Maddy Washington sempre foi alvo fácil na escola, mesmo tentando passar despercebida. Ela anda pelos corredores de cabeça baixa, vestindo um suéter velho de lã e obedecendo às ordens do pai, um fanático religioso. Mas quando você já é considerada “esquisita”, nada é tão ruim que não possa piorar. Um dia, um temporal repentino molha os cabelos de Maddy ― alisados à força pelo pai ― e revela seu maior segredo: ela não é branca.
A reação dos adolescentes é ainda mais cruel do que Maddy esperava, e escancara as raízes racistas da cidadezinha norte-americana de Springville. Preocupada com a própria imagem, Wendy, a representante da turma, monta um plano: organiza um baile de formatura unificado e convence o namorado, Kendrick, a ir com Maddy. Sendo o único homem preto no grupinho dos alunos populares, Kendrick acaba aceitando, mas se aproximar de Maddy desperta sentimentos confusos para os quais não estava preparado.
Conforme a noite do baile se aproxima, Maddy está à flor da pele. A cada dia, ela sente uma força sobrenatural despertar aos poucos dentro dela… e teme que possa explodir.
O FARDO DO SANGUE é uma obra que reimagina o clássico CARRIE de Stephen King, mantendo sua estrutura de eventos, mas introduzindo temas profundos de racismo. Ambientado no sul dos Estados Unidos, uma região historicamente marcada pela escravidão e suas consequências econômicas e sociais, este livro explora o legado de desigualdade racial e tensão que persiste até hoje.
O sul, conhecido por suas lutas durante a Guerra Civil Americana para preservar a escravidão, é o local mais propício para obras do mesmo gênero, principalmente porque ainda enfrenta desafios como altas taxas de pobreza, baixo nível educacional e significativas disparidades econômicas, fatores que alimentam o preconceito e o racismo. Mesmo após a abolição da escravidão, o Sul implementou leis que perpetuaram a segregação racial e a supremacia branca, deixando cicatrizes que ainda são evidentes. O enredo também reflete sobre como a identidade política e histórica da região influencia as atitudes contemporâneas, incluindo a valorização de símbolos do passado racista.
CARRIE foca no bullying e no fanatismo religioso como temas centrais. Em O FARDO DO SANGUE, a narrativa gira em torno de Maddy, uma personagem que, assim como Carrie, enfrenta o bullying. No entanto, o fanatismo religioso é substituído por questões de racismo. Enquanto em CARRIE, a mãe da protagonista exibe um comportamento abusivo e sádico sob a justificativa de suas crenças religiosas, em O FARDO DO SANGUE, o pai de Maddy apresenta atitudes abusivas, movido por uma vergonha profunda relacionada à aparência de sua filha, particularmente em relação ao cabelo dela. Ele obriga Maddy a alisar o cabelo e a nunca sair quando há previsão de chuva, demonstrando seu racismo e sua discriminação, e criando na filha um trauma e uma vergonha sem significado ou necessidade.
Em O FARDO DO SANGUE, os personagens refletem paralelos com aqueles encontrados em CARRIE. Temos a antagonista que nutre um ódio profundo por Maddy e elabora um esquema de vingança com a ajuda de seu namorado. Paralelamente, existe uma personagem empática que, junto ao seu namorado, tenta integrar Maddy ao ambiente social da escola, buscando pôr fim ao ciclo de abusos que ela enfrenta. A narrativa também expõe a indiferença da sociedade e do corpo docente da escola, com exceção de uma professora que demonstra compaixão e se esforça para proteger Maddy. O clímax do livro se desenrola em uma cena dramática na festa de fim de ano, onde Maddy, ao ser coroada rainha da festa, é humilhada com tinta derramada sobre ela, ecoando o desfecho trágico de CARRIE. A estrutura narrativa de O FARDO DO SANGUE também se assemelha à de CARRIE, intercalando a história com relatos de jornal e trechos de interrogatórios, fornecendo uma visão mais ampla e variada dos eventos e suas repercussões.
A autora expressou seu desejo de recriar CARRIE, por ser fã e poder usar o potencial da história para expressar a raiva e os sentimentos de injustiça vivenciados por pessoas afetadas pelo bullying, racismo ou outras formas de agressão irracional. Tiffany D. Jackson abordou sua adaptação, O FARDO DO SANGUE, com grande respeito pela obra original, mas também imprimiu seu estilo único, especialmente ao intensificar as manifestações de preconceito e a reação violenta a essas injustiças. O FARDO DO SANGUE se distingue por expor mais situações de injustiça, provocando indignação e apresentando uma resposta mais violência às injustiças sofridas, deixando uma mensagem clara de “basta”.
Eu realmente aprecio CARRIE, que é um dos meus livros favoritos de Stephen King, mas algo que sempre me incomodou durante a leitura é a falta de profundidade em seus personagens. Sinto um certo distanciamento, como se eles fossem caracterizados de forma mais fria e distante, o que não conseguiu me cativar plenamente. Reconheço que essa percepção pode ser pessoal e não necessariamente compartilhada por outros leitores. Quando li O FARDO DO SANGUE, encontrei uma questão semelhante; a abordagem dos personagens também não conseguiu estabelecer uma conexão comigo. Senti que eles eram pouco desenvolvidos, limitando-se a reagir aos eventos ou sofrer nas mãos de outros, com suas experiências e emoções apresentadas de maneira direta e desapaixonada, pelo menos na minha visão.
Eu tinha expectativas altas quanto à abordagem da questão racial no livro. O tema é abordado de forma explícita, incluindo personagens que perpetuam o racismo, tanto os que reconhecem seu sofrimento quanto os que não percebem que estão sofrendo. No entanto, senti que a discussão sobre o racismo foi tratada de maneira muito direta, sem a sutileza necessária para explorar as formas veladas de racismo, aquelas que se escondem atrás de elogios falsos ou comentários ambíguos, tornando o problema mais complexo e difícil de identificar e abordar. Talvez isso se deva à natureza da história, na qual Maddy enfrenta agressões diretas e constantes, sem a intervenção de outros, e a violência explícita deixa pouco espaço para nuances. Não tenho certeza do motivo, mas senti falta de uma exploração mais aprofundada das camadas mais sutis do racismo na narrativa.
O FARDO DO SANGUE é um livro notável que utiliza a história de uma personagem marginalizada e submetida à violência para destacar como o bullying e o racismo continuam sendo problemas graves em toda a sociedade, longe de serem resolvidos. Isso é particularmente agravado pelo fato de que muitas pessoas, frequentemente devido aos seus próprios privilégios e posições de poder, ou não se importam ou negam a existência de tais problemas.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Tiffany D. Jackson TRADUÇÃO: Karine Ribeiro EDITORA: Rocco PUBLICAÇÃO: 2023 PÁGINAS: 304 COMPRE: Amazon |