O projeto Positron parece um sonho realizado para Stan e Charmaine depois de tanto tempo sem ter onde viver, sem esperança e à mercê de criminosos. Porém, uma espiral bizarra de infidelidade, segredos e chantagens abala a aparente satisfação que o casal pensava ter encontrado em Consilience, um lugar em que os corretos são aprisionados e os sem-lei vagam em liberdade.

Charmaine e Stan são um casal jovem que tenta sobreviver a um colapso econômico e social de grandes proporções. Perderam seus empregos, sua casa e, por total falta de recursos, são obrigados a morar no carro, se expondo a todo tipo de risco. Para reverter esta situação, o casal resolve aderir ao Projeto Positron, na cidade de Consilience. Supostamente criado para resolver os problemas sociais causados pela crise, o projeto lhes oferece um lugar confortável para morar, comida boa e emprego fixo. Em meses alternados, no entanto, os residentes de Consilience deixam suas casas e se tornam internos na prisão de Positron. Concluído o período de serviço no sistema prisional, eles retornam à vida civil.

Apesar de estarem sempre sob vigilância e não poderem ter qualquer interação com amigos ou familiares, o esquema não parece um sacrifício para eles. Considerando os benefícios que lhes estão sendo concedidos, a vida no bairro idílico e na comunidade parece perfeita. Porém, quando Charmaine se envolve romanticamente com o homem que ocupa sua casa enquanto ela e o marido estão na prisão, uma série de eventos preocupantes se desdobra e coloca em risco a vida de Stan e a paz alcançada a tão duras custas. De repente, Positron parece menos uma solução e muito mais um arrepiante desafio.

Já começo a resenha de O CORAÇÃO É O ÚLTIMO A MORRER falando que comecei a leitura com altas expectativas. Afinal é um livro de ninguém mais, ninguém menos, que Margareth Atwood, a mente brilhante por trás de O CONTO DA AIA e de OS TESTAMENTOS. Neste sentido, acredito que, justamente, pelo “mar de expectativas” que criei, a experiência não foi tão boa quanto deveria. Veja bem, a história é cativante e interessante. Em síntese, trata de uma sociedade distópica em que as taxas de desemprego e o índice de violência chegaram a níveis alarmantes.

Sem perspectivas de futuro, sem um emprego descente e vivendo em um carro, Charmaine e Stan escutam falar de um novo projeto que pode ser a esperança de um recomeço. No Consilience, os habitantes tem casa, comida e proteção gratuitamente. Em troca, eles precisam contribuir para o sistema prisional e viver encarceirados mês sim e mês não. Conforme o tempo passa, um dos protagonistas começa a perceber que tem algo de errado. Algumas pessoas simplesmente desapareceram, enquanto a liberdade individual não é tão liberta assim..

Obviamente, como toda distopia, mesmo sendo uma situação extrema, é fácil se identificar. Ainda mais no contexto do Brasil de 2022, no qual o litro de óleo é mais de R$12,00 e pessoas que recebem um salário mínimo estão passando fome. É fácil, também, entender a decisão que o casal de protagonistas toma para sobreviver e não só viver.

No entanto, mesmo assim, pode ser difícil se apegar a eles e se sentir envolvido. Isso sem falar que por mais que sejam “personagens reais“, não os torna menos chatos e até mesmo antipáticos em alguns momentos. Lado a lado, enquanto no início, eu estava extremamente curiosa com a história, no meio para o final, o ritmo não me prendeu. Não foi uma leitura difícil, porém volto ao ponto de que acredito que as minhas expectativas foram a principal vilã. Esperei tanto que nada nunca era suficiente. Como resultado, não fluía.

Por outro lado, consigo reconhecer o talento da autora. Ora para desenvolver uma história com tantas camadas, ora de conseguir ligar tudo isso com personagens complexos e tão possíveis de existir. É lindo de ver tudo que ela construiu em um pouco mais de 400 páginas. Ainda mais quando constatamos que existem outros escritores que 1.000 páginas não conseguem criar uma narrativa bem desenvolvida e amarrada.

E tem também o final e os vários plot twists ao longo da história. Quando achamos que estamos entendendo, tudo muda e vai para outros caminhos. Isso sim é um “prato de mão de cheia” e torna uma leitura memorável, mesmo com os desafios que mencionei acima.

De um modo geral, se você é fã de distopias e histórias de ficção, possivelmente gostará da leitura. Mas, fica a dica, não vá com expectativas! Permita-se viver a experiência e criar suas próprias impressões.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Margaret Atwood
TRADUÇÃO: Geni Hirata
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 424