Charlie tem 32 anos e tem um QI de 68, ou seja, ele possui uma leve debilidade mental. Para se ter uma ideia, o QI médio para uma pessoa é entre 100 e 114. As indicações dessa deficiência se deve a uma fenilcetonúria (PKU) não tratada. E quando essa falta não é suprida, pode causar deficiência intelectual, convulsões, entre outros problemas comportamentais e mentais. A fenilcetonúria é uma doença genética herdada dos pais de uma pessoa. Um bebê nascido de uma mãe com PKU mal tratada, pode ter problemas cardíacos, cabeça pequena e baixo peso ao nascer.

Abandonado pelos pais ainda adolescente, por não conseguirem lidar com as necessidades de Charlie, para não ter que ir morar em uma instituição para crianças com problemas como os dele, o tio de Charlie consegue para ele, um emprego em uma padaria como faxineiro. Mesmo não tendo inteligência, Charlie reconhece que sua vida pode ser diferente se ele melhorar. Então, Charlie se matricula em uma escola noturna de leitura e redação.

A professora de Charlie, Alice, conhece dois pesquisadores, Nemur e Strauss, que procuram um voluntário para experimentar um procedimento cirúrgico revolucionário que, se der certo, pode aumentar a capacidade intelectual da pessoa. Os dois já finalizaram as fases de testes em animais, e conseguiram um enorme sucesso com um rato chamado Algernon. Assim, Alice indica Charlie como um candidato potencial.

Após o procedimento, na passagem de poucos dias, Charlie começa a escrever melhor, a ler melhor, a compreender todas as coisas melhor. Sua memória também melhora e ele consegue se lembrar de eventos de sua vida que antes eram obscuros ou totalmente inacessíveis. Com as novas descobertas, Charlie começa a ter uma visão diferente do mundo, mas principalmente das pessoas que o rodeiam e de como elas o tratavam quando ele não era inteligente.

FLORES PARA ALGERNON é um clássico americano publicado pela primeira vez em 1959, na forma de um conto em uma revista de ficção-científica e fantasia. Em 1966, Daniel Keyes publica como um romance, mais extenso e com pequenas modificações em seu enredo. Inclusive, ele teve dificuldades para encontrar uma editora, uma vez que queriam que ele modificasse o final da história, ao que ele se recusou.

Daniel Keyes desenvolveu a trama de FLORES PARA ALGERNON durante 14 anos e foram inspiradas por eventos da vida do autor. Seu pai insistia para que ele seguisse medicina, mas Keyes sempre desejou ser um escritor. Foi desse embate que surgiu a pergunta: o que aconteceria se houvesse uma forma de aumentar a inteligência de uma pessoa? A trama ganhou força durante a época que Keyes ensinava inglês a alunos com necessidades especiais. Um deles perguntou se poderia frequentar aulas junto com alunos comuns, caso ele se esforçasse muito para aprender. E um outro aluno, após ficar afastado por um período das aulas, sofreu uma regressão intelectual. Até o rato Algernon foi inspirado em uma aula de dissecação universitária.

A narrativa de FLORES PARA ALGERNON é feita em primeira pessoa, por Charlie, através de seu diário. Inicialmente, ele faz isso a pedido dos dois pesquisadores, como uma forma dele expressar seus pensamentos. Por conta disso, as primeiras páginas do livro, são escritas com vários erros de gramática e ortografia. Após o procedimento, Charlie começa a aprender de verdade e isso reflete na forma como escreve. Foi uma forma criativa a eficiente do autor em colocar o leitor ciente da evolução intelectual do personagem.

O diário é escrito de 3 de março a 21 de novembro, e através dos olhos de Charlie, acompanhamos o desbravamento de um novo mudo pelo personagem, a uma mudança de personalidade, ao reconhecimento de traumas que antes não eram compreendidos por ele, à descoberta de sua sexualidade, à interpretação de que razão precisa estar em equilíbrio com a emoção, e à dúvida de quando se é mais feliz, quando não se tem conhecimento do que acontece ao seu redor, ou quando se tem.

Existem várias passagens carregadas de emoção, principalmente aquelas em que Charlie se lembra de como era tratado por sua família e colegas de escola. O pai de Charlie nunca o aceitou, a mãe acreditava que poderia existir uma forma de o filho melhorar o aprendizado, até que desistiu, e a irmã mais velha, não gostava dele, porque os pais precisavam desviar mais atenção para ele do que para ela.

Os colegas de trabalho na padaria são outros que mudam conforme Charlie se mostra mais inteligente. O homem que antes obedecia a todos e que achavam graça, agora era mais inteligente do que eles. Isso desperta medo, mas também inveja. O mesmo acontece com quase todos que conviviam com o antigo Charlie, o que demonstra como a sociedade se atém apenas ao que é comum, e ataca aquilo que se torna diferente ou que deixa de reconhecer.

Charlie chega a procurar sua família. O pai não o reconhece. A mãe enfrenta senilidade. E a irmã, que agora precisa cuidar da mãe, se desculpa pelas coisas que fez com o irmão. O encontro não é uma reconciliação, apenas a confirmação de que as pessoas não mudam de forma natural, mas só quando são vítimas de um evento suficientemente forte que consiga fazer com que mudem.

Durante seu processo de mudança, Charlie se apaixona por Alice, sua professora, mas não consegue quebrar a parede da imaturidade sexual e nem do processo de construção emotiva em uma relação. Isso só acontece, quando ele encontra uma outra pessoa, com quem dissocia a emoção do físico e do intelecto. Charlie não precisa apenas aprender coisas novas, mas também a conseguir interpretar e amadurecer seu lado emocional e social.

Charlie e Algernon são dois objetos de estudo, e aos olhos dos cientistas, praticamente não há diferença. E quando Algernon começa a apresentar comportamentos erráticos e a regredir em sua condição, Charlie resolve usar o que aprendeu, para rever a eficiência do procedimento pelo qual passou, uma vez que o mesmo pode acontecer com ele.

FLORES PARA ALGERNON faz parte do currículo de várias escolas americanas, e isso se deve à quantidade de questões psicológicas, emocionais e sociais que a história levanta. O tratamento de pessoas deficientes, suas relações familiares, o conflito entre a razão e a emoção, o quanto os eventos que vivenciamos, definem o nosso futuro e a nossa personalidade, e até que ponto devemos ser conscientes sem afetar quem somos, como nos comportamos e nossas chances de felicidade. Uma leitura que dura algumas horas, mas que irá fazer você refletir por toda a sua vida.


AUTOR: Daniel KEYES
TRADUÇÃO: Luisa GEISLER
EDITORA: Aleph
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 288


COMPRAR: Amazon