Em AMOR DE REDENÇÃO, romance cristão premiado de Francine Rivers, Sarah não deveria ter nascido. Filha bastarda de um nobre que a vê com um erro, a sua rejeição e as agressões que sofre já começam nos seus primeiros anos de vida. A única pessoa que realmente gosta dela é a sua mãe, uma mulher depressiva que faria tudo por um homem que não a merece. Mais que isso, um homem que, constantemente, ameaça largá-la se ela não abandonar a filha deles.

Antes de continuar a resenha, já aviso que a obra aqui tratada e o que discutiremos pode gerar gatilhos. Falaremos, com muita ênfase, da violência contra a mulher (física e verbal) nas mais diversas formas. Cuidado!

Um pouco depois, as ameaças se tornam realidade. Desesperadas e sem opções, mãe e filha viajam para o interior em busca do socorro da família. Ao chegar lá, elas se deparam, mais uma vez, com um homem desprezível (agora avô) que nega a sua própria filha por causa dos seus valores. Para evitar morrer de fome, a mãe se torna uma prostituta.

Os anos passam novamente. Doente, sem beleza, alcoólatra e sem vontade de viver, antes de morrer, ela faz seu irmão (que apareceu do nada) prometer que cuidará de Sarah. Novamente, mais um intervalo de tempo. Bêbado e viciado, o tio da menina vê uma notícia de um duque que está em busca de uma filha bonita para adotar. E o melhor, se Sarah fosse escolhida, ele receberia por isso.

Aos 8 anos, Sarah é vendida para um homem que gosta de menininhas, ou seja, um pedófilo. Estuprada e obrigada a ser prostituta, ela perde o seu próprio nome e se torna Angel. O tempo passa mais uma vez. Agora, aos 23 anos, Angel trabalha para um prostíbulo onde é estuprada diariamente (chamo de estupro mesmo) e é vista como “a galinha dos ovos de ouro” de uma agiota mulher.

Lado a lado, conhecemos a história do nosso protagonista. Michael Hosea, celibatário, clemente a Deus, que recebe do senhor a tarefa de cuidar da garota. Quase um santo, por assim dizer.

Mais um intervalo de tempo. Angel continua sendo estuprada e é espancada até quase a morte. Sem vontade de viver, Michael a resgata, casa com ela à força (consentimento é algo sempre privado da protagonista) e oferece o seu amor como uma redenção. Agora que você já sabe o básico da história, vamos à resenha!

Não pense que, por ter se casado, a vida da mocinha muda. Ela continua sendo estuprada (até mesmo pelo seu cunhado) e é violentada de várias formas. Francine deixa claro, mais de uma vez, que todo homem é, aparentemente, um estuprador em potencial. Exceto Michael, obviamente, que é quase um santo.

Já deixo claro que não consegui terminar o livro. Por três motivos principais. Primeiro, pela forma com que a Angel é tratada. A narrativa faz acreditar que, ao negar Deus, ela é, de certa forma, culpada por tudo o que passa. Em nenhum momento isso é dito em voz alta (ou escrito). Porém, fica subentendido. Paralelamente, fica subentendido que a única vítima ali é Michael, um pobre homem que precisa amar uma mulher indigna.

Segundo motivo pelos gatilhos: ae você é mulher, provavelmente (infelizmente) já sofreu algum tipo de violência. Seja física ou verbal, a história de Angel poderia ser, de certa forma, a história de qualquer uma de nós. Enquanto eu lia, ao mesmo tempo que queria saber mais, visto que a autora escreve muito bem, me sentia mal. Tive, inclusive, uma crise de ansiedade que começou por causa do livro.

E sabe qual a pior parte? Em nenhum momento, há sinalizado que a narrativa trata disso tudo. Não há alerta de gatilhos, menos ainda, referência ao que vai ser abordado. É claro que, pela sinopse, já dá para subentender que a história seria mais ou menos assim. Mas confesso que foi extremamente chocante a forma explícita e lotada de culpa que tudo foi tratado.

Terceiro e último motivo, o papel que o amor/fé ocupa. É extremamente perigoso mostrar que somente o amor/fé são capazes de resolver traumas. Compreendo o “local de fala” dessa obra. É um romance cristão, escrito em 1991. No entanto, penso que é mais um ponto da narrativa que beira a irresponsabilidade. A fé é, sim, muito importante. Entretanto é indispensável o apoio de um especialista para potencializar os resultados.

AMOR DE REDENÇÃO foi um livro que me perturbou de inúmeras formas. Por outro lado, não posso negar que a autora escreve bem. Mesmo a trama sendo isso tudo, me peguei tentada a continuar. Optei por não, devido a tudo que estava me provocando. Ao menos para mim, enquanto mulher, essa obra me agride e fere de inúmeras formas. Por isso, acredito que deve ser lida com muito cuidado.


AUTORA: Francine RIVERS
TRADUÇÃO: Alyda SAUER
EDITORA: Verus
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 454


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