Tom Wolfe foi um dos escritores mais conceituados dos EUA, não apenas pelos livros publicados, que foram poucos, mas, principalmente, por seu trabalho como repórter, que influenciou muitos a mudarem a forma de se escrever uma matéria. O pai de Wolfe era dono de duas fazendas e diretor de uma cooperativa de fazendeiros, o que permitia à família uma tranquilidade financeira e um estilo de vida bem acima da média. Wolfe teve aulas de balé e interpretação, e ainda criança, escreveu a biografia de Napoleão e Mozart, os primeiros textos que demonstravam sua capacidade na escrita. Ele foi repórter de vários jornais de grande circulação, como The Washington Post e o New York Herald Tribune. Foi nesse período, 1987, que ele lançou sua obra mais famosa, A FOGUEIRA DAS VAIDADES.
Na trama, Sherman McCoy é um negociador de títulos em Wall Street, rico, com um apartamento avaliado em mais de 3 milhões de dólares no centro de Nova York. É casado com uma mulher que só pensa na beleza e no dinheiro, e tem uma amante, Maria, que, por sua vez, também é casada com outro homem. Uma noite, ele e a amante se desviam do caminho e se perdem em uma área perigosa do Bronx. Quando encontram a rua que leva à saída, ela está bloqueada por um pneu. Sherman sai do carro para desobstruir o caminho, quando aparecem dois jovens negros oferecendo ajuda. Assustada de forma desproporcional, Maria assume o volante, pega Sherman e, na fuga, acaba por atropelar um dos jovens. Sherman quer ir à polícia, mas Maria o convence a desistir, ainda mais que isso destruíria seu casamento.
No dia seguinte, Sherman descobre que o jovem foi hospitalizado e entrou em coma, mas antes conseguiu dizer à mãe qual a placa do carro que o atropelou. Quando a notícia repercute nos noticiários, o prefeito da cidade, um promotor fracassado e um reverendo ambicioso do Bronx enxergam a chance de atingirem um objetivo próprio. Ao mesmo tempo, entra em cena o fracassado repórter Peter Falow, destacado pelo jornal para cobrir o caso e ajudar o reverendo a insuflar o bairro contra McCoy, que tem sua vida totalmente destruída pelo que se segue.
A FOGUEIRA DAS VAIDADES não é uma história de um promotor que deseja condenar um criminoso, ou de um reverendo que luta por justiça para um jovem de sua congregação, ou de um prefeito que deseja conduzir a diversidade da população de sua cidade de forma igualitária, ou a de um jornalista na execução honestade sua profissão. Os personagens não são exemplos de virtude. Pelo contrário. Todos eles são exemplos de pessoas corruptas, mesquinhas, interesseiras, oportunistas, que não medem esforço para conseguirem vantagem.
O promotor quer um caso que o torne famoso, que o leve para o ciclo dos melhores do tribunal, independentemente de condenar ou não um inocente. O prefeito quer os votos da população negra da cidade, e qual melhor forma de conseguir isso do que condenar um homem branco pelo atropelamento de um jovem negro? O reverendo vê a chance de conseguir dinheiro para sua congregação. E o jornalista quer a história para conseguir um prêmio Pulitzer. Ou seja, o objetivo de todos eles é o mesmo: fazer Sherman ir para a cadeia.
Wolfe era um mestre na descrição dos ambientes e na construção de personagens que tinham um estilo balzaquiano de vida. Ele era dono de um humor ácido, carregado de sátira, e faz críticas a todos, ricos, pobres, brancos, negros, a repórteres, juízes, advogados, mas, principalmente, à elite americana. Nenhum personagem é poupado de uma dissecação mordaz do estilo de vida, do caráter dúbio e da futilidade das ações.
Sherman é um imperador na profissão, brilhante, sem igual. Mas em casa, vive com uma esposa frívola, um boçal que comete erros tão absurdos como o de ligar para a própria casa por engano e falar com a esposa pensando que é a amante. Ele não tem qualquer traquejo social e sofre bullying pelos concorrentes. Sua relação com a amante é apenas sexual, sem qualquer evolução intelectual ou emocional. Um completo abismo de superficialidade. E isso evita que se consiga criar qualquer vínculo emotivo como personagem, pelo menos na primeira parte do livro. Na segunda parte, fragilizado e acossado, Sherman se transforma em alguém mais agradável, mais comum, por quem se consegue torcer um pouco, pelo menos.
Peter Falow, o repórter, começa empurrado pela chance de conseguir uma história que o irá tirar do fundo do poço. Mas, aos poucos, conforme conhece e se envolve com Sherman, e quando descobre que não era ele na direção quando o jovem foi atropelado, ele cria uma certa simpatia com Sherman e tem desejo de ajudá-lo a se safar de uma condenação certa. Mas o que pesa na balança é a chance de Falow ficar famoso, de conseguir ser reconhecido. É uma decisão que pode não ser assim tão difícil para ele.
Todos os outros personagens, o prefeito, o reverendo, o promotor, até mesmo Maria, nenhum deles quer realmente saber se Sherman é inocente, ou se há uma chance de o livrar da cadeia, ou mesmo em fazer qualquer justiça ao jovem em coma no hospital. O que todos eles querem, é a chance de conseguirem o objetivo material que perseguem, ou no caso de Maria, de não ser descoberta. Sherman que se f@%$!
A FOGUEIRA DAS VAIDADES é um livro inteligente, extremamente bem escrito, com personagens marcantes e totalmente corruptos, indiferentes à justiça ou ao bem comum, um exemplo de como era a sociedade americana nos anos de 1980, e de como essa sociedade não mudou absolutamente nada nas últimas décadas.
Em 1990, Brian de Palma dirigiu a adaptação cinematográfica, com um elenco de estrelas: Tom Hanks, como Sherman; Bruce Willis, como Peter Falow; Morgan Freeman, como o juiz encarregado do caso; e Melanie Griffith, como Maria. Apesar disso, o filme foi um fracasso gigantesco, tanto de bilheteria, como de crítica. Isso se deve ao fato do diretor ter transformado o roteiro em algo debochado, com interpretações carregadas de uma proposital canastrice, querendo passar que toda aquela sociedade era uma farsa teatral evidente. Infelizmente, o filme ficou bizarro e perdeu qualquer chance de ser considerado sério.
Tom Wolfe faleceu aos 87 anos, em um hospital de Nova York, devido a uma infecção. Ele deixou a esposa e dois filhos.
AVALIAÇAO:
AUTOR: Thomas Kennerly WOLFE foi um jornalista e escritor norte-americano, conhecido por seu estilo marcadamente irônico. Nos EUA, é considerado um dos fundadores do new journalism, movimento jornalístico dos anos 60 e 70. Wolfe nasceu em Richmond, Virginia, nos Estados Unidos, filho de Thomas Kennerly Wolfe e Helen Hughes Wolfe.
TRADUÇAO: Lia WYLER
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇAO: 2018
PÁGINAS: 592
COMPRAR: Amazon
Todos os personagens do livro são movidos pela ambição, cada um quer um pedaço da Fama e dinheiro que essa história pode trazer. Em nenhum momento ninguém pensa no jovem que foi atropelado. Assim como também descobrir quem é o verdadeiro culpado não importa, não tem culpado melhor que Sherman um figurão de NY rico e poderoso. E ele será execrado por todos mesmo sendo inocente.
É uma leitura instigante e eletrizante.
Considero este livro um dos grandes clássicos e oh, isso não se resume apenas na literatura não, mas o filme de 1990 também é um ícone em quesito, interpretações!
Transformar um enredo fascinante, carregado de personagens fortes, ambiciosos e únicos, em algo mais voltado para o deboche e real, foi um marco na história do cinema na época e deu até vontade rever o filme!
Tive contato com esta obra do autor há muito tempo, na época escolar e confesso que não sabia desta edição da Rocco.
Creio que sejam quase 600 páginas que passem voando e quero muito ter a oportunidade de reler uma obra tão ímpar!!!
Beijo
Realmente é um grande clássico, muito bem escrito. O filme, já é uma porcaria.
Oi, Carl
O título do livro dá certinho com o enredo, cheio de personagens que só pensam em si mesmos.
Não tenho certeza, mas penso que não assisti o filme. Agora vou procurar fiquei curiosa para saber como ficou.
A trama é bem envolvendo, me parece ser uma leitura fluida. Será que o repórter deixou seu ego de lado e ajudou Sherman? E o garoto atropelado sobreviveu?
Preciso ter acesso ao livro e sanar essas dúvidas, beijos!
E esta edição da Rocco está muito linda. Se puder, leia!
Olá! Seria engraçado, senão fosse tão triste e preocupante, saber que o livro, apesar de retratar uma história em meados dos anos 80, ainda reflete nossa história de 2019, e a dúvida que fica é até quando?! O livro já tinha sido indicado por um amigo, mas ano vem, ano vai e ainda não tive a oportunidade de conferir, espero, enfim, conseguir esse ano e me deparar com mais uma história que reflete e muito uma verdade bem incomoda e vergonhosa.
Se puder, leia, é muito bom!
Carl!
Interessante ver como o comportamento da sociedade americana (e de outros países), não mudou desde de a época em que o livro é ambientado.
A ambição e o individualismo continuam permeando as ações da sociedade até os dias atuais.
É a demonstração do mau caratismo das pessoas ena verdade, nem é recriminado socialmente, infelizmente.
cheirinhos
Rudy
Pois é, o ser humano consegue ser desprezível…
Fiquei muito interessada pelo livro e por essa história tão real. De cara tive uma certa simpatia por Sherman por ele querer ir à polícia depois do ocorrido, mas claro que isso não faz dele um santo… As pessoas tem infinitas capacidades de passar por cima do outro pelo próprio bem estar e suas conquistas. Isso é triste e preocupante.
Já suspeito, mas fiquei curiosa com a escolha que Falow fez após conhecer a verdade sobre o ocorrido com Sherman, Maria e a vítima.
Vai ter algumas surpresas quando ler…