Oliver Marks acabou de cumprir uma pena de dez anos na prisão por um assassinato que pode ou não ter cometido. No dia de sua soltura, ele é procurado pelo homem que foi responsável por prendê-lo. O detetive Colborne está para se aposentar, mas, antes disso, quer saber o que realmente aconteceu há uma década atrás.
Sete jovens atores estudam Shakespeare em uma faculdade de artes de excelência, Oliver e seus amigos interpretam os mesmos papéis tanto no palco quanto na vida real: herói, vilão, tirano, sedutora, donzela, figurantes, mas, quando a escolha de elenco muda e os personagens secundários roubam o lugar das estrelas, as peças de teatro começam a mergulhar perigosamente na realidade, e um dos amigos é encontrado morto. O restante então enfrenta o maior desafio teatral de suas vidas: convencer a polícia (e uns aos outros) de que são inocentes.
A narrativa de COMO SE FÔSSEMOS VILÕES é feita em primeira pessoa por Oliver e divide os capítulos entre o passado e o presente. Nos dias atuais, acompanhamos a saída de Oliver da prisão e suas conversas com o detetive Colborne. Bem como o encontro de Oliver com alguns dos velhos amigos da faculdade, dez anos depois. Mas a maior parte do livro se concentra mesmo nos eventos que precederam o assassinato de um dos personagens e nas consequências dessa tragédia nos relacionamentos.
Além de Oliver, um garoto que não é feio, não é bonito, não é ativo ou passivo, absolutamente ordinário, no bom sentido da palavra, o grupo de estudantes é formado por mais seis personagens: Richard, com seus um metro e noventa de altura, uma presença impressionante, uma voz profunda, é destaque em qualquer lugar; Meredith é dona de uma beleza e sensualidade que corrompe qualquer coração, principalmente o de Richard, com quem tem uma relação amorosa; Wren é a prima de Richard, embora não tenha ganhado sua presença, é frágil, ingênua, comparada a uma boneca de porcelana; Alexander é magro, esguio, propenso a papéis de vilões; Filippa é alta, pele marrom-clara, com uma aparência levemente masculina, que lhe possibilita representar personagens de ambos os sexos; e, finalmente, James, o mais bonito do grupo, o ideal para o papel de herói, puro nas ações, nos pensamentos, o perfeito príncipe.
Embora cada personagem tenha seu momento dentro da história, nenhum deles é profundamente desenvolvido ou ganham um passado que complemente suas decisões ou comportamentos. Os que mais aparecem e movimentam a trama, são apenas quatro: Oliver, James, Richard e Meredith. De certa maneira, tudo gira em torno desses quatro, e os outros integrantes do grupo, servem mais para interação ou cumplicidade.
Oliver é o típico personagem que se apresenta sem atributos, mas que, por algum motivo, consegue a atenção de todos. É bem comum autores abolirem características marcantes no personagem principal para que este possa ganhar identificação pelo maior número possível de leitores. Eu não gosto muito dessa abordagem, penso que é covardia da autora por temer criar um personagem que pode não conquistar. Ainda mais que, para bem ou para mal, o que realmente vai conquistar o leitor, ou não, são as ações e reações do personagem.E embora Oliver seja apresentado sem atrativos, é ele quem narra a história e dirige os eventos. Quase todos os conflitos, inclusive o assassinato, derivam, direta ou indiretamente, de alguma decisão tomada por Oliver.
James é o oposto de Oliver, é aquele personagem que se destaca dentro do grupo, que é amado por todos, e não apenas suportado, e cuja presença se torna impactante o suficiente para criar sentimentos conflituosos: amor ou ódio. Ele é o melhor amigo de Oliver, e Oliver serve como seu protetor, seu escudeiro, seu suporte. Eles possuem uma amizade quase íntima e cujos sentimentos se tornam nebulosos e profundos no decorrer da trama. James também é o mais sensível, o mais fácil de magoar, de conquistar, e essas características costumam incomodar pessoas mais impulsivas e ciumentas.
É o caso de Richard. Ele é ciumento, agressivo, impulsivo, egoísta, detém características negativas que resultam em gestos e decisões que machucam, física e psicologicamente. Por algum motivo, ele coloca James como o objeto de seus desagrados, faz bullying com James, agride James, o trata de maneira violenta e disfarça com afirmativas de ignorância ou ações tomadas pelo momento e pela bebida. Richard é temido pelo grupo, mais por seu físico avantajado do que pelas suas palavras.
Meredith, por sua vez, é a típica personagem que conquista pela beleza, deslumbrante, que pode amar vários ao mesmo tempo ou em tempos diferentes. Sua sensualidade impede que os homens, ou mesmo qualquer pessoa, desvie o olhar por onde ela passa, ou de qualquer personagem que ela interprete. Mas ela não se resume a uma personagem bonita, ela tem um temperamento explosivo, ela tem suas vontades, não se deixa dominar e não tem medo de confronto, mesmo que seja com Richard.
COMO SE FÔSSEMOS VILÕES mistura esses quatro personagens em uma trama de desejo, inveja, ciúme, vingança e violência. Como pano de fundo, uma peça teatral de Shakespeare, onde se destacam exatamente os mesmos sentimentos. Assim, o conflito dos quatro é vivido no palco e na vida. Muitos capítulos são recheados com descrições da peça, dos ensaios, com diálogos e mais diálogos saídos diretamente do roteiro de Shakespeare, sem qualquer função para a narrativa. Para quem é fã do poeta, dramaturgo e ator inglês, é um deleite. Mas para o leitor comum, dependendo do gosto, pode ser enfadonho e um enorme exercício de paciência. Ou pior, um incentivo ao abandono da leitura. Mas caso não goste dessas partes e queira seguir acompanhando o mistério, sempre existe a opção de pular o que não lhe agradar.
A relação conflituosa dos personagens de COMO SE FÔSSEMOS VILÕES me agradou, embora não tenha nenhuma inovação. Vários trechos causam tensão e caminham diretamente para a tragédia, bem como Shakespeare gostava. E se a história se mantivesse nessa crescente até o final, seria uma excelente leitura. Entretanto, alguns problemas de construção de personagem, da composição da investigação do crime e, principalmente,de duas decisões da autora sobre responsabilidades, impactaram negativamente o prazer da experiência e ofuscaram as qualidades da história e dos personagens.
A partir deste ponto, irei tratar dessas duas decisões e, obviamente, haverão spoilers, inclusive da conclusão.
Na minha opinião, a construção do romance entre Oliver e James passou pela superficialidade e pressa. Até poucos capítulos antes do fim, não havia romance entre os dois. Pelo contrário, Oliver se mostrava interessado em Meredith, e os dois começam uma relação bastante intensa. Não há indícios da bissexualidade de Oliver, nem mesmo uma pequena insinuação. Até que em um determinado momento, já quase na conclusão da história, Oliver e James dividem uma cama por conta da falta de espaço para dormirem separados e surge uma fagulha de estranheza em Oliver. A partir desse momento, abruptamente, James passa a ser a pessoa mais importante para Oliver, ao ponto deste último assumir a culpa do crime e ser encarcerado por dez anos.
Dessa forma, parece que a autora se preocupou mais em criar o romance entre Oliver e Meredith para justificar a raiva de Richard, que culminou no assassinato, e só se lembrou de iniciar o romance entre Oliver e James nos capítulos finais, sem profundidade, evolução ou convencimento. Poderia ter se preocupado menos com as muitas páginas com diálogos da peça de Shakespeare e se preocupado mais em desenvolver um romance que seria o motivo para o sacrifício de seu personagem principal.
Outra parte mal desenvolvida foi a investigação do crime. O maior suspeito era Oliver, sem um motivo real para isso, além de que Oliver tinha um álibe perfeito, ele estava fazendo sexo com Meredith no momento em que o crime acontecia. Mas Meredith simplesmente se recusou a testemunhar a favor de Oliver. Então Oliver descobre a arma do crime e na página seguinte já está preso. Não há a criação de qualquer etapa da investigação, interrogatório, julgamento, testemunhos, apenas acontece.
Embora o que escrevi acima não tenha impactado profundamente no prazer da minha leitura, existem duas decisões totalmente equivocadas da autora que o fizeram. A primeira delas é sobre quem cometeu o assassinato. Ela trata como se houvesse apenas um culpado. Quando Richard é encontrado boiando no lago pelos seus colegas, ele ainda está vivo, mas incapaz de sair da água. James, para se defender, agrediu Richard, que caiu no lago, mas não morreu. Entretanto, os seis personagens tomam a decisão conjunta de não tirar Richard do lago e ficam observando ele agonizar, até, por fim, falecer, afogado. Logo, existem seis assassinos e não apenas um, uma vez que os seis poderiam ter resgatado Richard. Caso ele não sobrevivesse após o resgate, então, sim, haveria apenas um assassino.
Oliver se sacrifica e é preso por assumir o crime de James, uma vez que nesse ponto, eles estão apaixonados. Oliver é considerado o único assassino, e todos os personagens se comportam como se Oliver estivesse protegendo apenas James, ao invés dos seis. Em nenhum momento da história é discutida a decisão conjunta dos personagens, de todos eles terem deixado Richard morrer, e a narrativa se concentra apenas em James como o único culpado.
E essa falha se torna pior, quando James toma a decisão de tirar a própria vida por remorso. Não pela agressão, mas por ter deixado Oliver assumir a culpa sozinho. Oliver passou dez anos na prisão, nenhum colega fez um gesto para salvá-lo, e o único que demonstrou sentir culpa, o fez como se fosse o único assassino, e mesmo assim só tomou uma ação, pouco antes de Oliver sair do presídio. E a ação não foi se entregar e inocentar o amigo, mas se matar, deixando o amigo preso da mesma maneira. Não há qualquer lógica no ato, e o que fica, é a sensação de que a autora quis escrever algo impactante para terminar a história, matar o personagem mais querido, o objeto de afeição de Oliver, sem se preocupar se fazia sentido.
Mas a autora consegue piorar, uma vez que nos últimos parágrafos, ela deixa subentendido que o suicídio de James pode ter sido representado, James ainda pode estar vivo, à espera de Oliver. Mas James faria isso por qual motivo? Ele não é procurado por nenhum crime para precisar fingir sua morte. Ele sabe que Oliver está prestes a sair da prisão. Por qual motivo criaria um subterfúgio para causar ainda mais dor no amante, ou mesmo por qual motivo esconderia sua existência dos outros amigos? Novamente fica a sensação de algo criado apenas para impactar, de maneira burra e sem lógica.
Infelizmente, pelos motivos acima, COMO SE FÔSSEMOS VILÕES foi uma leitura ruim, dispensável, que deixou a indignação de uma história que poderia ter sido muito melhor, caso a autora tivesse se preocupado mais com a qualidade e a coerência da história ao invés de reproduzir trechos e diálogos da obra de outro autor.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: M. L. Rio TRADUÇÃO: Laura Pohl EDITORA: Companhia Editora Nacional PUBLICAÇÃO: 2022 PÁGINAS: 352 |
Olá Carlos,
Acabei de ler esse livro e gosto de ler outras opiniões quando termino uma obra.
Eu achei o livro realmente bom. Um livro é entendido tanto pelo que se lê quanto pelo que não está escrito. Claro que cada um pode criar teorias sobre algo mas, para mim, fica claro ao leitor que o elo que une James e Oliver era forte pelos anos que já haviam passado juntos só descritos no livro com um comentário ou outro sobre o passado. Tão forte ao ponto da linha da amizade e amor romântico ser ultrapassada com tanta facilidade e aparente rapidez. Nós leitores chegamos no final dessa construção. O amor entre os dois surgiu como uma surpresa até para Oliver, que não percebeu a mudança ao longo dos anos. Algo que acredito que James já havia percebido. Meredith e Oliver são um encaixe confortável, duas pessoas que sentem falta de serem notadas. Meredith além da aparência, Oliver apesar da simploriedade. O envolvimento de fato só ocorre devido a solidão, o vazio deixado por Richard. Talvez sem sua ausência nunca haveria a descoberta de Oliver e James.
Oliver nunca foi um suspeito. O detetive apenas acreditava que todos guardavam um segredo e, por simpatizar com Oliver, talvez dali saísse a verdade. Na cena do banheiro, na noite do “assassinato”, James se torna o principal suspeito para mim. Acreditei que seus atos foram uma forma de proteger Oliver da fúria de Richard ao nascer do dia. Houver uma tentativa de jogar a culpa para Alexander, mas não havia motivos suficientes para uma agressão da parte dele. Claro, a culpa fora de todos, uma decisão em conjunto selou o destino de Richard. Cada um absorveu essa culpa de formas diferentes. Uso a palavra “absorveu” porque após a descoberta de Meredith nenhum dos outros externou sua própria ação no processo, a angústia e sofrimento esquecida, sua própria culpa guardada para sempre. A violência de um deles tornou-se muito maior que a omissão de todos. Já poderiam assim esquecer seu próprio crime e transferir o sentimento: o culpado é o condenado. Meredith denunciar James, ao meu ver, foi mais um ato de ciúme que de justiça, afinal ela também poderia sofrer consequências.
Não há investigação. O caso já havia sido solucionado: um acidente. Uma reviravolta. A denúncia de Meredith é o começo e a confissão de Oliver o fim. Não há necessidade de investigação após confissão e apresentadas as provas. Há um álibi, mas o detetive não foi capaz de descobrir nada antes, talvez o melhor seria se contentar com o incerto. O que ele oficialmente fez.
James está vivo. É claro. Escolher não estar presente é escolher Oliver e não os outros. Se continuasse “vivo” estaria entre os amigos que sabiam a verdade. Ele não se entregou á polícia pelo mesmo motivo que Oliver assumiu a culpa. Qual a desculpa dos amigos? Ao não entregarem James, não assumem suas ações. E ele não vai carregar a culpa de todos novamente se a por Oliver já é demais para suportar.
Ficam juntos? Não ficam? Eu queria o desfecho, aquele desfecho final. Mas, com uma citação do próprio livro: “Porém, é assim que as tragédias como a nossa e Rei Lear partem corações — ao fazer todos acreditarem que os finais ainda podem ser felizes, até o último minuto.” O meu coração ficou partido, mas sou grata pela leitura.
Amo o blog, amo as resenhas. Sempre leio as opiniões e gosto de divergir e concordar. Cada um tem um olhar único e amo isso. Dessa vez quis deixar a minha. Obrigada por ler.
Oi, Leticia!
Amei seu comentário, concordo completamente, cada pessoa tem sua percepção da história e sempre é válido ler/ouvir o que cada um pensa. Obrigado pela tempo dispensado, espero que continue visitando sem o GA 🙂