo.

A dificuldade que Felipe Neto tem em ser acreditado por quem critica seu trabalho, suas opiniões e sua pessoa é um reflexo direto de sua carreira. No início, ele fazia vídeos criticando o que a maioria das pessoas gostava, e ele mesmo admite no livro. Isso criou para ele uma imagem bem definida como alguém radical, o que fez crescer dois tipos de público: os que o adoravam e os que o detestavam. Quando gostamos de uma figura pública, seja quem for, é fácil acreditar e entender o que ela diz ou faz. Mas quando não gostamos, primeiro precisamos querer acreditar e compreender.

Em “Como enfrentar o ódio”, Felipe Neto explica que a grande motivação que o levou a mudar suas posições políticas foi a vontade de estar do lado mais humanista da política nacional e reconhecer como algumas de suas ideias anteriores eram contrárias ao que ele acreditava em sua essência. Houve uma força que o fez questionar e aprender, além de iniciar sua militância para ajudar a desfazer injustiças, já que o que estava em jogo era a política do país e o impacto que isso tinha em todas as áreas. Mas quando se trata de seu público, qual é a motivação para aqueles que criticam Felipe Neto? Não há.

Vamos fazer um exercício comparativo: quando Bolsonaro foi eleito, a maioria acreditava que ele era a melhor solução para o país. Em quatro anos, muitos mudaram de ideia, porque viram como o país foi prejudicado, a quantidade de mortes que ocorreram, e aprenderam com isso. Não aprender, não mudar de comportamento e de crenças, traz consequências diretas para a nossa vida e para a sociedade. Mas, no caso de Felipe Neto, se alguém não gosta dele, não acredita no que ele diz ou faz, e o bloqueia nas redes sociais ou deixa de segui-lo no YouTube, o que muda para essa pessoa? Nada. Não há consequências diretas ou indiretas, ou seja, não há motivação para aprender e mudar.

Não fica claro no livro “Como enfrentar o ódio” se o autor tem consciência dessa dificuldade em alcançar quem já tem uma opinião formada sobre ele. Pessoalmente, acredito que sim. Talvez por isso ele insista para que aqueles que não assistem aos seus vídeos ou não o seguem nas redes sociais façam isso antes de julgá-lo. Mas aí voltamos ao mesmo problema: qual é a motivação para a pessoa querer fazer isso? É um círculo sem fim.

E se ele sabe desse problema, então por que arriscou sua vida, a segurança de sua família e seus negócios em uma luta em que muitos só viam hipocrisia e oportunismo? Essas pessoas não mudariam de opinião, não importava o que ele fizesse ou dissesse. Ele fez isso pelo seu público? Pela sua família? Por ele mesmo? Penso que não há como responder essa pergunta apenas com a leitura da obra.

Como já foi dito, existem vários “Felipe Neto”: o filho, o radical, o comunicador, o comediante, o político, o empresário, o patrão, o amigo, e aquele “Felipe Neto” que só ele mesmo conhece, e assim por diante. E é assim com cada um de nós, com cada pessoa. Para entender sua motivação, seria necessário conhecer todos esses “Felipe Neto”, e talvez nem assim encontraríamos uma verdade absoluta. Então, leitores, como devemos encarar o que lemos em “Como enfrentar o ódio”? Diferente dos fatos comprovados durante a leitura, o restante depende de acreditarmos nele? Talvez sim, essa seja a conclusão que podemos tirar.

Se isso ainda não for suficiente para você, leitor, pense assim: se alguém arrisca tudo em uma luta onde não tem nada a ganhar e tudo a perder, ou o que tem é igual ao que todos nós temos, já que sua batalha política e social afeta a todos sem distinção, por que essa pessoa mentiria? De forma lógica, se ele tivesse ganho algo diferente com suas lutas do que nós, talvez pudéssemos duvidar de suas crenças e sentimentos. Mas ele apenas perdeu, e o que ele ganhou foi com base em suas habilidades como empresário e comunicador. Assim, ele teria vencido de qualquer maneira.

Com esse raciocínio lógico, você não precisa de fé. Basta pensar por si mesmo. O autor repete isso várias vezes durante a narrativa: pense, pense, pense. Não deixe que outros pensem por você ou decidam o que você deve acreditar. Ao refletir sobre as ações e motivações, é importante usar a lógica e a observação dos fatos apresentados. Isso ajuda a formar uma opinião própria, baseada no que realmente aconteceu, sem depender da influência externa. Dessa forma, você consegue entender melhor as verdadeiras intenções e ações do autor, fortalecendo sua capacidade de pensar de maneira independente.

A principal mensagem que “Como enfrentar o ódio” traz é o incentivo ao pensamento crítico individual. É claro que essa mensagem dificilmente vai convencer aqueles que odeiam Felipe Neto, até porque essas pessoas provavelmente não vão comprar o livro. Mesmo que o livro acabe nas mãos delas, a tendência é que o ignorem. O ciclo de ódio continuará a se espalhar entre aqueles que preferem acreditar em mensagens de WhatsApp ou em postagens da extrema-direita. O ódio, assim como um fogo em palha, se propaga rápido e causa grandes estragos.

Esse ódio é fácil de comprovar além do livro, e para isso, também precisamos ir além do livro. Se você já assistiu a vídeos dele e o segue nas redes sociais, percebe que ele se porta como uma pessoa de rompantes. Muitos de seus erros, e ele mesmo admite isso em “Como enfrentar o ódio” e nas suas redes sociais, se deve a coisas ditas de maneira impensada, emocional, para depois pensar melhor e se redimir, ou pelos menos reconhecer que exagerou, que poderia ter dito ou feito diferente, com menos intensidade. Mas basta um desses deslizes, para seu nome ser repetido milhares de vezes com ataques e xingamentos.

Eu mesmo, e aqui faço uma pausa para sair da análise do livro, presenciei algo que me assustou. Tempos atrás, em um fim de semana, estava jogando Perfil (um jogo onde precisamos descobrir o nome de coisas, pessoas e lugares com base em pistas) com alguns amigos e outros amigos desses amigos que eu não conhecia. Em determinado momento, uma dessas pessoas que eu não conhecia leu a dica de um cartão sobre uma pessoa pública. Não me lembro exatamente do texto, mas essa pessoa acrescentou que odiava essa personalidade e que não deixava seus filhos assistirem a nada do que ela produzia. Imediatamente, eu soube que era o Felipe Neto. O que me assustou foi ver o ódio dessa pessoa por alguém que ela não conhecia, com quem nunca teve contato, e que era impossível ter alguma informação que explicasse tamanha repulsa.

Tive vontade de perguntar se ela também sentia tanto ódio por Bolsonaro. Mas isso teria acabado com nossa noite. Como eu não conhecia essa pessoa e certamente nunca mais a veria, preferi ganhar os pontos da rodada e fingir que não estava extremamente incomodado. Não pelo Felipe Neto, mas pelo absurdo de presenciar uma demonstração tão intensa de ódio sem nenhum fundamento lógico. Essa atitude era baseada apenas em notícias falsas e no compartilhamento de fake news. Talvez, não sei dizer, tenha sido influenciada pelo viés da extrema-direita. Não ficaria surpreso.

Voltando ao livro e para concluir, “Como enfrentar o ódio” de Felipe Neto nos convida a refletir sobre a importância do pensamento crítico em nossas vidas. O autor mostra como é fundamental questionar informações e não aceitar tudo de forma imediata, especialmente nas redes sociais onde as fake news se espalham facilmente. Através de sua própria trajetória, Felipe nos ensina a reconhecer nossos erros, a buscar a verdade e a agir de maneira mais consciente e responsável.

Além disso, o livro ressalta o impacto que nossas ações e palavras podem ter sobre os outros. Vivemos em um mundo onde o ódio pode se propagar rapidamente, causando danos profundos tanto para indivíduos quanto para a sociedade como um todo. Ao compartilhar suas experiências pessoais, Felipe Neto nos motiva a construir pontes em vez de muros, promovendo o respeito e a empatia. Essa mensagem é essencial para criarmos um ambiente mais saudável e harmonioso para todos.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Felipe Neto
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2024
PÁGINAS: 376
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