Meu Corpo Te Ofende? A roupa que usamos justifica as violências que sofremos? O nosso corte de cabelo, o preconceito? Os piercings e as tatuagens deslegitimam a nossa competência? Ou, até mesmo, o medo que sentimos de andar na rua só por sermos mulheres? Perguntas pesadas para o início da nossa resenha. Mas é justamente essa a proposta da obra que falaremos a seguir.

Sim, MEU CORPO TE OFENDE? é o nome do brilhante livro escrito por Mayra Cuevas e Marie Marquardt que se propõe a debater tudo isso e muito mais. Nele, uma jovem latina tem o seu corpo violado por estar sem sutiã. Acusada de “ferir a moral dos bons costumes” por causa dos seus mamilos, ela não só recebe uma detenção como forma de punição por infringir as supostas normas de vestuário, como é obrigada pelos docentes de sua escola a se cobrir com absorvente e durex.

“Aqueles olhos errantes… subindo e descendo pelo meu corpo. Os olhares sórdidos, interrogativos, me acusando de ter o tipo errado de corpo, se impondo sobre mim. Insinuando que sou indecente, vulgar, sem-vergonha, embora nem me conheçam. Me enfiando a interpretação delas dessas regras de vestuário goela abaixo, sem que eu pudesse dizer nada” – páginas 91 e 92

A partir desse acontecimento, humilhante e traumático – afinal é uma menina de 15 anos que está começando a entender seu próprio corpo -, e junto a sua amiga, Ruby, as duas começam a questionar o sistema e promovem uma revolução.

Para dar luz a essa realidade que é, também, a de várias outras mulheres, cada capítulo é narrado por uma das duas protagonistas. Por mais que em alguns momentos, a narrativa se estenda demais, tornando os dramas das personagens um pouco cansativos, é inegável a força que isso trouxe para a história.

Tanto por mostrar as várias nuances das personagens, evidenciando como o trauma causa feridas profundas, como por trazer ainda mais credibilidade e veracidade a todos os tipos de violência que vivemos diariamente. Inclusive, justamente por essa proximidade com o nosso cotidiano, é importante ter clareza de que a obra pode gerar gatilhos. Principalmente para mulheres que sofreram algum tipo de violência, seja ela moral ou sexual.

Lado a lado, outro ponto interessante da obra são as discussões sobre privilégio. Muitas vezes, por mais desprivilegiados que somos, existem pessoas que vivem desafios ainda mais complexos por serem quem são. Neste contexto, mesmo que a gente faça o esforço da empatia, é difícil compreender coisas que não vivemos mesmo que tenhamos nossas próprias lutas diárias.

Por isso os livros são tão importantes. Ainda mais quando falam assuntos delicados com responsabilidade e maturidade. Em síntese, as palavras nos permitem nos aproximar mais das personagens e viver na pele o que elas sentiram. Logo, mesmo não tendo peitos grandes, senti a dor de Malena. Da mesma forma, a culpa – que não deveria sentir – que Ruby sentiu quando foi abusada.

Ou, até mesmo, todo o preconceito que Carlos e sua família vivem nos Estados Unidos por serem latinos. Como consequência, mesmo sendo uma obra ambientada em um universo mais teen, acaba servindo de aprendizado para todos os públicos. Independente da sua idade, é possível tirar aprendizados e entender um pouco mais sobre os temas abordados.

Até porque, além dos elementos narrativos bem construídos citados anteriormente, as autoras conseguiram, também, criar uma história acessível e envolvente, fazendo com que 391 páginas passassem rapidamente. Vale a leitura!


AVALIAÇÃO:


AUTORAS: Mayra CUEVAS e Marie MARQUARDT
TRADUÇÃO: Lígia AZEVEDO
EDITORA: Seguinte
PUBLICAÇÃO: 2023
PÁGINAS: 391