Penny Dahl está desesperada para encontrar a filha, Bonnie, que sumiu sem deixar vestígios. Em busca de ajuda profissional, ela liga para a agência Achados e Perdidos, sob o comando de Holly Gibney. A detetive reluta em aceitar o caso, porque deveria estar de licença, mas algo na voz de Penny faz com que Holly não consiga ignorar o pedido.

A poucos quarteirões de onde Bonnie foi vista pela última vez, moram Rodney e Emily Harris. Um casal de acadêmicos octogenários, dedicados um ao outro, simbolizam a banalidade da classe média suburbana. No entanto, no porão de sua casa bem cuidada e repleta de livros, os dois escondem um segredo terrível, que pode estar relacionado ao desaparecimento de Bonnie.

Descobrir a verdade se torna uma tarefa quase impossível, e Holly dependerá de seus talentos extraordinários para desmascarar os professores ― antes que eles ataquem novamente.

Na minha opinião, Holly Gibney é uma das personagens mais cativantes de Stephen King. Sua estreia aconteceu no livro MR. MERCEDES (resenha aqui), quando a história já havia passado da metade, e logo que Holly apareceu, conquistou toda a minha atenção e interesse, ofuscando os demais personagens, inclusive Bill Hodges, o detetive e principal personagem do livro. Essa paixão pela personagem não é exclusividade minha, uma vez que ela, além de ser figura central dos outros dois livros da trilogia de Bill, se tornou recorrente em mais dois outros livros de Stephen King, nomeadamente em OUTSIDER (ainda preciso ler) e em um dos contos de COM SANGUE (resenha aqui). Agora, finalmente e merecidamente, a personagem ganha seu próprio livro, sua própria história.

Holly é uma mulher de meia-idade, por volta dos 40 e poucos anos, e ela foi inicialmente apresentada em MR. MERCEDES como uma pessoa peculiar e socialmente desajeitada. Ela possui uma personalidade única, caracterizada por comportamentos obsessivos e uma atenção meticulosa aos detalhes. Apesar de suas peculiaridades, Holly demonstra notáveis habilidades de investigação e análise, o que a tornou uma aliada valiosa para Bill na resolução de crimes, como podemos acompanhar na trilogia MR. MERCEDES.

Ao longo da série Bill Hodges, Holly passa por um notável processo de desenvolvimento de personagem. Ela começa como uma figura marginalizada, porém, com o passar do tempo, adquire mais confiança em si mesma e se torna uma parte fundamental da equipe de detetives. Sua jornada de autodescoberta e superação de desafios pessoais é uma das características mais marcantes da personagem, capaz de cativar os leitores.

Em HOLLY, ela demonstra mais confiança do que nunca, principalmente porque agora precisa atuar sem a ajuda de Bill. E caso você comece a ler HOLLY sem ter lido os livros anteriores, não se preocupe, pois tudo é perfeitamente compreensível. Nas partes que demandam mais contexto devido a acontecimentos do passado, King sempre adiciona uma ou outra explicação adicional na forma de lembranças ou conversas. No entanto, esteja preparado para alguns spoilers.

Também encontramos outros dois personagens recorrentes, Jerome, o jovem vizinho de Bill, e sua irmã Barbara, que agora estão mais velhos e maduros. Barbara, em particular, desempenha um papel mais significativo na história, e temos capítulos dedicados a ela. Esses capítulos contam uma história paralela à trama principal, mas que em vários momentos se conecta aos dois assassinos, criando uma grande tensão, já que nos faz questionar se Barbara será a próxima vítima da dupla.

Falando sobre os assassinos, Rodney e Emily Harris têm capítulos dedicados a eles, nos quais é explorado tanto o passado quanto o presente. Isso permite que o leitor acompanhe os crimes que cometeram antes do sequestro de Bonnie. Ambos os personagens são retratados como indivíduos repulsivos, verdadeiros monstros sem qualquer compaixão, alimentados por uma justificativa falsa para seus assassinatos. Sim, há uma suposta razão por trás de seus atos, mas ela é cientificamente falsa. No entanto, não posso revelar mais detalhes para evitar spoilers que fazem parte do desenvolvimento da história. Posso afirmar que Rodney e Emily se destacam como alguns dos personagens mais cruéis já criados por Stephen King, o que é notável, dado o extenso rol de personagens sinistros presentes em suas obras.

A estratégia de contar ao leitor quem é o assassino logo no início, mas manter os personagens no escuro, é algo que Stephen King costuma utilizar. Na trilogia de Bill Hodges, os criminosos são revelados desde o começo. King é conhecido por seus livros de terror, mas quando está lidando com uma história de mistério que não envolve elementos sobrenaturais, ele opta por mostrar quem é o culpado desde o início para criar uma tensão dramática. Isso deixa o leitor curioso para saber se e quando os personagens descobrirão a verdade.

A revelação antecipada da identidade do assassino oferece ao autor várias maneiras de construir o suspense e permite que a narrativa se aprofunde na psicologia do assassino, o que possibilita aos leitores compreenderem seus motivos e mergulharem em sua mente. Isso pode enriquecer os personagens e a trama.

Claro, há o aspecto negativo, que é perder a surpresa da reviravolta de descobrir o assassino no final. Se não for bem executado, esse formato pode fazer com que os leitores percam o interesse na história, uma vez que já conhecem a identidade do criminoso. No entanto, King, como autor de terror, prioriza criar emoção e desconforto, em vez de depender exclusivamente do elemento surpresa.

Assim, em capítulos alternados, nós acompanhamos todos os crimes cometidos pela dupla de professores, entendemos suas motivações, como eles usam sua aparência frágil e inofensiva para atrair suas vítimas, e o que fazem com elas após capturá-las. Há até algumas partes que podem causar desconforto devido à crueldade dos atos, e uma em particular, consegue ser aterrorizante pela imagem que cria em nossa mente. Diria que essas partes se aproximam bastante do tipo de terror instigado por monstros verdadeiramente desumanos.

A história se passa em 2021, durante o auge da pandemia de COVID-19. Quando Holly é contratada por Penny Dahl para ajudar a encontrar sua filha, Bonnie, todos estão em quarentena, assim como o resto do mundo. Stephen King incorpora os acontecimentos daquela época e retrata como a maioria das pessoas estava se comportando, incluindo o sentimento geral de confusão, medo, insegurança e desconfiança causados pela pandemia.

Mas ele não para por aí. King também deixa claro seu desgosto pelos negacionistas, aqueles que se recusaram a tomar a vacina por acreditarem em informações incorretas, teorias da conspiração, ideologia política ou desconfiança em relação à eficiência e benefícios das mesmas. Ele praticamente retrata essas pessoas como vilões, o que, na minha opinião, reflete a realidade da situação. Aliás, os assassinos na história, além de serem claramente negacionistas, acrescentam um nível extra de absurdo com sua crença de que matar pessoas ajudará a alcançar algo impossível.

King insere diversas informações sobre o benefício da vacinação na história, como o fato de que a recusa em se vacinar pode ter consequências significativas para a saúde pública, uma vez que a imunização em massa é muitas vezes necessária para controlar a propagação de doenças infecciosas. A falta de vacinação pode resultar em surtos de doenças que haviam sido controladas, colocando em risco não apenas os indivíduos não vacinados, mas também aqueles que não podem ser vacinados devido a condições médicas, como pessoas com sistemas imunológicos comprometidos.

Mas King não se limita aos negacionistas em geral, em HOLLY ele expressa críticas ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua administração, que foi alvo de críticas por não liderar uma resposta federal coordenada à pandemia, o que resultou na descentralização de decisões para os estados, às vezes criando competição entre eles na aquisição de suprimentos médicos essenciais.

No início da pandemia, Trump minimizou publicamente a gravidade do COVID, comparando-o à “gripe comum” e expressando otimismo de que desapareceria rapidamente. Isso gerou preocupações sobre a precisão dos dados de testes e relatórios de casos, levantando questões sobre a transparência do governo em relação à pandemia.

Além disso, em várias ocasiões, Trump promoveu tratamentos não comprovados para o COVID, como a hidroxicloroquina, apesar de não haver evidências sólidas de sua eficácia no tratamento da doença. Também é importante mencionar que Trump frequentemente manifestou ceticismo em relação ao uso generalizado de máscaras faciais como medida preventiva, não usando máscaras com frequência em público e questionando sua eficácia. Sim, se trocar Trump por Bolsonaro dá no mesmo. Bolsonaro é a versão latina, mais pobre e mais burra do americano.

Stephen King incorpora todos esses elementos de forma natural à narrativa, como parte da vida cotidiana dos personagens. Isso inclui suas conversas, suas reações ao assistir ao noticiário, seus pensamentos ao caminhar por ruas vazias, com lojas e empresas fechadas, bem como os testemunhos de pessoas que não têm onde serem atendidas devido à superlotação nos hospitais. A história se desenrola como uma caçada a criminosos em meio ao terror que todos vivemos durante esses longos três anos de pandemia. Confesso que consegui sentir novamente parte da angústia que enfrentei durante esse período. A maneira como King integra esses elementos à narrativa faz com que a história seja profundamente imersiva e reflexiva.

HOLLY se tornou um dos meus livros favoritos de Stephen King. Holly já era uma personagem que eu amava desde a leitura de MR. MERCEDES. É emocionante e angustiante acompanhar a jornada dela na busca pelos dois assassinos, enquanto corre contra o tempo para evitar mais mortes e ao mesmo tempo tenta manter sua própria saúde em meio a um vírus que pode estar em qualquer lugar e ser passado por qualquer pessoa.

A coragem de King ao situar seus personagens em meio a eventos reais que ceifaram a vida de milhões, em grande parte devido a decisões humanas imbecis, só aumentou minha admiração pelo autor. Recomendo a leitura de cada página, cada parágrafo, cada palavra, e sugiro que compartilhe essa experiência com os poucos amigos que talvez tenham ficado na sua convivência depois de tantos momentos insensatos de uma época que parece surreal devido às absurdidades que testemunhamos.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Stephen King
TRADUÇÃO: Regiane Winarski
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2023
PÁGINAS: 448