Em 1982, David Sheff, jornalista e colaborador de jornais e revistas, como o The New York Times, Rolling Stone, Wired, Fortune, entre outros, e sua esposa, Vicki, tiverem o primeiro filho, Nic. Aos 11 anos de idade, Nic teve contato com drogas, no caso, a maconha. Nos 17 anos seguintes, Nic consumiu todas as drogas conhecidas, como álcool, crack, LSD, ecstasy, alucinógenos, inalantes, metanfetaminas, cocaína, tabaco, e quase morreu algumas vezes. Sua doença transformou sua vida e a dos pais para sempre. Até que aos 28 anos, David finalmente descobriu o que motivava Nic a se drogar. QUERIDO MENINO é o relato de David sobre todos esses anos tentando salvar o filho. Ele nunca desistiu. Nunca.

A narrativa de David acompanha todos os passos do filho desde o primeiro contato, descrevendo com detalhes como Nic mudava de comportamento nos períodos em que estava sob influência de alguma droga, e como ele era quando estava normal; como ele prometia que iria parar, que sabia o quanto era prejudicial para ele, mas que logo em seguida consumia; as dezenas de vezes que foi internado em casas de reabilitação, por semanas, meses, e pouco tempo depois de sair, ele voltava a se drogar; as amizades e as namoradas que também consumiam e que, indiretamente, o apoiavam no que fazia; os períodos em que Nic desaparecia, às vezes por dias, às vezes por semanas, para então telefonar para David pedindo ajuda, muitas vezes caído em algum beco ou no chão de um banheiro de algum bar; ou as vezes em que ele invadia a casa do pai para roubar algo que pudesse vender ou trocar por drogas.

Enquanto divide com o leitor todo o seu desespero por não conseguir curar o filho, David explica, também com detalhes, como as drogas funcionam na mente e no físico de uma pessoa, quais as entidades nos EUA a que os pais podem pedir auxílio, como é o atendimento das casas de reabilitação, qual a diferença entre elas, como é o período de tratamento, o motivo da dependência química virar uma doença, as diferenças entre uma droga e outra e como cada uma delas funciona e afeta uma pessoa, além de muitas outras informações indispensáveis para se ter uma compreensão de como é terrível a vida de quem se droga e da família dessa pessoa.

David também escreve muito sobre a culpa. A culpa que a pessoa que se droga tem por não conseguir se curar, e a culpa que os familiares sentem por acharem que eles são os responsáveis. David se separou de Vicki três anos após Nic nascer. O menino passou a ter duas casas. Poucos anos depois, Vicki se casou de novo e mudou para outro estado. Então, Nic passou a viajar para ficar com a mãe nos feriados. Ele não gostava e não compreendia por causa da idade. E quando alcançou uma idade que compreendia, já estava imerso nas drogas. Essa era uma das culpas que David carregava. Mas, na maioria das vezes, ninguém tem culpa, os motivos são outros, são independentes de qualquer culpa. Mas David se culpou por muitos anos, ele até frequentou grupos de apoio às famílias de dependentes químicos, onde era discutido a não existência dessa culpa.

Uma pessoa pode começar a consumir drogas por vários motivos: curiosidade, querer saber como é a sensação; esquecer os problemas e as frustrações; escapar da timidez e da insegurança; necessidade de experimentar novas emoções; entrar para a roda de amigos que consome; uma crise de identidade e fuga; falta de perspectivas; influência de alguém da família que se droga; hereditariedade, ou seja, a mãe se drogava e transmite o vício ao feto, que quando nasce, já nasce viciado; insatisfação de várias formas.

Todos os motivos acima, afetam uma pessoa psicologicamente ou emocionalmente, e as drogas são um meio de esconder esses problemas. A pessoa que consome deixa de sofrer, ela entra em um estado de euforia, de felicidade, de entorpecimento, como se estivesse anestesiada, ou como se vivesse em uma realidade em que não não existem problemas, onde a mente não tem mais discernimento sobre o que é certo ou errado, tudo o que aflige a pessoa desaparece. Mas apenas pelo tempo que a droga tem efeito. Depois tudo volta, mais forte, e a isso se soma a necessidade biológica que a droga cobra, a dependência química, o mal estar físico. Então, vira uma doença. E é nesse ponto que QUERIDO MENINO é extremamente importante: David explica como a doença pode ser combatida e curada, a dependência química, mas que o motivo que levou a pessoa a procurar as drogas, também precisa ser tratado, senão a pessoa irá voltar, inevitavelmente.

Muitos tratamentos têm foco na dependência química e esquecem de descobrir e tratar o que originalmente causou a procura pela droga. David lutou por Nic durante 17 anos tentando curar sua dependência química, mas ele não tinha conhecimento de que precisava tratar o que levou Nic às drogas. E ele só descobriu que esse problema inicial existia, quando Nic já tinha 28 anos, por acaso, quando procurou um psicólogo e este perguntou pela avaliação psicológica de Nic. Ele não tinha uma. O psicólogo ficou admirado, revoltado. Nic havia entrado e saído de mais de uma dezena de casas de reabilitação, passado pelas mãos de dezenas de médicos, e nenhum deles pediu uma avaliação do estado psicológico de Nic, ou seja, uma avaliação de se ele possuía alguma doença mental.

O laudo apontou que Nic tem transtorno bipolar e depressão profunda. Sempre teve. As drogas faziam com que ele não sentisse os efeitos dessas doenças. Esse era o principal motivo de suas recaídas, mesmo após meses de abstinência. Ele não sabia o motivo, mas sabia que drogado, ele se sentia melhor, mesmo que por apenas pelo tempo que as drogas faziam efeito. Após esse diagnóstico, aos 28 anos, Nic passou a ser tratado por um psiquiatra com ajuda de medicamentos específicos para suas doenças. Atualmente, com 36 anos, faz 8 anos que Nic não consome nenhuma espécie de droga, não teve nenhuma recaída e vive feliz com sua família.

Este ano estreou a adaptação de QUERIDO MENINO para o cinema. Foi um fracasso de crítica e público. Após assistir, compreendi o motivo. O filme é péssimo. Ele não é linear e viaja entre o passado e o presente de David e Nic sem demonstrar a evolução da dependência química e sem caracterizar Nic com a sua deterioração física. São cenas e mais cenas dele se drogando e sorrindo, enquanto outras mostram ele triste e com raiva nos momentos em que não se droga, passando uma ideia errada para quem não conhece os efeitos químicos. Mas mais grave que isso, o filme termina sem explicar que Nic possuía Transtorno Bipolar e depressão.

As atuações de Steve Carrel, como David, e de Timothée Chalamet, como Nic, estão impecáveis. O desespero que Carrel transmite quando fica sem notícias do filho, ou quando o filho está jogado em alguma sarjeta, são comoventes, de fazer chorar. Inclusive, Timothée foi indicado ao Globo de Ouro como coadjuvante, além de outros prêmios. Mas o mais importante da história é o testemunho e a mensagem do que as drogas e a falta de tratamento psicológico podem fazer com uma pessoa. Não é mostrar um jovem feliz quando está drogado e triste quando não está. A única cena que demonstra algo de real, é já no fim do filme, quando Timothée levanta a manga de sua camisa e aparece seu braço todo roxo de marcas de seringa.

QUERIDO MENINO, o livro, é uma leitura obrigatória, o testemunho do amor de um pai que lutou durante 25 anos para salvar seu filho das drogas, sem nunca desistir, sem nunca abandoná-lo, sem nunca perder as esperanças. E embora o filme fique longe da qualidade do livro, tem uma cena que é linda, emocionante, que acontece após Nic ter uma overdose e sair do hospital, quando ele se senta ao lado de David, e os dois se abraçam chorando. É lindo, é comovente, é um incentivo para todos nós lutarmos por quem amamos.

Por último, deixo uma entrevista do médico Dráuzio Varella sobre drogas e dependência química. Ele é excelente, tem uma facilidade enorme para explicar, vale muito a leitura: https://drauziovarella.uol.com.br/entrevistas


AVALIAÇAO:


AUTOR: David SHEFF é um autor americano , jornalista, que escreveu para o The New York Times , All Things Considered , da Rolling Stone , Playboy , Wired , Fortune e National Public Radio. Seus entrevistados incluíram John Lennon , Frank Zappa , Steve Jobs , Ai Weiwei , Keith Haring , David Hockney , Jack Nicholson , Ted Taylor, Carl Sagan , Betty Friedan , Barney Frank e Fareed Zakaria , entre outros. Mora no norte da Califórnia com sua esposa, Karen Barbour, uma artista, ilustradora e autora de livros infantis. Ele tem três filhos
TRADUÇAO: Helena LONDRES
EDITORA: Globo Livros
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 366


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