Em TERRITÓRIO LOVECRAFT, Atticus é um jovem negro, veterano da Guerra da Coreia, fã de H.P. Lovecraft e de vários outros escritores pulp fiction. O problema é que ele vive nos Estados Unidos de 1950, em plena segregação racial. Alguns anos após sair de casa, ele descobre que o pai, Montrose, está desaparecido. Atticus retorna, então, à sua cidade natal para com a ajuda do tio e de uma amiga que não vê há tempos, partirem em uma missão de resgate. Suas únicas pistas são uma carta escrita por Montrose, contando que ele descobrira a ancestralidade de sua esposa, e a palavra de um amigo que disse tê-lo visto saindo de casa, na calada da noite, acompanhado de um homem branco.

Atticus e o tio, conhecendo Montrose, sabem que ele jamais aceitaria a carona de um estranho. Muito menos de um estranho branco. Desconfiados e naturalmente precavidos – afinal, ser negro num mundo que deseja a sua morte te faz tomar certas atitudes –, o trio parte nessa missão. Passando por lugares antiquados e perigosos, o grupo enfrenta sociedades secretas, rituais sanguinolentos e, claro, o preconceito do dia-a-dia. E essa é apenas a primeira parada de uma jornada que dura pouco mais de um ano.

A edição é composta de oito contos e um epílogo. O primeiro deles, acompanhando Atticus, recebe o título do livro e é o mais longo (pouco mais de 100 páginas), já que é o responsável por nos apresentar os personagens e a atmosfera em que estamos sendo inseridos. E posso dizer que essa etapa é concluída com maestria.

O autor conseguiu inserir a magia e o suspense em sua forma pura, mas não massiva. Para quebrar a atmosfera fictícia, elementos reais predominantes foram adicionados para aproximar a obra da realidade (racismo, Jim Crow, maçonaria, livros raros, línguas desconhecidas… a própria bíblia).

A sua sacada foi genial, apresentando um mundo conhecido, palpável, conduzindo o leitor por caminhos salpicados de suspense para, no fim, mostrar a magia conectando tudo e dando respostas convincentes. Essa fórmula se repete em todos os contos, fazendo com que o leitor se mantenha preso à leitura do início ao fim.

Os personagens são carismáticos de varias formas, suas personalidades são tão fortes que nos causam sentimentos diversos. Embora cada um dos contos acompanhe um personagem em específico, Atticus é o centro do enredo, de forma que ele aparece ou é citado em algum momento, na maioria dos casos como o ponto chave.

A leitura foi extremamente fluida, a escrita é de fácil entendimento e não fica de enrolação desnecessária. Adorei a forma como o Matt fez cada conto em separado, contando uma história específica, ao mesmo tempo em que deu um jeitinho de unificar todo o enredo. No início, o autor focou em levantar os questionamentos, mostrar o problema, nos fazer pensar acerca disso (criando teorias malucas, inclusive). E depois, à medida que a leitura avançava, ele foi inserindo as respostas, nos conduzindo por um fio invisível até o final. Foi genial!

Embora o enredo faça menção à H.P. Lovecraft, não é necessário ser conhecedor da obra pra usufruir dessa leitura. É claro que certos momentos podem ser muito melhor aproveitados se conhecermos o mínimo dos livros do autor (por exemplo, sua criatividade pra concepção de monstros e atmosferas tensas), mas a experiência de TERRITÓRIO LOVECRAFT não será perdida. O livro é completo.

Poder fazer essa leitura com um pano de fundo tão impactante em pleno momento de protestos e discussões acerca do racismo, digo que foi uma experiência única. Os preconceitos vividos por Atticus e sua família, que naturalmente revoltariam, impactaram ainda mais. Embora o foco da leitura seja outro (o suspense, as sociedades secretas, o elemento mágico), acredito que possa ser uma leitura indicada para debate sobre o tema, já que as cenas descritas são nuas e cruas, inseridas propositalmente para chocar o leitor com a realidade.


AUTOR: Matt RUFF
TRADUÇÃO: Thais PAIVA
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 352


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