Lucius chega a Campos do Jordão para estudar na faculdade da cidade, uma das melhores do país, e se formar no curso de Matemática. Com a ajuda do pai, ele aluga um velho casarão arrendado em um leilão e cujo proprietário não tinha intensões de ocupá-lo num futuro próximo. Apesar de não precisar de tanto espaço, o valor do aluguel era irrisório.

Logo que chega, Lucius fica curioso com uma grande biblioteca que existe na casa e acaba, acidentalmente, encontrando a foto de uma linda moça ruiva, que segura uma caixa ao lado de um pequeno buraco feito na terra, bem ao lado de uma estaca de madeira. A foto data de 1964. Curioso, Lucius desbrava o enorme terreno atrás da casa e se surpreende ao se deparar com o início da construção de trilhos. Procura a estaca onde a moça estava quando tirou a foto e, ao cavar o local, descobre a caixa que ela segurava. Dentro da caixa, uma carta endereçada ao futuro morador do local, onde Anabelle, a moça da foto, descreve o sonho de seu falecido pai de construir uma montanha-russa no terreno da casa, a que deu o nome de Belleville.

Comovido, Lucius resolve também escrever sua carta reforçando o pedido. Guarda as duas folhas dentro da caixa e volta a enterrar. Cinquenta anos no passado, Anabelle desiste do intenção de deixar a carta enterrada. Para sua surpresa, ao abrir a caixa, depois de a retirar do buraco, encontra uma outra carta junto da sua, escrita por alguém chamado Lucius.

Esse é o início da obra criada por Felipe Colbert. Uma mistura de romance com viagem no tempo. Lucius e Anabelle se comunicam através das cartas enterradas no terreno, e os dois acabam se apaixonando, mesmo sem se conhecerem pessoalmente.

A primeira metade do livro é centrada no convencimento de que os dois realmente estão se comunicando através de um espaço temporal de cinquenta anos. As cartas que trocam são tocantes e engraçadas. Primeiro, a indignação de participarem de uma brincadeira de mau gosto; depois a curiosidade sobre a possiblidade de estarem vivendo algo fantástico; a constatação de que realmente os dois se comunicam através do tempo, e, finalmente, a descoberta de que a vida de Anabelle pode estar em perigo.

Isso porque, nessa metade do livro, o tio de Anabelle surge para reclamar a autoridade sobre a sobrinha e sobre a herança deixada pelo irmão. O homem é um monstro de maldade e transforma a vida de Anabelle em um inferno, direcionando a história para a urgência de Lucius evitar uma tragédia, mesmo estando cinquenta anos no futuro.

Lucius é um personagem obstinado, com as qualidades de quem abre mão de seu futuro acadêmico com o intuito de realizar o sonho do pai de uma garota que não conhece e que viveu cinquenta anos antes dele. Anabelle é corajosa e enfrenta seu destino nas mãos do tio com o tipo de força que compete a mulheres de fibra, mesmo tendo apenas 18 anos. Os dois encontram nas palavras de suas cartas, a força para abrirem mão de seus sonhos. Ou, como se descobre no fim, da possibilidade de destruírem suas vidas para a realização dos sonhos um do outro. E esse é o significado do verdadeiro amor: abstinência da própria segurança pela pessoa amada.

BELLEVILLE é uma leitura deliciosa, ingênua, romântica, despretensiosa, simples. Existem alguns defeitos, sim, como a narrativa, que é em primeira pessoa, feita por Lucius e Anabelle, e nem sempre em capítulos alternados. Não existe uma identificação no início do capítulo sobre quem está narrando, obrigando, às vezes, o leitor a passar por algumas linhas até conseguir descobrir se é Lucius ou Anabelle quem está contando a história. Outro problema, é que as cartas dos dois protagonistas estão em uma fonte que imita a letra humana. É bonito visualmente, mas torna a leitura cansativa, porque o leitor precisa tentar decifrar uma palavra ou outra devido à fonte.

A obra de Felipe Colbert não possui nenhuma real novidade se comparada a histórias semelhantes, mas a escrita é impecável e o romance dos dois protagonistas é comovente. Na segunda metade do livro, eu simplesmente não conseguia deixar de ler para descobrir o destino de Anabelle e Lucius. E isso só autores competentes conseguem transmitir através das palavras.

Descobri BELLEVILLE acidentalmente em uma bienal aqui de Belo Horizonte. Estava no stand da Leitura e vi em um canto uma pilha de livros com o desenho de uma ruiva na frente de uma montanha-russa. Pela sinopse envolver viagem no tempo, acabei comprando de curiosidade. Fora esse momento, e apesar de estar sempre à procura de novidades para ler, nunca vi nenhuma propaganda do livro, o que demonstra a constante falta de iniciativa na divulgação de obras nacionais de escritores iniciantes. Isso é uma pena.


AUTOR: Felipe COLBERT
EDITORA: Novo Conceito
PUBLICAÇÃO: 2013
PÁGINAS: 304


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