Como escreveu a jornalista, escritora e biógrafa Selina Hastings: “Antoine de Saint-Exupéry pertencia à horrível tribo dos garotos que nunca cresceram”. Comentário que se aplicava tanto ao seu desejo de agradar e ser amado quanto à sua desconfiança do mundo adulto, que lhe parecia falso, traiçoeiro e pouco interessante, já que para ele: “a infância era uma idade dourada cuja memória era ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição”. E isso é notado em diversas partes de O PEQUENO PRÍNCIPE, onde ele se refere às crianças, situando-as em um patamar superior ao dos adultos que, obviamente, foram crianças um dia, muito embora poucos se lembrem disso.

Em 1921, Antoine foi convocado para o serviço militar e escolheu servir na aeronáutica, lembrando que o avião havia sido inventado apenas 16 anos atrás, em 1906. Em 1924, ele começou a voar para o incipiente serviço postal francês, o que lhe rendeu experiências para escrever sua primeira história, O AVIADOR, publicada em 1926. No ano seguinte, Antoine já era o chefe de operações do aeroporto de Cabo Juby, no norte do deserto de Saara espanhol, próximo à fronteira do Marrocos, que já foi descrito como o mais desolado campo de aviação do mundo. Foi nesse período que se consolidou sua fama heróica, pois ele participou de numerosas operações de resgate de pilotos acidentados e perdidos no deserto.

Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.

Em agosto de 1933, as linhas aéreas postais particulares foram extintas e reagrupadas sob a estatal Air France, que incorporou Antoine como porta-voz e garoto-propaganda. Isso lhe proporcionou a possibilidade de se dedicar à escrita e aumentar a produção de romances e grandes reportagens sobre Moscou, Espanha e o Vietnã. Mas isso não o impediu de voar, tanto que em dezembro de 1935, Antoine e seu navegador caíram no deserto do Saara e passaram dias caminhando em busca de ajuda, até que encontraram uma caravana de beduínos que os guiou de volta à civilização. Aos 42 anos, em 31 de julho de 1944, em uma missão de reconhecimento sobre as águas do Mediterrâneo, Antoine desapareceu e seu corpo nunca foi encontrado.

As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Tu, porém, terás estrelas como ninguém… Tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo.

Em O PEQUENO PRÍNCIPE, um piloto cai no deserto do Saara. Ao acordar do acidente, ele se depara com um garoto que lhe pede para desenhar um carneiro. Mesmo com a estranheza da situação, o piloto faz o que o menino pede e aproveita para questioná-lo de onde vem e como foi parar no meio do deserto. O menino diz que veio de um pequeno planeta, do tamanho de uma casa, e precisava do carneiro para comer umas árvores, chamadas baobá, enquanto eram pequenas, uma vez que elas cresciam muito e poderiam ocupar todo o pouco espaço.

É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.

A maior preocupação do menino é com sua rosa, e ele pede ao piloto para desenhar uma coleira para manter o carneiro preso de noite e impedir que coma a rosa por engano. O menino também narra sua aventura até chegar à Terra, quando passou por vários planetas e conheceu personagens únicos, com o Rei, que pensava governar todas as pessoas e todo o universo. Em outro planeta, ele conheceu o Bêbado, que na sua tristeza, bebe pela vergonha de beber. E o Homem de Negócios, em mais um planeta, que quase não nota a presença do menino, por estar envolvido em cálculos. Esse homem se apropria das estrelas porque, assim, se considera mais rico do que todos.

As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes.

Em mais um planeta, o menino encontra o Acendedor de Lampiões, que mora em um planeta que varia entre o dia e a noite com a diferença de um minuto, e assim o trabalho do acendedor é cansativo, mas, mesmo assim, ele o executa com determinação. No planeta do Geógrafo, o menino descobre que mesmo que esse homem conheça tudo sobre todos os lugares, não conhece nada sobre o próprio planeta. Em outro, o Astrônomo foi quem descobriu primeiro a casa do menino, mas ninguém acreditou nele, porque ele era turco e vestia roupas estranhas para a maioria da sociedade.

Se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música.

No planeta do Vaidoso, esse homem tem a necessidade de ser reconhecido e elogiado, mas ele é a única pessoa que existe no lugar. E já na Terra, o menino conhece a Serpente, que promete ajudá-lo a retornar para seu planeta, bastando que ele deixe que ela o pique. E por fim, a Raposa, que ensina ao menino o valor da amizade e do reconhecimento do que realmente tem valor.

Todas as pessoas grandes foram um dia crianças – mas poucas se lembram disso.

Cada um desses personagens ensina, de forma direta ou indireta, uma lição sobre o ser humano ao menino. O encontro com o Rei ensina que só se pode exigir de alguém aquilo que ele pode dar. O Bêbado é o exemplo da ignorância das pessoas que tentam fugir da realidade pela vergonha de suas ações ou de suas fraquezas e vícios. O Homem de Negócios são as pessoas que não aproveitam a vida por causa da obstinação de estarem sempre trabalhando ou envolvidas com tarefas que não lhes trazem prazer. O Acendedor de Lampiões é o espelho das pessoas que trabalham com algo que não criticam, mesmo que seja algo sem sentido. O Geógrafo ensina que muitas pessoas, apesar do conhecimento vasto, não entendem nada sobre elas próprias. O Astrônomo sofre o preconceito da xenofobia e do racismo da sociedade. O Vaidoso é aquela pessoa que dá mais valor à opinião dos outros do que ao que a própria sente e pensa. A Serpente é a quebra de fases, a morte. E, finalmente, a Raposa, representa a sabedoria e a responsabilidade.

É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros.

A mensagem principal de O PEQUENO PRÍNCIPE se resume ao real valor das coisas e das pessoas. Para conhecer o essencial é necessário tempo, enxergar sem preconceito, sem julgamentos, sem discriminação. O que realmente importa não é formar relações, mas o tempo que destinamos para essas relações e a forma como as construímos. Ninguém tem obrigação de acertar sempre, de saber de tudo, mas temos obrigação pela responsabilidade de nossos atos e por tentar compreender quem somos.

É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.

A Rosa representa parte desse aprendizado. Ela simboliza o amor que precisa ser cultivado e cuidado para não morrer. Ele precisa ser renovado a cada dia, ou esmorece. Ele não pode ser dependente, mas cúmplice, companheiro, fiel, respeitoso, livre. E o Carneiro serve como representação dos problemas que surgem nessas relações. Ele serve para ajudar a cuidar, mas também pode ser a porta do sofrimento.

É loucura jogar fora todas as chances de ser feliz porque uma tentativa não deu certo.

O PEQUENO PRÍNCIPE é um dos livros mais lidos de sempre, com milhões e milhões de exemplares vendidos em centenas de países. Sua mensagem é extensa e pode ser compreendida de forma diferente por diferente pessoas, e essa é a genialidade da obra. Mas sua mensagem principal, sua parte essencial, é a necessidade de se manter puro, de ter a mente aberta, de saber dar valor ao que é essencial, que a vida é efêmera, passageira, finita, que não existem segundas chances, que o tempo passa rápido demais para valorizarmos o que não importa e esquecermos o que realmente importa, que nos proporciona alguma felicidade e que nos permite proporcionar felicidade a quem amamos.

Foi o tempo que dedicastes à tua rosa que fez tua rosa tão importante.

O final do livro é sua parte mais forte, cuja mensagem é bem franca: o pequeno príncipe levou o desenho do carneiro, mas o piloto esquece de desenhar a correia da coleira. Ou seja, o menino terá que guardar todas as noites sua rosa dentro da redoma e vigiar atentamente seu carneiro. Essa é a vida. Cuidar daquilo de amamos, de quem amamos, todos os dias, e vigias as vicissitudes da vida, para que o acaso não destrua o que amamos.

Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.

Antoine era um autor que não escrevia a partir da imaginação pura, ou seja, ele pertencia ao grupo que escrevia com base em experiências pessoais, vistas e vividas. O PEQUENO PRÍNCIPE, portanto, foge dessa característica. Ou então, quem sabe, não foge, e quando Antoine caiu no Saara, em 1935, ele realmente encontrou um pequeno garoto de cabelos cor de ouro e com um cachecol amarelo que lhe pediu para desenhar uma ovelha.

Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.

Em 1975, o Asteroide #2578 da Cintura Principal, descoberto no dia 2 de novembro pela astrônoma russa Tamara Smirnova, foi batizado com o nome de Saint-Exupéry.

Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa.

Por último, a edição lançada pela Rocco está lindíssima, com páginas de GRAMATURA ALTA, marcador de tecido, capa dura e tradução do Frei Betto. Ela também conta com uma introdução única e o trecho completo de SAINT-EXUPÉRY MUITO ALÉM DO ASTEROIDE B612, escrito por Pedro Karp Vasquez, onde é possível conhecer parte da vida do autor e o impacto que sua existência teve nas pessoas que viviam ao seu redor. Simplesmente imperdível, obrigatório, essêncial!


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Antoine de SAINT-EXUPÉRY
TRADUÇÃO: Frei BETTO
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 128


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