Harry Potter, que já tem 17 anos, enfrenta uma missão muito arriscada. Com a morte de Dumbledore, ele e seus grandes amigos, Hermione Granger e Ron Weasley, precisam achar e eliminar as últimas horcruxes para conseguir vencer o Lorde Voldemort. Este livro é o sétimo e último livro da série e encerra a saga, buscando resolver todos os mistérios e completar as histórias dos personagens.

Depois de ler os sete livros de Harry Potter, sinto que preenchi uma lacuna importante. Não dá para negar o impacto que esses livros tiveram na sua época de lançamento. Por isso, é interessante entender o contexto daquele tempo. Quando o primeiro livro de Harry Potter foi lançado, em 1997, os livros de fantasia para jovens já existiam, mas não tinham a mesma explosão de popularidade que vemos hoje, com tantas séries disponíveis em livrarias. A série Harry Potter não só se beneficiou desse cenário, como também foi fundamental para dar nova vida e direção ao gênero.

Antes de Harry Potter, já existiam grandes obras de fantasia para jovens, como “O Senhor dos Anéis” de J.R.R. Tolkien e “As Crônicas de Nárnia” de C.S. Lewis. Esses clássicos eram populares, mas geralmente atraíam um público mais restrito. Durante os anos 90, o foco do gênero jovem adulto estava mais em temas realistas do que em mundos mágicos. Nesse contexto, os livros de Harry Potter surgiram no momento perfeito: o mercado estava aberto a novidades e ainda não estava cheio de histórias de fantasia épica voltadas para os mais jovens. Isso permitiu que a série capturasse a atenção de uma ampla faixa de leitores, renovando o interesse pelo gênero.

Quando a série Harry Potter começou, não havia muitos concorrentes no mercado de fantasia para jovens. No entanto, o seu enorme sucesso ajudou a tornar esse campo muito mais competitivo. Com Harry Potter, surgiram histórias que exploravam uma variedade maior de temas, ambientes e tradições mágicas. O sucesso da série causou um efeito dominó na indústria editorial, mostrando que havia um grande interesse por livros de fantasia entre os jovens leitores e incentivando as editoras a investirem mais nesse gênero. Isso abriu caminho para outros autores de fantasia para jovens adultos, como Rick Riordan, com “Percy Jackson & os Olimpianos”, Eoin Colfer, com “Artemis Fowl”, e Suzanne Collins, com “The Hunger Games”. Esses autores talvez não tivessem alcançado tanto sucesso se não fosse o caminho aberto por Harry Potter.

Imaginando como seria se Harry Potter fosse lançado nos dias de hoje, ele encontraria um mercado bem diferente daquele de 1997. Atualmente, o gênero de fantasia para jovens adultos está bastante saturado e a competição é intensa. Harry Potter teria que disputar atenção em um mercado repleto de obras de qualidade e bem estabelecidas.

Além disso, os interesses e preocupações dos jovens leitores evoluíram muito nos últimos vinte anos. Hoje em dia, temas como diversidade, representatividade e questões sociais são muito valorizados na literatura jovem adulta. Se Harry Potter fosse lançado agora, talvez enfrentasse críticas por falta de diversidade ou por não abordar certos temas considerados essenciais para o público atual. Isso poderia levar a mudanças significativas nos personagens, tornando-os mais diversos e alinhados com as expectativas. Em seus primeiros anos de carreira e sem muitos recursos, é possível que a autora fosse mais receptiva a adaptar sua obra para atender a essas novas demandas.

Os padrões para escrever histórias de fantasia juvenil subiram muito desde a época de Harry Potter. Naquela época, a série trouxe muitas novidades e foi considerada inovadora, mas hoje, ela poderia não parecer tão revolucionária comparada com o que temos no mercado. Os livros atuais de fantasia juvenil frequentemente apresentam narrativas complexas, personagens bem desenvolvidos e mundos ricos em detalhes.

Embora seja complicado dizer com certeza, é possível que Harry Potter não alcançasse o mesmo nível de sucesso se fosse lançado hoje. O mercado mudou bastante, com mais concorrência e expectativas diferentes por parte dos leitores. Além disso, a série talvez nem tivesse sete livros, simplesmente porque as condições que favoreceram seu sucesso original não são mais as mesmas.

Depois de terminar a leitura da série Harry Potter, senti a necessidade de refletir sobre como uma saga com sete livros conseguiu tanto sucesso, apesar de alguns pontos que me chamaram a atenção. Os personagens principais e secundários, por exemplo, não parecem ter evoluído muito ao longo dos anos. O enredo, por sua vez, apresenta várias inconsistências e depende bastante de coincidências para avançar. Além disso, a história tem uma falta notável de diversidade e o vilão, Voldemort, é um dos personagens menos inteligentes da literatura.

“Harry Potter e as Relíquias da Morte” mostra que a autora teve dificuldades para manter uma narrativa equilibrada e coerente ao longo dos sete livros. Este último volume é especialmente repleto de explicações longas, com muitos diálogos e descrições onde os personagens passam várias páginas tentando esclarecer os eventos passados e justificar as conexões na história. Além disso, o livro parece falhar em desenvolver cenas de ação convincentes. Grande parte do tempo, Harry, Hermione e Ron apenas discutem e se escondem em uma floresta. A tão aguardada batalha final, que deveria ser o clímax da série, acaba sendo rápida e concentrada em poucas páginas. Durante essa batalha, Harry e Voldemort discutem suas estratégias passadas do que propriamente duelam.

Eu poderia falar bastante sobre os problemas de narrativa e desenvolvimento na série Harry Potter, mas vou focar em três pontos principais sobre os personagens. O primeiro é o romance. Ao longo das quase 3.500 páginas dos sete livros, a autora não conseguiu criar relações amorosas convincentes entre Harry e Gina, ou Hermione e Ron. Não há muitos momentos de afeto, gestos de carinho ou declarações de amor que mostrem os sentimentos dos casais. Eles simplesmente acabam juntos.

Além disso, ao longo de toda a série, Hermione, Ron e Harry brigam, discutem e se separam várias vezes, inclusive no último livro. Os personagens parecem não amadurecer; eles reagem e agem da mesma forma, independentemente da idade. Eu gostaria de ter visto os três personagens crescendo, ganhando confiança, fortalecendo suas relações e descobrindo o amor, mas infelizmente isso não acontece de forma satisfatória.

O segundo tema que quero abordar envolve o desperdício, especificamente com os personagens Dumbledore e Snape. Dumbledore é apresentado como uma figura de grande sabedoria e um profundo conhecedor de magia, sendo o líder respeitado e mestre da escola. No entanto, ao longo dos livros, percebe-se que ele mantém Harry desinformado sobre muitos aspectos cruciais, como seu passado, sua verdadeira identidade, seu futuro e seu papel no confronto com Voldemort. Dumbledore esconde informações essenciais que, se reveladas, poderiam ter derrotado Voldemort muito antes deste conseguir um corpo, reduzindo assim a extensão da saga.

Ao longo da série Harry Potter, as ações de Dumbledore são frequentemente voltadas para manter o suspense. Ele omite informações que poderiam facilitar os desafios de Harry, que acaba tendo que se virar sozinho. No final de cada livro, Dumbledore revela em longos diálogos detalhes que teriam sido úteis bem mais cedo. Esse padrão se repete em todos os livros, sendo particularmente notável no último, que por ser muito expositivo, acaba parecendo quase exagerado.

No sexto livro, a maneira como Dumbledore lida com o artefato amaldiçoado e sua consequente condenação é especialmente controversa. Ele mesmo admite que foi um erro, o que pode parecer uma justificativa insatisfatória para suas ações. Isso sugere uma falta de coesão na construção do destino do personagem, dando a impressão de que faltou criatividade ou esforço para desenvolver um final mais convincente para Dumbledore.

Mas o tratamento dado a Snape é um dos pontos mais frustrantes. Era claro desde o início que ele era um espião para Dumbledore, algo sugerido pela confiança que Dumbledore depositava nele. As ações de Snape sempre foram ambíguas; ele aparecia nos momentos cruciais para ajudar Harry, mas de um jeito que deixava dúvidas sobre sua verdadeira lealdade, se era a Dumbledore ou a Voldemort. Até o momento em que ele mata Dumbledore no sexto livro, percebe-se que havia um acordo entre eles para que isso ocorresse.

Durante os sete livros, a autora teve a oportunidade de explorar mais profundamente o personagem de Snape, desenvolver seu passado e revelar sua verdadeira natureza gradualmente. No entanto, ela escolheu revelar esses detalhes apenas nas últimas páginas do último livro, e logo após matar o personagem de uma maneira que muitos leitores acharam abrupta e forçada, visando apenas causar um grande impacto. Isso resultou em uma das cenas mais desconfortáveis da série.

Pensemos no cenário: está acontecendo a batalha decisiva em Hogwarts. Ao redor, há caos e morte, Voldemort está quase triunfando, e após a morte de Snape, qual é a ação de Harry? Ele recolhe as lembranças de Snape, atravessa o campo de batalha, sobe até a sala de Dumbledore na torre e mergulha a cabeça na água de uma fonte para ver as memórias de um professor que ele sempre detestou e que tinha matado seu mentor. Esse ato serve para a autora introduzir um grande momento de revelação sobre Snape, que, no entanto, não surpreendeu muitos leitores e desrespeitou um personagem que tinha muito mais a oferecer. Confesso que essa parte me deixou realmente frustrado pela forma como foi conduzida. E ainda sobre esse tema, o que dizer sobre o destino de personagens como Lupin e Tonks, que simplesmente morrem sem a construção de qualquer conclusão. A descrição deles mortos é tão breve, que o leitor mais desatento, pode até deixar escapar.

O terceiro tema que merece atenção são os motivos que impulsionam a história. O enredo gira em torno do retorno do maior vilão de todos os tempos e da proteção da única pessoa que já sobreviveu a um ataque dele e, inclusive, o derrotou. Isso cria um pano de fundo emocionante para a saga. No entanto, ao longo dos sete livros, surgem muitas inconsistências. Para continuar seguindo a trama, o leitor precisa suspender a descrença e aceitar as explicações dadas, mesmo que pareçam forçadas.

Além disso, Voldemort, apesar de ser o grande antagonista, muitas vezes parece carecer de inteligência. Suas decisões são frequentemente incoerentes e irracionais, o que diminui sua credibilidade como vilão temível. Ele é mais um instrumento usado pela autora para mover a trama e criar obstáculos para os protagonistas — obstáculos esses que qualquer pessoa minimamente astuta poderia superar. Além disso, é difícil entender por que Voldemort insiste em ser ele mesmo a matar Harry, quando qualquer outro Comensal da Morte poderia fazer isso, considerando suas repetidas falhas. Se não fosse por esse detalhe, a série poderia ter terminado logo no primeiro livro, com a morte de Harry nas primeiras páginas.

Eu poderia escrever bastante sobre as incoerências e conveniências na série Harry Potter, mas talvez não seja tão necessário. A série se beneficia muito da fama e da crença popular de que é bem escrita. No entanto, com o tempo, leitores mais observadores podem notar que a qualidade da série talvez não seja tão alta quanto parece inicialmente. Muitas das ideias parecem derivadas de outros trabalhos, e as originais frequentemente não são bem exploradas. Além disso, as recentes ações da autora nas redes sociais e seus comentários controversos também têm influenciado a percepção das pessoas sobre ela e sua obra.

As resenhas dos setes livros de Harry Potter se devem ao compromisso que tenho com o blog de apresentar obras literárias, sejam elas escritas por quem forem. Há resenhas de livros antigos de autores consagrados, como Mark Twain e Monteiro Lobato, por exemplo, que são carregadas de preconceito, machismo, racismo, homofobia, entre outros profundos problemas. Não penso que seja possível separar a obra do autor, pelo menos a nível de entretenimento. Mas penso que é necessário fazer isso a nível profissional, para estudar o que foi escrito e explicar o que há de errado para os tempos atuais.

J. K. Rowling publicou diversos comentários sobre identidade de gênero e direitos trans. Em vários tweets e um ensaio subsequente, ela expressou preocupações sobre o reconhecimento legal da autodeclaração de gênero e o impacto que isso poderia ter nas mulheres. Suas palavras são trans-excludentes e transfóbicas. Como resultado, Rowling é criticada por muitos fãs, ativistas e até mesmo alguns atores dos filmes de Harry Potter.

Rowling também não soube criar uma representação respeitosa e verídica dos povos indígenas norte-americanos em textos relacionados ao universo de Animais Fantásticos. Ela fez apropriação cultural e retratou incorretamente tradições e crenças indígenas. Aliás, os livros da série de Harry Potter possuem uma enorme falta de diversidade, de personagens LGBTQIA+, e excesso de estereótipos em alguns de seus personagens. Rowling, após o final da série, tentou abrandar as críticas alegando que sempre imaginou Albus Dumbledore como gay, mas qual o motivo de não existir o menor indício disso nos livros? Parece apenas uma tentativa de inclusão retroativa. Além de que não existem personagens negros de real importância na série, apenas alguns secundários que pouco aparecem.

Devido a esses, entre outros problemas, não me sinto confortável em recomendar a leitura dos livros. A presente resenha é o resultado do compromisso em escrever sobre todos os livros. Diante do exposto acima, a escolha de leitura é sua. Minha leitura se fez com a edição em capa dura lançada em 2017.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: J. K. Rowling
TRADUÇÃO: Lia Wyler
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 512
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