Oraya é a filha adotiva do rei dos vampiros Nascidos da Noite. Humana em meio a predadores naturais, ela passou a vida lutando em um mundo que desafia sua existência. A única chance que tem de sobreviver é vencendo o Kejari, um lendário torneio promovido pela própria deusa da morte. Mas derrotar seus adversários, vampiros das três casas do reino, não será um desafio simples e, para resistir à brutalidade das batalhas, Oraya será obrigada a se aliar a um rival misterioso.

Raihn é um vampiro atroz, inimigo do rei e o oponente mais poderoso que Oraya encontra. Ainda assim, o que mais a assusta é a inesperada afeição que sente por ele. Quando a Casa da Noite é ameaçada, Raihn parece ser o único capaz de entender e ajudá-la, mas, em um mundo em que nada é mais mortal que o amor, essa relação pode colocar tudo a perder.

Após ler A SERPENTE E AS ASAS FEITAS DE NOITE, percebi que o livro parece ter duas histórias, não apenas uma. A primeira é sobre promessas e expectativas. A segunda é a história que de fato acontece. Vincent passou a vida treinando Oraya, uma humana, para que ela pudesse enfrentar qualquer vampiro e derrotar o Kejari. Seu objetivo era que Oraya ganhasse um pedido da deusa da morte, tornando-se tão poderosa quanto ele. Assim, ela poderia voltar à sua cidade natal para ajudar os humanos de lá, incluindo sua família. Oraya é uma personagem forte e determinada. Ela tem seus próprios objetivos, ama e respeita Vincent como se fosse seu pai e não tem medo de enfrentar inimigos. Vincent sempre diz a ela que possui a força e as habilidades necessárias para vencer.

No começo de A SERPENTE E AS ASAS FEITAS DE NOITE, parecia que a história seguiria um caminho, mas isso mudou logo que o Kejari foi anunciado. À medida que avançava na leitura, notei que a história tomava um rumo diferente. No primeiro confronto, antes mesmo do Kejari, Oraya quase perdeu a vida, mas foi salva por Vincent. Essa situação se repetiu no primeiro desafio do torneio, onde ela só sobreviveu graças à ajuda de Raihn. Isso mostrou que, ao contrário do que Vincent dizia, Oraya não tinha condições de enfrentar o torneio sozinha. Esse fato diminuiu a impressão de que ela era uma personagem forte e capaz, fazendo parecer que ela dependia mais dos outros ou da sorte do que de suas próprias habilidades.

A personagem Oraya sofre outro revés quando começa a se interessar por Raihn, seu maior adversário. É claro que Raihn planeja eliminar Oraya eventualmente, já que só um deles pode ganhar o torneio. No entanto, Oraya, após hesitar um pouco, decide aliar-se ao vampiro, acreditando que isso aumentaria suas chances de avançar até a fase final do Kejari. Essa escolha poderia ser compreendida, mas no decorrer da história, Oraya se apaixona por Raihn. O mais decepcionante é que ela abandona todos os seus planos anteriores para salvar Raihn no final da narrativa. Parece que seus sentimentos por um homem que conheceu há apenas algumas semanas se tornaram mais importantes do que seus vinte anos de preparação para salvar seu povo e sua família. Assim, Oraya, que começou como uma guerreira implacável e determinada, transforma-se em uma jovem que deixa tudo de lado por um amor repentino.

Oraya foi levada por Vincent quando era criança e cresceu longe dos pais, sendo treinada por ele durante toda a vida. Ela passou a ver Vincent como um pai, pois ele cuidou e a protegeu com muita dedicação. Oraya já enfrentou muitos desafios e traumas, que a tornaram forte e determinada para realizar seus objetivos e vencer o torneio. No entanto, a história inclui um episódio de estupro na adolescência de Oraya, o que parece desnecessário e sugere a ideia errada de que uma mulher precisa passar por um trauma sexual para encontrar força e motivação. Essa abordagem simplifica demais as experiências femininas e perpetua estereótipos danosos, ignorando que o trauma pode surgir de várias situações e não deve estar atrelado somente à violência sexual. Tal perspectiva limita a compreensão da identidade feminina, associando-a de forma restrita à sexualidade e pureza.

Eu acredito que Oraya tinha potencial para ser uma personagem inesquecível. No entanto, percebo que muitas obras de fantasia moderna, apelidadas de “romantasias”, tendem a apresentar personagens femininas que se tornam dependentes de anti-heróis, seguindo um padrão repetitivo. Frequentemente, vemos a heroína inicialmente forte, mas que acaba sendo dominada pelo chamado vilão atraente, charmoso e enigmático, que possui um passado doloroso e busca vingança contra algum antagonista ligado à protagonista. Esse tipo de personagem e enredo aparece em diversos livros do gênero, como em CORTE DE ESPINHOS E ROSAS, PRÍNCIPE CRUEL, DE SANGUE E CINZAS, QUARTA ASA, DIVINOS RIVAIS, ASSISTENTE DO VILÃO, PARA O TRONO, entre outros.

Esta repetição não só prejudica a qualidade e a originalidade das histórias, mas também contribui para disseminar a noção de que as personagens femininas precisam de um homem atraente e forte para atingirem seus objetivos. Há como se as autoras transferissem para suas obras uma dependência machista que, muitas vezes, está presente na sociedade de maneira sutil. Dá a impressão de que, nas histórias, é impensável uma mulher superar seus desafios sozinha ou sem ter que se apaixonar, envolver-se sexualmente ou abandonar seus próprios sonhos para ficar ao lado de seu interesse amoroso. Esse padrão pode limitar a representação das mulheres na literatura, sugerindo que seu sucesso está, de alguma forma, condicionado à presença e influência masculina.

É intrigante observar como essa mensagem é frequentemente endossada e divulgada pelas próprias leitoras com grande entusiasmo, o que parece contradizer a busca por igualdade e empoderamento feminino. Essa contradição sugere que, apesar dos avanços na conscientização sobre igualdade de gênero, ainda existem nuances complexas nas preferências literárias que refletem e perpetuam certos estereótipos e dinâmicas de poder tradicionais. É como se, mesmo buscando representações mais fortes e independentes, houvesse ainda um apego a narrativas que reforçam a ideia de dependência e submissão feminina, o que revela a complexidade dos processos culturais e sociais que moldam nossas percepções e gostos.

A SERPENTE E AS ASAS FEITAS DE NOITE segue um caminho semelhante a muitas outras obras, especialmente na sua segunda parte. Além das histórias já mencionadas, o livro parece buscar inspiração em outros sucessos. Por exemplo, o Kejari lembra um torneio estilo BATTLE ROYALE ou JOGOS VORAZES, mas envolvendo vampiros. Da mesma forma, a trama da heroína que se apaixona por seu caçador ecoa a dinâmica de CREPÚSCULO. De fato, se substituíssemos os vampiros por seres feéricos, A SERPENTE E AS ASAS FEITAS DE NOITE poderia facilmente se misturar com muitos outros livros de “romantasia” disponíveis em grande quantidade na Amazon. Esse padrão mostra como certos temas e relações são recorrentes nesse gênero literário, tornando muitas histórias previsíveis e intercambiáveis.

É uma pena que A SERPENTE E AS ASAS FEITAS DE NOITE tenha seguido essa direção. Eu estava esperançoso de desfrutar do livro e encontrar algo único, especialmente por envolver vampiros. Oraya tinha potencial para ser uma personagem cativante, com todos os ingredientes necessários para se destacar. Infelizmente, ela acabou sendo subutilizada, assim como acontece com muitas personagens em um subgênero que se diferencia por ser previsível e decepcionante. Eu realmente queria que a história trouxesse algo novo e aproveitasse melhor suas possibilidades.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Carissa Broadbent
TRADUÇÃO: Jana Bianchi
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: Suma
PÁGINAS: 488
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