Tudo começou com Calamidade, que surgiu nos céus como uma estrela de fogo, e que ninguém sabe o que é realmente: seria algo alienígena, ou então um experimento do exército norte-americano? Seus efeitos, entretanto, podem ser sentidos algum tempo após seu surgimento: pessoas comuns passam a ter poderes que desafiam as leis da física e da lógica. Parece que uma nova era está para surgir. E surge: os nomeados Épicos não apenas se tornam poderosos, mas também ganham uma sede insaciável de poder e parecem perder toda sua humanidade no processo, deixando o resto da população à mercê de suas vontades e caprichos.

Não li a maioria das distopias existentes no mercado, então não sei se alguma delas chega a levantar a questão que mais me chamou a atenção em CORAÇÃO DE AÇO. Nova Chicago é dominada por um homem dotado de poderes quase divinos, como imortalidade, capacidade de voar, força, raios de energia, que solta pelas mãos, e a capacidade de transformar qualquer matéria sem vida em aço. Além dele, existem ainda outros épicos (essas pessoas especiais dotadas de poderes), que o ajudam nessa tirania. Mas, apesar de sua ordem ser mantida através de mortes, medo, opressão, ela é melhor do que os outros lugares do mundo, onde a carnificina é maior e sem limites. Então, a pergunta que o livro faz, é o que seria melhor? Deixar Coração de Aço continuar a governar, ou matá-lo, deixando a cidade à mercê dos outros épicos, que poderiam ser bem piores? O remédio não seria pior que a doença? O próprio livro dá a resposta a essa pergunta, quase no final, através de uma constatação filosófica feita por David, o personagem principal. E, apenas por essa reflexão, a leitura já vale muito a pena.

Mas tem outras coisas que agradam em CORAÇÃO DE AÇO. As lutas entre o grupo de executores, formado por pessoas normais, contra os épicos, é descrita de forma emocionante e, na maioria das vezes, com um desfecho que surpreende. Isso porque os executores precisam de mais do que armas e coragem, eles precisam pensar, planejar, pesquisar e encontrar qual é o ponto fraco de cada épico para terem uma chance de vencer.

David é um adolescente de dezoito anos que, por incrível que pareça, representa o que realmente é um garoto nessa idade: convencido, irritante, inconsequente, determinado, cheio de hormônios, que fazem com que, no meio de uma batalha, ele pense na garota gostosa por quem se apaixonou. Ele é tão chato, que fica ótimo!

Megan também representa o que é uma garota na mesma idade de David. Apesar de gostar dele, ela finge que não, mantém aquele olhar superior e não dá o braço a torcer, menos naquelas situações que se esquece de levantar o muro e deixa escapar um sorriso.

Megan e David formam um casal cheio das verdades que encontramos nos adolescentes reais, só que em um mundo onde eles precisam enfrentar seres que matam com um piscar de olhos. A química entre eles funciona, ainda mais para o final da história, quando cada um deles já consegue compreender a motivação do outro. Sem mencionar uma surpresa deixada para as últimas páginas, que leva a relação a um novo patamar de dramaticidade e que deixa o leitor ansioso para o volume seguinte, onde, pelo título, fica evidente de quem é o foco. Ops, spoiler (que você só vai perceber depois de ler o livro, então sossegue)!

Thia, Cody, Abraham, Prof, enfim, cada um dos personagens secundários tem sua importância e sua função dentro da história. Não estão lá apenas de forma figurativa. O Prof é o que mais tem participação nos eventos, e é o que carrega um volume maior de mistérios. Mais até que Coração de Aço. Ele foi o criador de quase todas as armas que os executores utilizam, inclusive uma luva incrível que consegue vaporizar qualquer material. Mas ninguém sabe como, ou quando, ele fez isso. O único que parece conhecer alguma coisa, é Abraham, mas ele se mantém tão fechado, quanto o próprio Prof.

As partes em que a equipe atua junto funcionam muito bem, e o autor consegue deixar a narrativa clara o suficiente para o leitor não se perder no meio da ação. David atua sempre ao lado de Megan, apoiados por Abraham e Cody, com suporte à distância por Thia e Prof. As conversas entre eles durante os ataques é gostosa de acompanhar.

Mas da mesma forma que existem muitas coisas boas em CORAÇÃO DE AÇO, também existem algumas que poderiam ser melhores. A diversidade de poderes em um mesmo épico, em alguns casos, fica excessivo. E o ponto fraco deles é expansivo demais, uma vez que pode ser qualquer coisa, o que remove a lógica que poderia existir entre os poderes. Uma das regras de ouro que existe nos quadrinhos é que cada herói, ou vilão, tem suas fraquezas proporcionais aos seus poderes ou ao seu passado. Não são fraquezas aleatórias e isso enfraquece um pouco a credibilidade ficcional em CORAÇÃO DE AÇO.

Um outro problema é em relação aos épicos em si. Eles são todos poderosos, mas na hora de agirem, são incompetentes. Demoram demais. Na verdade, nem considero isso um problema, ou defeito, uma vez que a maioria dos filmes de ação e de super-heróis sofre do mesmo. É necessário existir um delay nas ações dos vilões para que os heróis mais fracos possam agir e vencer. Ou seja, é um recurso narrativo recorrente.

Também existe uma certa barriguinha em alguns capítulos. Embora nenhum deles tenha um papel de enrolar, uma vez que todos trazem algum evento, ou informação, que será necessário mais adiante, por vezes as conversas se inclinam para um lado que não avança, como aquele papo jogado fora na porta do colégio que não interessa a ninguém.

Tirando isso, que é bem pouco e não afeta em nada a qualidade da obra, CORAÇÃO DE AÇO é empolgante o suficiente para agradar os fãs de quadrinhos, por exemplo, bem como aqueles que gostam de livros de ação, com uma dose de romance adolescente, com mistérios e surpresas. Uma ótima pedida para dias monótonos!


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Brandon Sanderson
TRADUÇÃO: Isadora Prospero
EDITORA: Aleph
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 392