No meio da madrugada, o agente Logan Ramsay entra em um laboratório clandestino à procura de provas de um crime, sem fazer ideia de que sua vida está prestes a mudar. Um som estranho. Uma explosão. Então, silêncio. Logan acorda em um leito de hospital, sendo atendido por profissionais usando trajes de proteção biológica, enquanto sua esposa e filha o observam através de uma barreira de vidro.
Os médicos informam que ele foi infectado por um vírus capaz de modificar sua estrutura genética, embora os exames não tenham detectado nada. Depois que a febre e a dor passam, Logan começa a enxergar o mundo com mais clareza. Ele está mais forte, mais inteligente, mais rápido, e suas habilidades parecem aumentar a cada dia.
Algo revolucionário está em curso. Algo capaz de mudar a própria definição de humanidade e trazer consequências devastadoras caso caia nas mãos erradas.
Logan é a única pessoa no mundo que pode deter a catástrofe iminente e impedir a morte de milhões de pessoas, ainda que, para vencer a guerra, ele tenha que confrontar seu passado sombrio, desafiar o governo e se transformar em algo que jamais imaginou.
UPGRADE explora um tema cada vez mais relevante e sofisticado: a aplicação da genética na biotecnologia. Essas duas áreas, embora interligadas, possuem focos e objetivos distintos. Para contextualizar a narrativa do livro, é importante entender que a genética se dedica ao estudo dos genes, hereditariedade e variação genética. Seu objetivo é compreender como as características são passadas de pais para filhos e como as variações nos genes afetam os seres vivos. Esse conhecimento é crucial para entender diversas doenças humanas, aprimorar culturas agrícolas e animais, além de contribuir para estudos evolutivos. Por outro lado, a biotecnologia é uma área mais abrangente que utiliza princípios biológicos para desenvolver tecnologias e produtos inovadores. Essa área busca melhorar a qualidade de vida humana e a saúde do planeta, empregando organismos vivos, células, biomoléculas e sistemas biológicos na criação de produtos ou na modificação de processos para finalidades específicas.
Em UPGRADE, são mencionadas diversas tecnologias que estão revolucionando campos como a genética e a biotecnologia. Um exemplo é o CRISPR-Cas9, uma técnica de edição genética que tem causado um grande impacto na biologia molecular desde sua descoberta. Essa tecnologia é inspirada em um mecanismo de defesa natural encontrado em bactérias e outros microrganismos.
O CRISPR funciona através de sequências de RNA que correspondem a uma parte específica do DNA que se deseja modificar. Já o Cas9 é uma enzima que atua como uma espécie de “tesoura molecular”, capaz de cortar o DNA. Esta enzima é direcionada pela sequência CRISPR para o local exato no genoma onde o corte é necessário. Esse sistema é utilizado naturalmente por organismos como uma forma de defesa contra vírus, armazenando uma parte do DNA do vírus e, posteriormente, utilizando essa informação para reconhecer e combater o vírus em futuros ataques.
Embora a tecnologia CRISPR-Cas9 seja reconhecida por sua precisão, ela não está isenta de falhas. Ocorrências de cortes no DNA em locais não intencionados, conhecidos como “cortes fora do alvo”, podem levar a alterações genéticas indesejadas. Além disso, a utilização desta técnica para editar genes em embriões humanos, particularmente alterações que podem ser transmitidas para futuras gerações, suscita uma série de questões éticas complexas. Como acontece com qualquer tecnologia de ponta, há também o risco de que o acesso à CRISPR-Cas9 seja restrito, o que poderia agravar as desigualdades sociais e econômicas existentes.
Na história de UPGRADE, uma experiência de modificação genética acaba terrivelmente mal, resultando em uma crise global que severamente reduz a disponibilidade de alimentos, levando a fome e mortes em massa. Como resposta a essa catástrofe, os governos ao redor do mundo implementaram leis rigorosas proibindo a edição genética. Qualquer pessoa envolvida em experimentos genéticos seria considerada terrorista e sujeita à prisão. Para reforçar essas leis, foi estabelecida uma Agência de Proteção Genética, dotada de autoridade para definir e lidar com crimes federais, uma capacidade que supera até mesmo a do FBI. Logan, o protagonista da história, é um agente desta agência e lidera uma investigação para capturar um terrorista que planeja contrabandear equipamentos para alteração genética.
Logan é filho de Miriam, uma renomada cientista responsável pela criação da “Foice”, uma tecnologia avançada que supera o CRISPR-Cas9 em capacidade de realizar modificações genéticas anteriormente consideradas impossíveis. Apesar de Miriam ser considerada morta, surgem indícios de que ela pode ter deixado para trás algo extremamente perigoso, algo que precisa ser verificado e, se realmente existir, neutralizado.
Durante uma missão, Logan cai em uma armadilha e é atingido por um artefato genético que explode. Esse incidente desencadeia uma série de transformações genéticas nele, conferindo-lhe habilidades sobre-humanas. Capturado e encarcerado pela Agência de Proteção Genética para estudos, Logan consegue fugir com a ajuda de Kara, sua irmã mais nova, que também exibe habilidades aprimoradas semelhantes às dele. Juntos, eles embarcam em uma jornada para descobrir quem está por trás dessas transformações, uma busca que os coloca em oposição direta ao governo. Esta perseguição não apenas os expõe a perigos mortais, mas também os leva a desvendar segredos profundos que os colocam em um caminho de confronto letal.
UPGRADE, apesar de ser uma obra de ficção científica que vai além da realidade atual, segue a tradição dos livros de Blake Crouch ao incorporar elementos fundamentados em fatos científicos. Atualmente, é de fato possível realizar alterações genéticas que envolvem a modificação do DNA para mudar características específicas. Tecnologias como o CRISPR-Cas9 trouxeram uma revolução na capacidade de editar genes com uma precisão sem precedentes. Essas ferramentas permitem a alteração de sequências de DNA para aprimorar ou modificar características físicas e cognitivas.
Por exemplo, é possível vislumbrar alterações genéticas que aumentem a força muscular, a resistência, a velocidade de recuperação de lesões e a resistência a doenças. No que diz respeito ao cérebro, as modificações podem ter como alvo a melhoria da memória, a aceleração do processamento cognitivo, o aprimoramento da capacidade de aprendizado e até a regulação de emoções. Embora UPGRADE explore essas possibilidades em um cenário futurístico e extremo, a base científica por trás dessas ideias é uma realidade em desenvolvimento no campo da genética atual.
Tecnologias de edição genética oferecem a possibilidade de modificar genes específicos que influenciam características como a densidade muscular, a eficiência do metabolismo energético e a rapidez na regeneração de tecidos. Por exemplo, genes que afetam o desenvolvimento muscular, como o gene da miostatina, que controla o crescimento muscular, podem ser editados para alcançar resultados específicos. A diminuição da atividade da miostatina já foi vinculada ao aumento significativo da massa muscular em estudos com animais.
Além disso, alterações genéticas poderiam ser utilizadas para aprimorar a eficiência com que os músculos utilizam oxigênio ou para modificar o metabolismo energético, visando melhorar a resistência física. Da mesma forma, a manipulação de genes que desempenham um papel na regeneração de tecidos e na resposta inflamatória poderia resultar em uma cura mais rápida de feridas e em uma recuperação mais eficiente de lesões. Essas possibilidades abrem um leque de aplicações potenciais para a edição genética, tanto em termos de saúde quanto de desempenho físico.
O corpo humano é complexo, e a manipulação de um único gene pode resultar em efeitos colaterais inesperados. Além disso, as consequências a longo prazo de alterações genéticas permanecem largamente desconhecidas. A ideia de modificar geneticamente seres humanos para aprimorar certas características traz à tona importantes questões éticas. Entre essas preocupações estão os temores relacionados à eugenia, às desigualdades sociais que podem surgir se apenas alguns indivíduos tiverem acesso a essas melhorias, e à definição do que seria considerado “normal” ou “perfeito” no contexto humano.
Há também questões críticas sobre quem teria o direito de decidir quais características devem ser aprimoradas, especialmente no caso de crianças ou de intervenções antes do nascimento. A autonomia individual pode estar em risco se tais decisões forem tomadas por outros. A possibilidade de uma “divisão genética” na sociedade, onde indivíduos com aprimoramentos genéticos possam ter vantagens significativas, suscita preocupações sobre igualdade e justiça social.
Além disso, a modificação genética em larga escala pode ter consequências imprevisíveis para a saúde pública, incluindo o surgimento de novas doenças ou a alteração do equilíbrio ecológico. Portanto, torna-se evidente a necessidade de leis e regulamentos para gerir e controlar a prática de alterações genéticas. Isso inclui medidas para prevenir abusos e garantir que tais tecnologias sejam utilizadas de forma ética e responsável.
Em UPGRADE, a narrativa se desenrola em torno do conflito de ideias entre Logan e Kara. Logan acredita na possibilidade de reverter a trajetória de declínio da humanidade e evitar sua extinção nas próximas décadas. Por outro lado, Kara defende a ideia de que a única solução seria modificar geneticamente todas as pessoas, tornando-as mais inteligentes, fortes e capazes, para que assim possam compreender e corrigir os erros que estão conduzindo a humanidade ao seu fim. Esse embate de ideias é central na história, mas, na minha opinião, é abordado pelo autor de uma maneira um tanto superficial e ingênua.
Blake Crouch é conhecido por sua habilidade de misturar fatos científicos autênticos na trama de suas obras de ficção, criando histórias de ação que também servem como plataforma para discussões mais profundas. Em UPGRADE, ele continua a empregar essa técnica, embora tenda a se perder em longos trechos que detalham os componentes do DNA, muitas vezes reduzidos a meras sequências de letras. Essa estratégia, embora vise a adicionar um senso de realismo à narrativa, acaba por torná-la monótona, falhando em transmitir um significado claro ou em capturar o interesse do leitor.
Outra característica distintiva das obras de Crouch é a construção de clímaxes de ação notáveis pela sua criatividade. No entanto, UPGRADE parece desviar-se dessa norma. A história culmina na transformação de Logan e Kara em seres superpoderosos, mas o confronto final é surpreendentemente breve, ocupando apenas uma página. Esse desfecho abrupto contradiz a expectativa gerada anteriormente na narrativa, especialmente considerando o nível extraordinário de poder alcançado pelos personagens.
Apesar das minhas críticas, UPGRADE foi uma leitura que me agradou. A história aborda um tema relevante e contém vários momentos empolgantes, embora em menor quantidade do que o potencial da trama sugeria, especialmente o desfecho um tanto apressado. O livro consegue, de certa forma, camuflar suas falhas narrativas com um ritmo ágil e envolvente. As partes que detalham especificamente qual segmento do DNA é responsável por determinada característica podem ser dispensadas, pois não acrescentam nada à compreensão ou ao prazer da leitura.
Comparado a outros títulos do autor disponíveis no Brasil, UPGRADE pode não ser o melhor, mas está longe de ser uma leitura ruim. Para os fãs do gênero e admiradores do trabalho de Blake Crouch, recomendo a leitura, mas talvez seja prudente moderar as expectativas.
AVALIAÇÃO:
AUTOR: Blake Crouch TRADUÇÃO: Ulisses Teixeira EDITORA: Intrínseca PUBLICAÇÃO: 2023 PÁGINAS: 304 |