A experiência de ler HEADHUNTERS, do norueguês Jo Nesbo, se mostrou bem curiosa para mim, foi a primeira vez que eu senti que nem tinha roupa para acompanhar essa narrativa. Tudo era tão rebuscado e chique que eu sentia a necessidade de vestir um terno e ter a tiracolo uma garrafa de um vinho bem caro. Eu ainda estou surpreso com o nível desde livro e já digo de antemão que é um dos melhores livros que li no ano.
Roger é um importante e requisitado “headhunter“, um profissional que tem como função entrevistar possíveis candidatos para altos cargos em empresas importantes. Ele precisa examinar com precisão cada pessoa que aparece em sua mesa, pois a sua palavra tem poder de levantar ou descartar qualquer candidato. Seu emprego é importante e ele direciona sucessos para cargos importantes que pagam uma bolada. Mas ele mesmo não está muito bem financeiramente. Seu estilo de vida não acompanha o seu salário. Sua casa é enorme e sua esposa se ocupa gerenciando uma galeria de arte que até vende quadros para colecionadores, mas que não chega a ser suficiente para cobrir essa vida de luxo. E a solução encontrada por Roger para fechar essa conta é fazer discretos furtos em casas de ricos que tenham pinturas famosas, para em seguida vender as mesmas no mercado paralelo.
E por um tempo essa vida dupla deu resultados. Os furtos são feitos em conjunto com um amigo, que tem um cargo numa empresa de seguro domiciliar. O amigo desliga o alarme, pausa as câmeras e abre totalmente o caminho para Roger entrar nas casas das vítimas, fazer a troca da pintura original por uma réplica. Porém nos últimos tempos têm demorado a aparecer uma possível vítima com um quadro realmente valioso. Por ironia do destino, um dos candidatos para um alto cargo numa empresa de tecnologia se mostra dono de um quadro perdido desde a época da segunda guerra mundial. Para Roger esse é o caminho para encerrar seus furtos de vez, um último golpe, um golpe grande para acabar com todos os seus problemas, mas tudo parece bom demais para ser verdade.
Temos aqui um daqueles livros que já começa com a mão na massa numa sequência sensacional em que Roger entrevista um possível candidato para um alto cargo. E nessa conversa, o leitor percebe as nuances de Roger, ele realmente é bom no que faz e tem visão, mas ele parece procurar algo durante a conversa com o candidato. Ele manipula, brinca com os sentimentos e faz você dizer e fazer o que ele quer. E é impossível não ficar impressionado com a lábia do personagem que parece sempre saber o que fazer.
Roger é um personagem fascinante que tem reputação e respeito, porém pouco dinheiro e seus furtos são levados muito a sério pelo mesmo. Ele ama a adrenalina que essas “missões” lhe causam, além do fato de ele ser novamente excelente nesse seu pseudo emprego de bandido. A gente entende o que ele faz, mas nunca passa pano, porque o personagem se revela uma pessoa carismática e muito suspeita. Sua relação com a esposa é bem esquista no início e só piora quando uma trama que envolve um filho morto do casal é apresentada. Mas a viagem dentro da cabeça desse personagem é uma das coisas mais interessantes do livro, porque ele erra, se enrola na própria narrativa, dá a volta por cima e consegue tirar o dele da reta. Já disse essa palavra, mas repito outra vez, é simplesmente fascinante.
Claro que nem tudo são flores e a confusão em que Roger é inserido é surreal. O autor faz o leitor de bobo porque ele pega as piores coisas que imaginávamos que poderia acontecer e multiplica isso por mil. Nunca é o que a gente espera, tudo vai por um outro caminho, uma possibilidade que não tem nada de apelativa ou gratuita, tudo estava lá, mas tão bem escondido que não víamos. Não tem uma informação solta nesse livro, tudo no final é usado, absolutamente tudo. Se algo foi dito, será importante em breve ou será importante agora. As coisas acontecem sem cerimonias, em um parágrafo um grande problema é resolvido, ao mesmo tempo em que estamos correndo para os braços de outra dor de cabeça ainda maior e complicada. É uma sucessão de ocorrências que nunca deixam o espectador ficar aliviado. É ansiedade atrás de ansiedade.
Acredite se quiser, mas a sinopse diz muito pouco sobre o que teremos nas páginas deste livro. A torrente de acontecimentos é muito grande e organizada com tanto talento que enriquece demais a experiência. As tiradas são finas, elegantes e extremamente coerentes. Mas ao mesmo tempo as palavras descrevem uma aventura brutal e até mesmo nojenta em algumas passagens. Tem uma sequência em especial que envolve coco e ao ler isso é impossível não ficar chocado com a situação. E choca sendo sensacional, como alguém pensaria em usar isso e dessa forma? Simplesmente a solução, um mar de coco e acredite se quiser, tudo continua chique e elegante.
E uma odisseia tão bizarra como essa termina como começou, sendo perfeita em tudo o que se propõe. O desfecho novamente dá na cara do leitor que imaginava que era impossível a trama terminar da forma que ela prometeu que terminaria. A conclusão é tão fechadinha, coerente e que, novamente, quebra a cara do leitor em mil pedacinhos. Falo por experiência própria, voltei e reli o capítulo, pois não acreditava que tinha terminado assim. O choque é real e continua até agora. O livro inteiro é como Roger, o personagem principal, sagaz, inteligente, sujo e preciso. Sensacional, simplesmente sensacional!
AUTOR: Jo NESBO
TRADUÇÃO: Kristin LIE GARRUBO
EDITORA: Record
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 235
COMPRAR: Amazon
Tá certo que eu amo muito as resenhas daqui. Mas como sair de uma resenha deste nível??
Primeira que leio sobre esse trabalho do Nesbo e estou sem saber o que fazer, exceto colocar o livro na lista de desejados e torcer para comprar ele o quanto antes!!!
Beijo
Talvez eu esteja exagerando, mas eu fiquei muito impressionado com esse livro, já começa sensacional, altíssimo nível.