O mundo está cheio de mistérios. Em 1860, aos doze anos, Silas Bird sabe bem disso: um raio lhe deixou com uma cicatriz de árvore nas costas, e seu melhor amigo, Mittenwool, é um fantasma. Órfão de mãe, o garoto passa os dias fascinado com os projetos e as histórias do pai, um sapateiro e pioneiro da fotografia, com quem mora nos arredores de uma pacata cidadezinha.
Até que, certa madrugada, três forasteiros trazem uma estranha proposta para o pai, que se vê intimado a partir com os criminosos e manda o filho esperá-lo em casa. Assustado e impotente, Silas é deixado para trás e se desespera com a ideia de estar sozinho no mundo.
Porém, ao encontrar um misterioso pônei preto de rosto branco, o garoto sente em seu coração o que precisa fazer. O animal parece saber para onde ir, e assim eles dão início a uma perigosa jornada pelas florestas, ravinas e pântanos do Oeste americano ― repletos de fantasmas e caubóis ― que vai conectar Silas ao próprio passado e futuro e ensiná-lo que, na verdade, nunca estamos sós.
Eu comecei a ler UMA JORNADA SEM FIM com a expectativa de ser um livro mais infanto-juvenil, leve, descompromissado. Eu estava completamente enganado. É uma leitura adulta, violenta, muito violenta, pesada, triste, com várias mensagens sobre abnegação e superação, sobre o amor incondicional entre um filho e um pai, mas também sobre o amor entre amigos e a conquista de uma família. É uma história que me impactou profundamente, tanto que finalizei o livro em apenas algumas horas, não conseguia parar até descobrir qual o destino de Silas e Mittenwool, bem como dos personagens que eles conhecem durante a jornada que realizam juntos.
Silas é uma criança de doze anos que passou a ter o pai como professor depois que abandonou a escola. O motivo: ele conversava com Mittenwool, o fantasma de um adolescente de dezesseis anos, e passou a ser chacota entre os colegas. O pai não acreditava que Mittenwool realmente existia, mas respeitava a crença do filho. Para sorte e felicidade de Silas, seu pai era um homem letrado, cientista, conhecedor de várias matérias e, assim, Silas ganhou uma educação melhor do que a convencional. Mas ele aprendeu a manter a existência de Mittenwool apenas entre seu pai e ele, afinal todas as outras pessoas não compreendiam e duvidavam.
Mittenwool apareceu para Silas quando este ainda era um bebe, pouco depois da morte da mãe de Silas durante o parto. E desde então, os dois não se separaram, salvo algumas ausências de Mittenwool, que o mesmo não sabia explicar, ou não queria. Silas, apesar da idade, e graças ao pai, tem conhecimento de muitos assuntos, menos a experiência de vida e de relacionamentos. Seu principal medo é a floresta próxima de onde mora. Ela é cheia de vozes, de presenças que assustam Silas porque ele não as compreende.
Quando os misteriosos homens aparecem para levar o pai de Silas, trazem junto um estranho pônei, que serviria para levar Silas junto. Mas o pai não deixa, e Silas fica para trás. Quando o pônei retorna, sozinho, Silas pensa que é uma mensagem para seguir o pai, para salvá-lo, e decide seguir o rastro dele e atravessar a floresta. Para vencer seus medos, ele conta com a presença constante de Mittenwool.
Mittenwool tem a função de ser a consciência de Silas, ele desempenha um papel protetor e aconselhador, como um irmão mais velho. Mittenwool consegue interagir com o mundo material e usa essa habilidade para proteger Silas. E ele fará qualquer coisa para isso. Na jornada que os dois empregam pela floresta, conhecem outros personagens, como o Delegado Federal Enoch Farmer, o Xerife Chalfont e o Inspetor Lindoso. Todos eles são desenvolvidos dentro da trama, possuem importância relevante e ajudam a decidir o final. Mas mais do que isso, todos eles são homens brutos, marcados pelo tipo de vida que existia na época, mas são “quebrados” por Silas e se tornam personagens apaixonantes, que se transformam no decorrer da história. Alguns trechos em particular, como um no final entre Silas e o Xerife Chalfont, são de uma sensibilidade e uma emoção tão grandes que fica difícil controlar as lágrimas.
Acho que essa é uma das principais características de UMA JORNADA SEM FIM: sensibilidade. O livro não tem apenas uma história para contar, ele cria personagens e se importa principalmente com eles, personagens que realmente se tornam importantes para quem lê. Silas, Mittenwool, Farmer, Chalfont, Lindoso, todos eles ganham uma importância profunda, possuem personalidades e comportamentos diferentes. Mas não só os humanos, o pônei é fundamental para toda a história. Na verdade, sem o pônei, a história simplesmente não aconteceria. E terminaria de uma forma trágica. Ele é todo de uma cor, menos o focinho, todo branco, como uma caveira. Ele é diferente, misterioso, e se torna companhia para Silas por toda a sua vida.
Existem alguns mistérios em UMA JORNADA SEM FIM. Quem era mãe de Silas, qual o passado do pai se Silas, por que Mittenwool permanece como presença constante e quem ele foi em vida, e mais alguns que não posso comentar porque aparecem no decorrer da trama e estragaria sua leitura. Mas todos são explicados, e um deles, principalmente um deles, me esmagou o coração. Também queria escrever mais sobre o Delegado Farmer, o Xerife Chalfont e o pai de Silas, mas como os mistérios, qualquer coisa que eu revelasse, tiraria o seu prazer da descoberta. O conselho que dou é, quando cada um deles aparecer, aproveite ao máximo o que é apresentado, e se prepare, porque todos eles possuem uma dose de surpresa.
R. J. Palacio apresenta uma escrita mais envolvente e dinâmica do que em seu maior sucesso, EXTRAORDINÁRIO. Eu cheguei a considerar que ela seria autora de um livro apenas, uma vez que ela multiplicou a obra através da visão de outros personagens e outros pontos de vista. Isso é muito comum, comercialmente comum. Felizmente eu estava totalmente errado. UMA JORNADA SEM FIM é tão bom quanto EXTRAORDINÁRIO. Em algumas partes, pelo menos para mim, até melhor. É uma história diferente, que não tem medo de ser violenta quando precisa, uma aventura que eu amaria ver no cinema. E não duvido que isso aconteça em um futuro breve.
UMA JORNADA SEM FIM tem um final positivo, não se preocupe, mas é melancólico e tem sua carga de tristeza. E esse último sentimento se deve a diversos fatores, sendo o principal, a inevitabilidade da vida, do crescimento, do amadurecimento e de quem deixamos pelo caminho, algumas pessoas por escolha, outras não. A única certeza que dou, é que a leitura vale cada páginas, cada palavra, e tenho certeza de que você, como eu, colocará este livro como um dos melhores de sua vida, bem como Silas e Mittenwool como dois dos personagens que nunca esquecerá.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: R. J. Palacio TRADUÇÃO: Giu Alonso e Ulisses Teixeira EDITORA: Intrínseca PUBLICAÇÃO: 2022 PÁGINAS: 336 |
Depois de ler essa resenha não consigo me desvencilhar da sensação de esse ser um livro clichê. Só de me imaginar lendo-o me fez lembrar da sensação ruim de ler as primeiras páginas de Percy Jackson.
Eu não encontrei quase nenhum clichê na história, Willy. Penso que irá se surpreender na leitura. Dá uma chance 😉
Vou dar uma chance.