A rede de fofocas no Olimpo não pára nunca e o assunto é o de sempre: Perséfone e Hades. Quando o burburinho começa a ficar opressivo, os dois decidem pisar no freio. Só que falar é mais fácil do que fazer.

Hades busca apoio na vida pessoal, mas Zeus faz pouco-caso dos seus sentimentos e Minte volta a ter comportamentos abusivos. Por mais que tente impor seus limites, o Rei do Submundo continua sozinho e perdido. Perséfone, igualmente isolada depois que seus colegas de faculdade se afastam por causa da sua relação com Hades, sequer encontra refúgio em casa, onde Apolo insiste em aparecer sem ser convidado. Como se não bastasse, Ares, o tempestuoso deus da guerra, está de volta para desenterrar sua história com a deusa da primavera, ameaçando trazer o passado da jovem à tona e arruinar ainda mais sua reputação. Apesar de concordarem em ir devagar, Perséfone e Hades se veem irremediavelmente atraídos um pelo outro em meio ao caos, e não há como negar a força do destino.
Neste segundo volume de “LORE OLYMPUS“, Kore estava pronta para começar uma nova vida quando deixou o Reino Mortal para viver no Olimpo. Porém, ela logo descobriu o lado sombrio do novo e deslumbrante lar, e agora busca seu lugar no mundo dos deuses, sempre em constante e rápida mudança. Hades também está abalado, lutando contra seus sentimentos pela jovem Deusa da Primavera enquanto exerce seu reinado solitário no Submundo. Conforme se aproximam cada vez mais, os dois precisarão desatar os nós do passado e do presente para construir um futuro juntos.

Eu resolvi escrever resenhas separadas para cada volume da série, mas como cada texto pode ser acessado separadamente, eu resolvi repetir algumas informações comuns. Eu vou marcar em itálico o que é repetido, para quem leu as outras resenhas não precisar ler novamente.

LORE OLYMPUS” é uma webcomic que reinterpreta a mitologia grega num ambiente contemporâneo. A obra foi iniciada como um projeto pessoal de Rachel Smythe, uma artista e escritora de quadrinhos da Nova Zelândia, em 2018. Smythe desejava abordar questões modernas usando as antigas narrativas mitológicas. Motivada por seu fascínio pela mitologia grega e por seu talento artístico, ela criou um estilo visual único e uma história cativante que logo atraiu muitos leitores.

A webcomic é publicada na plataforma Webtoon, conhecida por oferecer uma ampla variedade de webcomics em diversos estilos. “LORE OLYMPUS” se destacou rapidamente na plataforma, graças à sua arte inovadora e à abordagem contemporânea das lendas clássicas. A plataforma Webtoon, que é acessível gratuitamente, ajudou a aumentar a popularidade e o alcance internacional da série.

Desde o seu lançamento, “LORE OLYMPUS” (a palavra “lore” alude a tradições e saberes específicos, geralmente passados de geração em geração por meio de narrativas e ensinos orais) se tornou uma das webcomics mais populares no Webtoon, com milhões de seguidores ao redor do mundo. A série foi reconhecida com diversos prêmios e indicações, incluindo ao Eisner Award, uma das maiores honrarias no campo dos quadrinhos. A popularidade da série também gerou contratos para publicações impressas e discussões sobre adaptações para outras formas de mídia, como animações.

O sucesso de “LORE OLYMPUS” levou à sua publicação em formato físico. Naturalmente, muitos fãs apreciaram a oportunidade de adicionar a obra às suas coleções, embora a leitura online já satisfizesse plenamente. No entanto, adaptar uma webcomic, originalmente projetada para ser lida em uma interface de rolagem vertical na internet, para um formato de livro impresso apresenta desafios notáveis. A narrativa na web se desenrola através de longos painéis contínuos, onde as cenas fluem sem interrupções. Ao serem transpostas para as páginas de um livro, essas sequências são inevitavelmente interrompidas, uma vez que não cabem integralmente em uma única página. Apesar dessa mudança não diminuir a qualidade da história, ela resulta em experiências de leitura distintas. A versão online permanece como a mais completa e fiel à visão original da autora.

Rachel Smythe desenvolveu um estilo artístico único para sua obra. Sua técnica combina elementos modernos e expressivos, dando vida à mitologia grega de forma vibrante e emocional. Ela emprega linhas claras e simples, que delimitam com precisão as formas de personagens e cenários. O traço de Smythe é fluido e dinâmico, trazendo movimento e vitalidade a cada quadro. A arte possui uma qualidade de cartoon, permitindo expressões exageradas e caricatas, o que facilita a comunicação de emoções complexas e situações dramáticas.

Um dos aspectos mais notáveis de sua arte é o uso intenso de cores vibrantes e saturadas, que não apenas embelezam, mas também servem um propósito funcional, como diferenciar personagens e seus estados emocionais. Cada personagem principal possui uma paleta de cores própria; por exemplo, Hades é frequentemente mostrado em tons de azul escuro, enquanto Perséfone é representada com cores rosas e luminosas. Essa escolha não só fortalece a identidade visual de cada figura, mas também auxilia na transmissão de mudanças emocionais e estados de ânimo.

As expressões faciais são ricamente detalhadas e variadas, capturando uma extensa gama de emoções. Smythe é habilidosa no uso dos olhos, sobrancelhas e bocas para expressar sentimentos complexos, de alegria e amor a tristeza e raiva. A linguagem corporal é igualmente significativa, reforçando as emoções e as interações entre os personagens através de posturas e gestos.

As cenas de ação são vívidas e bem executadas. Smythe utiliza linhas de movimento e uma composição cuidadosa para criar uma sensação de ritmo e intensidade. Além das sequências dinâmicas, ela também sabe valorizar os momentos de calma ou tensão, que são enfatizados por quadros ampliados e ricos em detalhes, permitindo que as emoções das cenas penetrem no leitor.

Os cenários mesclam elementos antigos e modernos, incluindo arranha-céus, festas luxuosas e interiores elegantes. Os diálogos e pensamentos são integrados de maneira harmoniosa com as imagens, assegurando que o texto complemente a ação e as expressões dos personagens sem quebrar o fluxo visual. Smythe também utiliza efeitos visuais como onomatopeias, desfoques e gradientes de cor para acentuar a atmosfera e emoção das cenas.

O quarto volume foca principalmente em dois casais: Hades e Kore; Hera e Zeus. Explora-se mais a fundo o relacionamento conturbado de Hera e Zeus, marcado por traições, com Zeus exibindo o comportamento típico de um homem que exerce controle sobre algo ou alguém. No entanto, Hera revela-se uma mulher forte, disposta a confrontar o marido, seja para restaurar o casamento ao que era antes ou para terminá-lo.

No volume anterior, Hades havia arrancado o olho de alguém que fotografou e espalhou boatos sobre seu relacionamento com Kore. Neste volume, vemos Kore convencendo Hades de que ele agiu de forma excessiva, persuadindo-o a reparar o dano causado, o que faz Hades se apaixonar ainda mais por ela devido à compaixão que Kore demonstra por todos.

O livro também nos leva de volta ao passado de Kore, detalhando seu primeiro encontro com Ares. Foi um incidente casual, quando ela era mais jovem e antes de se mudar para o Olimpo. Essa passagem não apenas enriquece a personagem, mas também ressalta a natureza traiçoeira e oportunista dos deuses, um tema recorrente na série que espelha o comportamento do patriarcado na sociedade real.

A título de curiosidade, na mitologia grega, a relação entre Hades e Perséfone é fundamental e aparece em várias histórias. Perséfone, filha de Deméter, a deusa da agricultura e colheita, estava colhendo flores quando foi vista por Hades, o deus do submundo, que se apaixonou por ela. Movido por esse sentimento, Hades a sequestrou e a levou para o submundo para ser sua esposa. Esse mito é muitas vezes visto como uma representação simbólica das mudanças das estações do ano. O sequestro de Perséfone representa o período de esterilidade da terra no inverno, enquanto seu retorno simboliza a renovação e o crescimento da primavera.

Deméter, arrasada com o desaparecimento de sua filha, a procurou sem descanso. Enquanto isso, ela deixou de cuidar de suas funções como deusa da agricultura, o que causou uma grande fome na terra. Finalmente, Zeus interveio e ordenou que Hades permitisse que Perséfone voltasse. No entanto, antes de liberá-la, Hades a fez comer sementes de romã, o que a vinculou ao submundo para sempre. Foi então estabelecido que Perséfone passaria parte do ano no submundo com Hades e o restante na terra com sua mãe. Geralmente, ela ficava um terço do ano (os meses de outono e inverno) com Hades e dois terços (primavera e verão) com Deméter. Essa divisão do ano é também uma metáfora para as estações, representando o ciclo anual de crescimento, colheita e repouso na natureza.

Hades e Perséfone, dentro da mitologia, são vistos como o casal real do submundo. Apesar de seu relacionamento começar com um sequestro, eles são frequentemente retratados governando juntos de maneira harmoniosa e cooperativa. Perséfone, como rainha do submundo, assume uma posição de poder e respeito. Ela é temida e respeitada pelos mortos, exercendo grande influência e frequentemente participando nas decisões sobre o destino das almas.

Da mesma maneira, na mitologia grega, Apolo é conhecido por ser um dos deuses com comportamentos mais problemáticos. Uma das histórias mais famosas envolve seu amor não correspondido pela ninfa Dafne. Quando Dafne rejeitou Apolo, ele a perseguiu de forma obsessiva. Desesperada para escapar dele, Dafne pediu aos deuses que a ajudassem e foi transformada em uma árvore de louro para evitar Apolo.

Outra narrativa conta que Apolo se apaixonou por Cassandra, a princesa de Troia. Ele ofereceu a ela o dom da profecia esperando ganhar seu amor. Quando Cassandra aceitou o dom, mas recusou o amor de Apolo, ele a amaldiçoou para que ninguém acreditasse em suas previsões. Este mito demonstra o lado vingativo e manipulador de Apolo, punindo Cassandra de forma severa por não corresponder aos seus sentimentos.

Apolo também teve um relacionamento com Coronis, uma mortal. Ao descobrir que ela o traía com outro homem, Apolo, movido por ciúmes e raiva, a matou. No entanto, ele logo se arrependeu e tentou salvar o filho que Coronis esperava, Asclépio.

Rachel Smythe traz esses aspectos mitológicos para a caracterização de Apolo, mostrando-o como um deus que exibe comportamentos tóxicos e abusivos. Na série, Apolo exerce uma obsessão e tenta controlar Perséfone, culminando em um ato de violência contra ela. Smythe explora como Apolo manipula e busca vingança, sendo retratado como alguém que inicialmente não reconhece a seriedade de suas ações, demonstrando uma clara falta de empatia e compreensão do impacto de seu comportamento.

LORE OLYMPUS” combina romance, drama e elementos sobrenaturais, tratando de temas contemporâneos como consentimento, abuso de poder, trauma e relações interpessoais complexas. A abordagem de Smythe é atenta e respeitosa, destacando questões significativas de forma que a história mantenha o encanto e a leveza típicos dos mitos. Os personagens evoluem de maneira gradual e profunda, criando uma conexão emocional forte com os leitores. A trajetória de Perséfone é especialmente comovente, mostrando sua busca por autonomia e identidade em um ambiente que frequentemente tenta dominá-la. Além disso, a série aborda amor, amizade, lealdade e o conflito entre tradições antigas e a vida moderna.

A série foi finalizada pela autora no dia 1 de junho deste ano, 2024. Se não conseguir esperar a publicação dos próximos volumes, você pode fazer a leitura pelo site da autora.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Rachel Smythe
ILUSTRAÇÕES: Rachel Smythe
TRADUÇÃO: Érico Assis
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 384
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