Uma menina de três anos desaparece no meio da multidão que assiste ao desfile de Ação de Graças da Macy’s, em Nova York. Seus pais, Aaron e Grace Templeton, chamam imediatamente a polícia, mas a frenética busca que se inicia logo se mostra infrutífera: não há sinal do que possa ter acontecido com Kiera Templeton.

Miren Triggs, uma estudante de jornalismo da Universidade de Columbia, se interessa pelo caso e inicia uma investigação paralela com a ajuda de seu professor e editor-chefe do Wall Street Daily , Jim Schmoer. Aos poucos, o mistério em torno do desaparecimento de Kiera vira uma obsessão para Miren, que tem de encarar traumas de seu passado enquanto segue buscando por mais pistas.

A Garota de Neve” é aquele tipo de livro que, se você parar para pensar, pode não entender logo de cara por que é bom. A trama é bastante simples: uma garota some em meio a uma multidão e seus pais passam anos à sua procura até que finalmente encontram uma resposta. Existem muitas histórias com essa mesma ideia, seja em livros, séries ou filmes. E “A Garota de Neve” não traz grandes novidades no enredo ou surpresas na conclusão. Então, o que faz dele um bom livro? É a capacidade do autor de tecer uma narrativa que alterna entre o passado e o presente, criando um suspense a partir de eventos não resolvidos que o leitor precisa conectar para entender o que está acontecendo.

Não é muito fácil de explicar, mas vou tentar. “A Garota de Neve” tem uma estrutura interessante: os capítulos alternam entre diferentes momentos do passado, não seguindo uma ordem cronológica e focando em personagens variados. A história começa em 1988, com o desaparecimento da menina. Depois, salta para 2003, acompanhando um personagem diferente, retorna para 1998 com o mesmo personagem, volta para 2003 com os personagens iniciais, depois para 1997 com outro personagem, avança para 2000, retorna para 1997 novamente, e assim continua. Essa maneira de organizar os capítulos cria um enigma e uma teia de conexões entre os personagens, além de gerar uma expectativa crescente no leitor, que tenta entender o que aconteceu em cada época e como todas essas histórias estão interligadas.

Quando digo que não há mistério em “A Garota de Neve“, é porque realmente não há no sentido tradicional. Alguns dos capítulos são narrados do ponto de vista do sequestrador. Portanto, o leitor já sabe quem é o culpado e quais foram seus motivos desde o começo. O que permanece desconhecido é como o culpado será descoberto, e as pistas para isso são distribuídas ao longo dos diversos capítulos, situados em diferentes épocas. À medida que a história se aproxima do fim, essas pistas começam a se conectar, fazendo com que tudo comece a fazer sentido. A verdadeira surpresa não está em descobrir quem sequestrou a garota, mas sim no momento em que a conexão crucial que leva aos sequestradores é revelada.

Pode parecer confuso, especialmente pela forma como expliquei, mas na verdade não é. Isso se deve principalmente ao fato de que há poucos personagens: os pais da garota, Miren a repórter e os sequestradores. Com tão poucos personagens, fica fácil seguir cada um deles em diferentes momentos de suas vidas. Além disso, a escrita é clara e direta, sem grandes explicações ou descrições longas, o que torna tudo fácil de acompanhar. Essa é uma das grandes habilidades do autor: entender que para contar uma história não linear, é crucial não sobrecarregar o leitor com detalhes desnecessários ou situações que desviem a atenção do essencial. Se fosse de outra maneira, o leitor provavelmente se sentiria perdido nos eventos, e a leitura não seria tão prazerosa.

Um detalhe que me incomodou, e que não é exclusivo deste livro, é a repetição do mesmo tipo de trauma para personagens femininas: o estupro. Miren, a repórter, passa por essa violência, e parece que essa é vista como a única forma de trauma que pode afetar profundamente uma mulher. A trama que envolve a sua experiência, incluindo a incredulidade da justiça e sua luta para responsabilizar os agressores, é algo que já vemos em muitas outras obras. Isso acaba diminuindo o impacto da história porque se torna repetitivo. Seria interessante explorar a personagem de uma forma diferente, talvez introduzindo um tipo de trauma distinto, que poderia oferecer uma nova perspectiva e enriquecer ainda mais a narrativa.

A Garota de Neve” é um bom livro que realmente prende a atenção. Alternar entre o passado e o presente pode não ser algo novo, mas a forma como o autor aborda isso é digna de elogios. Ele interrompe cenas em momentos críticos, criando uma grande expectativa com essas pausas, e isso é muito eficaz. Graças a essa técnica, ele transforma uma história que poderia ser comum em algo cativante e emocionante. Essa abordagem faz com que você sinta uma enorme vontade de ler o livro todo de uma vez, porque a curiosidade para saber o que vai acontecer é muito forte.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Javier Castillo
TRADUÇÃO: Alberto Almeida
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2024
PÁGINAS: 264
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