Apesar de PESSOAS NORMAIS ser um romance, começo já alertando que não é um romance para todos os leitores desse gênero. Não espere encontrar reviravoltas, não espere aquele padrão batido da mocinha que se apaixona pelo cara grosseiro ou com algum trauma no passado, não espere nenhum dos clichês comuns que existem em centenas de livros. O que você irá encontrar são dois personagens jovens, inseguros, com famílias desajustadas, que precisam entrar na fase adulta, criar uma vida própria, mas não sabem como. E, ao mesmo tempo, precisam compreender a confusão de sentimentos que têm um pelo outro. Ou seja, é um romance maduro, sem sonhos ou fantasias.

Connell é popular no colégio, jogador de futebol americano, sempre rodeado de amigos. Marianne é o oposto. Ela se isola de todos, não gosta de conversas, evita se misturar. A mãe de Connell trabalha como diarista e uma de suas clientes é a mãe de Marianne. Connell costuma ver Marianne quando vai buscar a mãe no trabalho. Eles sentem interesse um pelo outro, mas Connell não quer começar uma relação, um namoro, com receio do que os amigos podem comentar, enquanto Marianne também não quer por achar que cedo ou tarde será rejeitada.

Mesmo com todos esses pesos, Connell e Marianne se encontram algumas vezes, trocam experiências mais íntimas, mas em segredo, sem contar para as famílias ou mesmo para os amigos próximos. E assim eles levam o relacionamento para o final do colegial e início da universidade, quando se separam por alguns meses. Quando se reencontram, as situações estão diferentes: agora Marianne é mais extrovertida, tem um roda de amigos, enquanto Connell se fechou em uma bolha de inseguranças e medo de sentimentos. Novamente, eles mantém encontros secretos, longe dos olhares de quem os rodeia, sempre com aquele medo de revelarem o quanto gostam um do outro. E dessa forma seguem em um ciclo de fases juntos e separados, até que consigam vencer os bloqueios que impedem a felicidade compartilhada.

A escrita de Sally Rooney não separa diálogos na prosa, as conversas são mescladas à descrição dos pensamentos e acontecimentos contados em terceira pessoa. É como se você contasse algo que aconteceu com pessoas que conhece. Isso se mostra acertado e até fundamental para dar uma profundidade ao que é narrado, eu me senti mais próximo dos personagens dessa forma. E de forma semelhante, ela faz com os títulos dos capítulos, que são os períodos de tempo em que cada um se passa. Por exemplo, o primeiro capítulo tem o título de “Janeiro de 2011”; o segundo capítulo se chama “Três semanas depois”; o terceiro capítulo, “Um mês depois”; e assim sucessivamente, até que compreende um período de quase cinco anos de encontros e afastamentos.

Outra parte acertada da obra é a capa. Ela ilustra perfeitamente o comportamento de Connell e Marianne: eles juntos, abraçados de maneira carinhosa, íntima, com os rostos escondidos, dentro de uma latam isolados de todo o resto. Esse é o relacionamento deles pelos anos. Um isolamento que os torna completos quando juntos, e quebrados quando separados. Porque longe um do outro, eles nunca conseguem ter a sensação de plenitude, como se faltasse uma parte deles, que eles se recusam a reconhecer e aceitar, apenas por medo.

Essa é uma das principais características dos jovens, muitos se autossabotam com medo de enfrentar algo e se frustrarem. É isso que Connell e Marianne fazem, eles se encontram, curte um ao outro, mas com medo de perder essa felicidade, preferem se afastar antes que um magoe o outro, mesmo sem terem qualquer motivo para isso. É aquela insegurança irracional baseada em um sofrimento psicológico de perder o que mais amamos.

Connell demonstra claros sinais de depressão. Seu isolamento, seu pessimismo, sua inabilidade em encontrar um sentido para sua vida, sua dificuldade em vencer a infantilidade masculina, tudo indica que ele precisa de ajuda psicológica. Sua mãe é presente, é uma boa pessoa, mas como a maioria dos pais, só consegue ver um lado do filho, aquele que ele deixa ser visível, e isso, para ela, e suficiente para impossibilitar qualquer vislumbre do verdadeiro Connell. Como a maioria dos jovens que sofrem de depressão, Connell está sozinho nessa luta, e seus únicos momentos de verdadeira alegria, são os que passa ao lado de Marianne. Por isso, quando a encontra, ele é incapaz de evitar se ligar.

Marianne passa por algo tão grave quanto Connell: ela sofre abuso físico e psicológico em casa. A mãe é uma mulher odiosa, detestável, que não sente qualquer afeição pela filha. Não bastasse, o irmão de Marianne é sádico, violento, e parece viver para infernizar a vida da irmã, com ataques ofensivos e, mais tarde, físicos. Marianne vive isso desde sempre, e se tornou tão regular, tão ordinário, que passa a fazer parte daquilo que ela espera para a vida. Isso se reflete em seus relacionamentos amorosos. Quando está longe de Connell, ela sempre está em uma relação com algum homem abusivo ou violento. Da mesma forma que Connell, ela só encontra paz nos seus braços. E como ele, ela prefere se afastar enquanto estão bem, do que perdê-lo para sempre.

PESSOAS NORMAIS se tornou um dos melhores e mais profundos romances que já li. Ele é tocante, forte. Eu sofri pelos anos em que Connell e Marianne passam nesses encontros e fugas, mas compreendi que isso, para eles, foi necessário para conseguirem amadurecer, não seus sentimentos um pelo outro, porque isso eles tinham forte desde o primeiro encontro, mas amadurecer como pessoas, ganhar respeito por eles próprios, aprender a gostar deles próprios, antes de conseguirem aproveitar o que sentem um pelo outro totalmente. E tudo isso é narrado pela autora com tanta habilidade, com tanta calma, que parece que navegamos em um mar sob uma tempestade, mas sem qualquer onda. Perfeito!


AUTORA: Sally ROONEY
TRADUÇÃO: Débora LANDSBERG
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 264


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