A mãe de Bree estudou na Universidade da Carolina do Norte, uma das melhores e mais tradicionais instituições de ensino do país. A universidade tem um programa de entrada para estudantes dos últimos anos do ensino médio, onde, durante dois anos, podem conseguir créditos extras e, ao mesmo tempo, experimentarem o que é a vida em um campus. Bree e Alice, a melhor amiga, se inscrevem juntas e recebem as cartas de aprovação no mesmo dia. Enquanto a família de Alice fica feliz, a mãe de Bree estoura de raiva, briga com a filha e se recusa a permitir que ela vá para a UCN. No dia seguinte à briga, a mãe de Bree sofre um acidente de carro e morre. A última lembrança que fica para Bree, é de momentos de fúria e a impossibilidade de fazer as pazes com a mãe, fica aquela sensação angustiante de que a pessoa que ela mais amava se foi com assuntos por resolver.

Bree entra para a UCN, ela quer sentir o mesmo que a mãe sentiu e tentar compreender as razões que ela tinha para não querer que ela entrasse na universidade. Ela quer se formar, quer ser uma grande aluna, para dar orgulho à mãe e para se orgulhar. Mas já no primeiro dia, Bree descobre que existem coisas no mundo que vão além da razão. Em uma festa de confraternização na floresta que rodeia a UCN, ela vê um demônio e assiste, incrédula, a dois estudantes destruírem a criatura.

Um dos estudantes, Selwyn, vê Bree e faz algo que deveria apagar a memória do que ela viu. Mas a coisa não funciona e Bree começa a investigar se está louca, se teve delírios ou se tudo é real. Acaba conhecendo Nick, um outro estudante que é encarregado de ajudá-la a se estabelecer na UCN, só que na companhia dele, Bree vê outra criatura. Mais, ela testemunha uma luta de Nick contra essa criatura.

Nick, bem como Selwyn e outros estudantes, fazem parte de uma ordem secreta chamada de Lendários e que é formada por herdeiros da linhagem dos cavaleiros da Távola Redonda e do Rei Arthur. Existem outros que são descendentes de Merlin e até mesmo de Morgana. Eles aguardam o chamado, o despertar, para receberem os espíritos desses cavaleiros e ganharem poderes para combaterem os demônios.

Para compreender como consegue ser imune a algumas das magias desses Lendários, Bree precisa entrar para a ordem. Ao mesmo tempo, ela começa a ter lembranças diferentes da morte de sua mãe e a perceber que as coisas, naquele fatídico dia, podem ter alguma relação com a ordem, com os cavaleiros ou mesmo com os demônios. Ao mesmo tempo, ela precisa lidar com um passado que ela não conhecia e que também está repleto de segredos e de magia.

LENDÁRIOS é uma fantasia que se baseia em muitos outros livros do gênero. Nem por isso é desprovido da própria criatividade, principalmente em relação à personagem principal. Bree não é apenas uma adolescente de dezesseis anos que precisa se encontrar em um mundo cheio de magia, de monstros e de perigo. Ela é uma garota negra que está em uma universidade majoritariamente de pessoas brancas, construída graças ao esforço e à vida de escravos, e precisa ingressar em uma ordem centenária formada por pessoas brancas, muitas delas racistas e machistas. Bree é bem diferente de outras personagens heroínas de livros de fantasia porque ela precisa, devido ao preconceito da cor de sua pele, ser duplamente melhor em tudo.

O racismo e o machismo estão espalhados pela história, embora não seja o foco discutir esses temas. A autora colocou como parte da narrativa de forma bastante orgânica, mas sem qualquer destaque a cada capítulo. O leitor sabe que Bree é uma adolescente negra e é possível prever o que ela terá que enfrentar além do que uma adolescente branca enfrentaria. Óbvio, caso o leitor tenha sensibilidade, empatia e o mínimo de conhecimento social e cultural sobre discriminação racial. O que, hoje em dia, no Brasil, não se encontra em todos.

É fácil perceber como Bree passa por uma tempestade de emoções. Ela sente saudades e falta da mãe. Ela se sente culpada por ter brigado com a mãe e não ter tido a oportunidade de fazer as pazes antes dela morrer. Ela se sente confusa sobre o que realmente aconteceu naquele dia. Ela descobre que tem um passado totalmente dentro da magia. Descobre que demônios e cavaleiros existem. Precisa lidar com os estudos, com as incertezas da adolescência e, como se tudo isso fosse pouco, ainda tem que se provar como mulher e como pessoa negra. Acredito que seriam poucos os que conseguiriam enfrentar tantos desafios de uma só vez.

Nick e Selwyn são os dois personagens masculinos que rodeiam Bree. Eles são aquele clichê do garoto bom e do garoto quase mau. Bree se apaixona por Nick, um dos mais importantes membros dos Lendários, que revela várias surpresas durante a leitura. Já Selwyn é o mais forte mago da ordem, só que ele é rude, agressivo, desconfiado, quer Bree fora do caminho a qualquer custo. Ele pensa que ela mente, que ela é uma pessoa diferente de quem aparenta, e que está enganando Nick.

Felizmente, a autora não chega a criar um triângulo amoroso. Mesmo sem qualquer diálogo que leve a um interesse sentimental, é fácil perceber que existe uma química entre Bree e Selwyn, principalmente pela preocupação que um passa a demonstrar pelo outro no decorrer da história. Como se trata de uma série, não duvido que o triângulo seja formado em algum momento dos próximos livros. E, sim, para mim, isso é um ponto bem negativo.

LENDÁRIOS não se destaca pela trama. Como disse, ela é bem parecida com outros livros de fantasia adolescente. Entretanto, ele possui uma personagem principal cheia de força, de representatividade. E Bree é a alma da história que a torna diferente de todos os outros livros. Só por isso, já vale a leitura. Espero que os próximos volumes, aprofundem mais a cultura da personagem. Seria perfeito.

Ah, vale destacar que LENDÁRIOS foi indicado ao Hugo Awards, um dos prêmios mais importantes de fantasia, e recebeu, entre outros, o Coretta Scott King-John Steptoe Award para Novos Talentos, concedido a livros jovens e adultos escritos por pessoas negras.


AUTORA: Tracy DEONN
TRADUÇÃO: Jim ANOTSU
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 592


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