Uma casa no meio do nada, isolada de tudo e de todos, mas cheia de histórias para contar. Num raio de cem quilômetros não há outra morada com quem possa compartilhar as aventuras de abrigar criaturas mágicas, como o mestre e o piano que hospedou, com melodias que alcançavam os astros mais remotos, ou o circo que ocupou seus aposentos e lhe arrancava boas gargalhadas.
Em um tempo sem relógios, agora é a vez de uma família grotesca encontrar ali um novo lar. Uma mãe cruel, um padrasto abusador e uma menina vítima dos dois. Amiudinha foi abandonada pelo pai assim que nasceu e nunca recebeu o amor da mãe. Uma menina que não pertence a lugar algum, sem origem e sem perspectiva de futuro. Desde cedo relegada aos trabalhos domésticos, a casa é tudo que ela conhece e sua grande companheira e aliada. E, pela menina, a casa é capaz de tudo.
Destinado a proteger Amiudinha, eis que surge o cão Lanterna. Enorme e iluminado, ele chega para guardar a integridade da menina. Tendo sido vítima de uma violência e prestes a dar à luz, a menina e o cão se refugiam no sótão. Ali, Amiudinha, sua filha Céu e o cão Lanterna vivem suas aventuras como se estivessem em um mundo à parte. Mas, enquanto isso, a casa começa a sentir os efeitos de ser regida somente pelos tiranos.
O BARULHO DO FIM DO MUNDO é uma história cruel. A personagem principal, Amiudinha, sofre nas mãos dos pais o que existe de pior para alguém suportar, física e psicologicamente. Ela vive abandonada dentro do casarão, como uma criada, uma escrava, sendo obrigada a realizar todas as vontades do pai grotesco e da mãe submissa e cúmplice. Com a chegada do gigantesco cão, sua vida não melhora, apenas diminuem os sofrimentos. Finalmente, ela tem um ser que a protege e que permite que saia de casa e procure por alguma alegria. E essa alegria surge como resultado de um estupro. A partir desse momento, Amiudinha tem um único objetivo: proteger sua cria.
A narrativa de O BARULHO DO FIM DO MUNDO é feita pela casa. O imóvel velho é testemunha de todo o horror que acontece dentro de suas paredes e, contra sua vontade, é uma testemunha passiva, incapaz de interceder, e ela sente grande revolta por essa incapacidade. E da mesma maneira que a casa, o leitor sente a mesma impotência. Durante a leitura, a vontade de interferir é enorme. Queremos salvar aquela pequena criatura que é Amiudinha e nos perguntamos até quando ela irá sofrer. Respiramos mais aliviados com a chegada do cachorro, mas, mesmo assim, é bem óbvio que o drama irá se estender até o final da história.
A prosa da autora de O BARULHO DO FIM DO MUNDO é incomum, me deixou dividido, realmente não sei se gosto. Explicando melhor, parte da prosa é poética, tenta passar uma beleza que não existe nas palavras, uma vez que estas descrevem atos hediondos, e isso me fez incapaz de apreciar a composição das frases. E essa maneira de escrever é estendida para os diálogos, mas de uma maneira que soa artificial e forçada demais. Penso que senti que lia algo artificial, algo forçado para se passar por culto. Entretanto, tecnicamente, não tenho como criticar, pode ser apenas subjetivo de minha parte e outra pessoa pode gostar do que não gostei.
Porém, tenho críticas em relação à mudança de comportamento da mãe de Amiudinha após esta descobrir que a filha ficou grávida e tem uma neta. A mulher se mostrou tão cruel quanto o esposo por quase toda a história. De repente, toda a sua personalidade e comportamento mudam, como se ela se tornasse outra pessoa, e isso sem qualquer explicação, exceto pela descoberta da neta. Acontece que isso é incoerente com a personagem. Se fosse um menino, ainda haveria alguma explicação, mesmo que bastante frágil, uma vez que ela sempre desejou um filho para agradar o marido.
O BARULHO DO FIM DO MUNDO tem uma história que prende o leitor até sua conclusão, devido à curiosidade de saber o que acontece com Amiudinha, se ela consegue escapar de seus algozes, se ela consegue encontrar alguma felicidade na vida, e também qual é a conclusão da narradora, da casa, e de como ela, inevitavelmente, em algum ponto, irá interferir no destino da personagem. Infelizmente, a prosa usada pela autora não me agradou, e a alteração da natureza da mãe da personagem se mostrou desnecessária e forçada. Mesmo assim, penso que a leitura irá agradar, assim como me agradou.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Denise Emmer EDITORA: Bertrand PUBLICAÇÃO: 2023 PÁGINAS: 168 |