Até conhecer Nimona, Ballister fazia planos que jamais davam certo. Felizmente, a garota tem muitas sugestões para reverter esse quadro. Infelizmente, a maioria envolve explosões, sangue e mortes. Agora, Coração-Negro não só tem que enfrentar seu arqui-inimigo e ex-amigo, o célebre e heroico Sir Ambrosius Ouropelvis, mas também impedir que a fiel comparsa destrua todo o reino ao tentar ajudá-lo.

NIMONA é um quadrinho cativante que apresenta uma história tecno-medieval, onde a magia e a tecnologia se misturam, com muita aventura, humor e reviravoltas emocionantes. A trama gira em torno de Nimona, uma jovem metamorfa que se torna aprendiz de um vilão renomado chamado Ballister Coração-Negro. Juntos, eles embarcam em uma jornada para desvendar segredos, confrontar heróis e questionar o que realmente significa ser bom ou mau.

NIMONA traz um equilíbrio perfeito entre momentos engraçados e sérios. A narrativa mantém um ritmo acelerado, com capítulos curtos, de poucas páginas, mantendo os leitores engajados do início ao fim. Os temas explorados, como a dualidade do bem e do mal, a amizade e a aceitação, são abordados de maneira inteligente e emocionalmente envolvente.

Os três personagens principais de NIMONA são bem desenvolvidos e carismáticos. Nimona é uma protagonista encantadora e imprevisível, cuja capacidade de se transformar em qualquer coisa adiciona um toque divertido à narrativa. Sua personalidade audaciosa e sua busca por aceitação tornam fácil para os leitores se conectarem e torcerem por ela. Possui um passado obscuro, traumático, que nunca chega a ser totalmente explicado, mas com pistas de tortura e experimentos para descobrirem a origem de seus poderes.

Ballister Coração-Negro, por sua vez, é um antagonista complexo que passa por um processo de humanização ao longo da história. Sua relação com Nimona é a espinha dorsal da trama, e o desenvolvimento gradual de seu vínculo é emocionante de acompanhar. De um início onde ele tenta rejeitar a presença de Nimona de todas as maneiras, aos poucos é conquistado pela garota, principalmente quando reconhece suas fragilidades e traumas, que demonstram o quanto ela necessita de carinho e da atenção de uma pessoa que realmente se importe com ela, sem sentir medo ou repulsa por conta de seus poderes.

Ambrosius Ouropelvis, o herói lendário, é retratado como uma figura ambígua, capaz de cometer atos questionáveis em nome do “bem”. Isso adiciona camadas de profundidade à trama e provoca reflexões sobre a natureza da moralidade. Ele mantinha um romance secreto com Ballister, até o fatídico dia do torneio em que eles se enfrentam, e Ballister perde o braço devido a uma intempérie de Ouropelvis. Devido a incidente, Ballister é rejeitado como defensor do reino e se torna um pária, temido e odiado pela população. Ouropelvis passa a nutrir um sentimento de culpa e remorso pelo que fez a Ballister, além de não conseguir diminuir seus sentimentos afetivos, sempre em busca de uma maneira de consertar o passado e resgatar seu amor.

Assim, cada um dos três personagens possuem suas próprias motivações e arcos de desenvolvimento, o que os torna críveis e interessantes. A autora explora as complexidades morais de maneira sutil, sem cair em estereótipos simplistas de mocinhos e vilões. Essa abordagem permite que os leitores questionem suas próprias noções de certo e errado. E a tudo isso, ela soma um romance LGBTQIA+ emocionante, imperfeito, mas carregado de emoções.

NIMONA é um quadrinho que oferece uma história emocionante, personagens cativantes e reflexões profundas sobre moralidade e amizade. Noelle Stevenson cria um universo único e envolvente, com uma mistura habilidosa de humor e emoção. É uma leitura altamente recomendada para fãs de quadrinhos que desejam uma narrativa empolgante e personagens memoráveis. Infelizmente, a HQ não é mais publicada pela editora e para comprar, apenas no mercado alternativo a preço de ouro.

Mas e o filme?

A adaptação de NIMONA seria produzida pela Blue Sky, um braço da Fox, mas o estúdio foi adquirido pela Disney e abandonado por “possuir muitas cenas homossexuais”, segundo funcionários da Blue Sky. Felizmente a Netflix topou continuar a produção e entregou uma das melhores animações da década.

A história segue a HQ de maneira bastante fiel, com algumas alterações, ótimas alterações. Uma delas é sobre o evento que causou o afastamento entre Ballister e Ouropelvis. Na HQ, é um torneio onde Ouropelvis decepa o braço do enamorado por ciúmes. No filme, Ballister, sem ter conhecimento, é usado como arma para matar a rainha e Ouropelvis reage de maneira instintiva e fere o amigo. Penso que ficou mais crível, mais dramático e profundo, além de dar mais complexidade à história e ao desejo de justiça tomado por Ballister.

Nimona, por sua vez, é a mesma personagem impulsiva e apaixonante, com seus traumas e desejos intocados. Ao mesmo tempo em que ela demonstra invencibilidade devido à extensão de seus poderes, é possível perceber o quanto ela clama por aceitação, o quanto ela é desamparada e carente, frágil diante de um passado de abandono, maus tratos e preconceito. A animação da personagem é espetacular, ágil, com cortes que demonstram sua dualidade, e cenas hilárias, com destaque para o momento em que ela se transforma em um “menino diabólico”. Excelente!

O final, quando ela perde o controle de seus poderes em busca de vingança, é tratado no filme de maneira mais emocional e cria uma cena com Ballister que se torna quase impossível de não chorar. Também considero que ficou melhor do que a HQ, onde esse confronto entre os dois personagens não acontece.

No filme existe uma alegoria muito forte. A cidade é rodeada de muros e os habitantes têm medo do que existe depois deles, não querem conhecer. Na batalha final, o muro é destruído e todos podem ver como o exterior da cidade é bonito, imenso, cheio de vida. É inevitável comparar com os muros do preconceito, que quando caem, abrem todo um novo mundo de aceitação, de respeito, de humanidade e compaixão.

Ouropelvis é transformado em um personagem mais humano, apesar de ainda possuir um senso equivocado do que é justiça e uma cegueira quanto a quem é o real inimigo do reino. Ele mantém o preconceito contra Nimona e ainda é o estopim para todo o dramático arco final, com toda a destruição que provém. Já o romance com Ballister é mais acentuado, com mais detalhes e encontros.

NIMONA, o filme, consegue ser superior à HQ em vários momentos, mas a HQ contém mais detalhes e uma história mais longa, uma vez que várias partes foram cortadas, como todo o arco em que uma cientista descobre uma maneira de anular os poderes de Nimona. Por isso mesmo, aconselho fortemente que leiam a HQ, além de assistir ao filme. São duas experiências distintas, que despertam fortes emoções e deixam uma satisfação que poucas obras conseguem.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Noelle Stevenson
ARTE: Noelle Stevenson
TRADUÇÃO: Flora Pinheiro
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 272