Lendária estrela de Hollywood, Evelyn Hugo sempre esteve sob os holofotes, seja estrelando uma produção vencedora do Oscar, protagonizando algum escândalo ou aparecendo com um novo marido… pela sétima vez. Agora, prestes a completar oitenta anos e reclusa em seu apartamento no Upper East Side, a famigerada atriz decide contar a própria história ― ou sua “verdadeira história” ―, mas com uma condição: que Monique Grant, jornalista iniciante e até então desconhecida, seja a entrevistadora. Ao embarcar nessa misteriosa empreitada, a jovem repórter começa a se dar conta de que nada é por acaso ― e que suas trajetórias podem estar profunda e irreversivelmente conectadas.
OS SETE MARIDOS DE EVELYN HUGO, através das memórias da personagem principal, retorna à Hollywood da época de ouro, por volta da década de 1950, um tempo conhecido por seus filmes icônicos e estrelas brilhantes, em uma cidade envolta pelo glamour e esplendor superficial, mas submersa em intrigas, competições e preconceitos. Os estúdios mantinham uma estrutura rígida, onde atores e atrizes eram postos sob contratos de longo prazo e de exclusividade. Eles tinham um controle considerável sobre a carreira de suas estrelas, muitas vezes ditando os papéis que interpretariam, como seriam apresentados ao público e, em alguns casos, com quem deveriam se casar ou namorar para criar a imagem desejada.
A era foi marcada também pela censura. O Código Hays, implementado em 1930, impunha diretrizes morais rigorosas para o que poderia ser mostrado nos filmes, limitando a representação de sexualidade, violência, e temas tabus. Isso se estendia às vidas pessoais das estrelas de cinema. Elas eram frequentemente incentivados – ou forçados – a manter uma imagem pública idealizada, o que levou a muitos segredos, incluindo a ocultação de orientações sexuais. O preconceito estava profundamente enraizado na indústria cinematográfica e o racismo, sexismo e homofobia eram comuns. As mulheres eram frequentemente objetificadas e limitadas a papéis estereotipados, enquanto a representação de pessoas de cor e de pessoas LGBTQIA+ era quase inexistente ou negativa.
A personagem de Evelyn nasceu em Hell’s Kitchen, Nova Iorque, e era filha de imigrantes cubanos. Evelyn consegue se mudar para Hollywood, muda seu sobrenome de Herrera para Hugo, para se adequar às normas eurocêntricas da indústria cinematográfica, e se lança em uma carreira de atriz. Ela é indomável, talentosa e incrivelmente bonita, mas tem descendência latina. Nessa época, Hollywood era dominada por um ideal de beleza e talento muito específico, que favorecia principalmente os atores brancos de ascendência europeia.
Os imigrantes e as pessoas de cor eram frequentemente excluídos de papéis principais e eram mais propensos a serem escalados para papéis coadjuvantes estereotipados. Os imigrantes cubanos especificamente, e os latinos em geral, raramente eram representados como personagens complexos e multidimensionais. Em vez disso, eles eram retratados de maneira estereotipada e superficial. O sotaque, a cultura e a aparência eram muitas vezes ridicularizados ou exotizados, e eles raramente eram os protagonistas de suas próprias histórias, o que contribuía para a perpetuação de estereótipos negativos. Por isso, a identidade cubana de Evelyn é praticamente apagada de sua imagem pública.
As memórias que Evelyn narra para Monique, ao longo do livro, são de uma vida permeada por uma complexa teia de segredos e lutas pessoais. Ela se casa sete vezes, mas esconde quem é seu verdadeiro amor. Ela é forçada a esconder essa relação ao longo de sua vida por causa do preconceito e da homofobia que destruiriam sua carreira. De certa maneira, Evelyn é uma mulher que vive muitas vidas em uma. Ela é uma estrela de cinema, uma esposa (sete vezes), uma amante, uma amiga e uma sobrevivente. Ela é uma mulher que sabe o que quer e fará o que for necessário para consegui-lo. No entanto, ela também é alguém que sofre em silêncio com os sacrifícios que teve que fazer para manter sua imagem e carreira. É uma personagem que reflete a luta de viver da maneira que deseja em um mundo que muitas vezes exige conformidade.
Sua abnegação de uma vida aberta se reflete em seus relacionamentos e casamentos. Ernie Diaz, seu primeiro marido, é um homem gentil e amável. É nele que Evelyn encontra uma maneira de sair da pobreza, se mudar para Los Angeles e começar sua carreira. Uma vez estabelecida, Evelyn se separa de Ernie e casa com Don Adler, um importante produtor de Hollywood que ajuda a elevar a carreira de Evelyn ao estrelato. A relação é puramente de negócios, tem o único objetivo de impulsionar sua carreira.
Mick Riva é o terceiro marido de Evelyn, um cantor charmoso e atraente, mas também é inconstante e infiel. A relação deles é intensa e apaixonada, mas também tumultuada e volátil. Depois de separados, Evelyn se casa com Rex North, uma grande estrela de cinema, e o casamento deles é um golpe publicitário, sem amor verdadeiro envolvido. Embora Evelyn e Rex não tenham um relacionamento romântico, eles se tornam amigos próximos.
O quinto marido de Evelyn é John Braverman, um homem gentil que é amado e respeitado por Evelyn, mas que tem um destino trágico precoce. Após, Evelyn se casa com Max Girard, um diretor por quem Evelyn tem uma amizade profunda e antiga. Embora este casamento seja um casamento de conveniência para ocultar a verdadeira orientação sexual de ambos, eles se protegem especificamente por esse fato. Já Robert Jamison é o último marido de Evelyn, ele é seu empresário. Este é um casamento puramente construído para proteger a imagem de Evelyn na indústria. Cada um desses casamentos reflete um período distinto na vida de Evelyn e revela diferentes aspectos de sua personalidade. Além disso, cada marido serve a um propósito específico em sua vida, seja como uma rota de fuga, um trampolim para o estrelato, ou uma cobertura para seus segredos.
Entretanto, o verdadeiro amor de Evelyn não era nenhum de seus sete maridos e é revelado a Monique bem no início do livro. Não sei se conta como spoiler. Se preferir, pule os três próximos parágrafos.
Evelyn tem um amor proibido para a época, pelo menos para uma estrela de cinema com a grandeza dela. A revelação de sua orientação sexual e de seu amor por uma outra estrela em ascensão, Celia St. James, destruiria a carreira de ambas de maneira irremediável. O romance de Evelyn e Celia se desenrola ao longo de décadas, intercalado com os casamentos e rompimentos de Evelyn. As duas são forçadas a esconder o relacionamento do público e a se casar com homens para desviar suspeitas.
Celia é uma atriz talentosa que conquista sucesso em Hollywood, assim como Evelyn. Com uma personalidade doce e uma beleza que rivaliza com a de Evelyn, ela se torna uma das estrelas mais amadas da indústria cinematográfica. No entanto, sob a superfície de seu charme e talento, Celia luta com seus próprios demônios, incluindo a necessidade de esconder sua verdadeira identidade sexual em uma indústria que não aceita pessoas LGBTQ+, da mesma maneira que Evelyn.
Celia é a antítese e a parceira para Evelyn. Celia é o centro do mundo de Evelyn, é a dona se seu coração, de seus sentimentos mais profundos, mas Celia também representa tudo o que Evelyn realmente é por dentro, com todos os seus defeitos e medos. Penso que essa é a mensagem mais profunda da obra. A escolha entre carreira, uma vida longe da pobreza, no estrelato, em detrimento de uma vida a dois, com quem se ama, mas afastada de qualquer carreira em Hollywood. São necessários vários casamentos, décadas de conflitos entre Evelyn e Celia, várias perdas, concessões, até que as duas compreendam o que realmente tem valor na vida. E essa compreensão, como é comum, só acontece quando o inevitável fim se apresenta. Pode não ser tarde demais para reparar os erros, para finalmente consumar uma união, mas pode ser que o tempo se torne curto demais. Acompanhar essa compreensão é emocionante, triste, e transforma a dramaticidade da leitura em algo inesquecível.
Por fim, temos Monique Grant, uma jovem jornalista que é surpreendentemente selecionada pela própria Evelyn para escrever a história de sua vida. Ela está em um momento difícil, com sua carreira estagnada. Ela tem dúvidas sobre por que Evelyn escolheu a ela, uma jornalista relativamente desconhecida, para contar sua história. No entanto, à medida que a história avança, Monique se torna mais do que apenas uma jornalista; ela se torna a confidente de Evelyn e a porta de entrada para a verdade sobre a vida da atriz.
Mas uma pergunta martela a cabeça de Monique insistentemente: por que ela? Por que, dentre tantas jornalistas mais conhecidas, ela foi a escolhida para uma entrevista única, uma vez que Evelyn nunca compartilhou suas memórias com ninguém? O que Monique tinha de especial que apenas Evelyn enxergou? Ou haveria outros motivos? E se sim, quais seriam esses motivos? O que Evelyn esconde além de suas memórias? Essas perguntas são respondidas, mas apenas nas últimas páginas do livro. E penso que depois de uma leitura tão intensa, tão profunda, de uma vida e de relacionamentos tão marcantes, a revelação se mostra apressada, um pouco forçada, e perde seu impacto.
Eu considero OS SETE MARIDOS DE EVELYN HUGO um dos meus livros preferidos da vida. Chorei horrores ao final das memórias de Evelyn, principalmente com a conclusão de seu verdadeiro amor. Seria um livro perfeito, uma construção de personagem única, na minha concepção, mas que ganha uma pequena mancha, um desvio, com a ligação criada entre Evelyn e Monique. A sensação que tive é de que a autora não se preocupou tanto em como conectar as duas personagens. Ela poderia ter feito de maneira mais orgânica, diluir a história de Monique dentro da história de Evelyn, gradativamente, para criar uma conexão mais profunda. Ao invés disso, a ligação é criada de maneira abrupta, através de apenas um acontecimento, que verdadeiramente não tem o impacto que poderia ter, porque quase passa despercebido e precisa ser relembrado ao leitor por Evelyn.
Mas todo o restante da história é tão bem construído, a vida de Evelyn é tão impactante, quanto seu amor proibido, que esse percalço não consegue diminuir a qualidade da obra. OS SETE MARIDOS DE EVELYN HUGO é um romance de formação de personagem que levanta várias questões sobre nossas escolhas em busca de uma vida de sucesso, profissional e financeira, mas que pode nos obrigar a abrir mão da felicidade, principalmente por causa dos preconceitos da sociedade, e de nossa dependência da aceitação por essa mesma sociedade. A compreensão de que nossas escolhas definem quem somos e para onde vamos, e que essas escolhas não são fáceis, que na maioria das vezes iremos enveredar pelo caminho errado, ou que pelo menos não nos dará a felicidade que procuramos, mas a tranquilidade de uma vida mais fácil e o reconhecimento de quem queremos ser. Infelizmente, a felicidade nem sempre acompanha essas escolhas, e no final, precisamos avaliar o que tem mais significado. O que dá significado à vida, nossas concretizações ou nossos afetos mais profundos? Vale a pena ter uma vida abastada sem amor? São respostas que Evelyn apresenta a Monique, mas talvez tarde demais.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Taylor Jenkins Reid TRADUÇÃO: Alexandre Boide EDITORA: Paralela PUBLICAÇÃO: 2019 PÁGINAS: 360 |
Ainda não conseguiu arrumar um tempo para ler Os Sete Maridos de Evelyn Hugo. No entanto, sempre vejo comentários positivos sobre a obra e tenho-o ali, na estante, esperando sua vez. Uma hora vai. Ótima resenha, Carl!
Oi, Fran!
Tem esse livro e ainda não leu???? Faz isso não!!! Vai lá ler!