Monteiro Lobato nasceu e viveu entre 1882 e 1948, período em que se tornou o precursor da literatura infantil no Brasil. Sua contribuição para a literatura nacional, bem como a eternização de personagens como Narizinho, Pedrinho, Emília, Visconde, Dona Benta, tia Nastácia, a Cuca, o Saci, entre outros, é indiscutível e sem paralelo. Da mesma forma foi sua criatividade e desprendimento para criar histórias sem qualquer limite de imaginação, sem ser necessário explicar como uma boneca de pano falava, como existia o Reino das Águas Claras, como surgiam príncipes, peixes falantes, além de uma mistura com obras universais, como Aladdin, Cinderela, Pinóquio, e tantos, tantos outros. As coisas apenas aconteciam no Sítio do Picapau Amarelo, por mais incríveis e impossíveis que fossem, e todo o leitor acreditava no que lia, sem qualquer dúvida da veracidade. E essa é a magia de algo contato com convicção, com naturalidade, coisa que Lobato era mestre.

REINAÇÕES DE NARIZINHO, publicado em 1931, foi a coletânea de histórias mais famosas de Lobato. A partir delas, veio todo o resto, com pequenas ou grandes modificações, como CAÇADAS DE PEDRINHO, publicado em 1933, e O PICAPAU AMARELO, publicado em 1939. Além desses três livros, Lobato publicou mais de trinta outros, sendo a maioria com aventuras dos personagens do sítio e voltados para o público infantil. Mas também existem obras adultas, inclusive distópicas, que obtiveram grande sucesso. Os livros de Lobato viraram leitura obrigatória nas escolas brasileiras, originaram adaptações cinematográficas, além de séries para a televisão, sendo, novamente, a mais famosa, com os personagens do sítio.

Monteiro Lobato nasceu antes da Abolição da Escravatura no Brasil, que ocorreria seis anos depois, em 1888. A sociedade em que ele viveu, ainda era essencialmente, majoritariamente, racista e preconceituosa em um nível bastante elevado. Monteiro Lobato não se comportava e nem escrevia em reflexo a essa época. Ele, por escolha própria, por pensamento próprio, foi um defensor da eugenia, conceito que previa e valorizava a existência de uma raça pura, perfeita. Ele chegou a trocar correspondências com defensores da Ku-Klux-Klan, onde escrevia coisas como: “Um dia se fará justiça (…). Tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca…”. CAÇADAS DE PEDRINHO foi uma das obras onde sua posição racista foi mais evidente, com adjetivos relacionados a tia Nastácia, como “macaca de carvão“, “carne preta“, “beiçuda“, e chegou a ser motivo de mandados de segurança para ser retirado das escolas.

Alguns defensores de Lobato justificam que ele era alguém que apenas representava a realidade brasileira em suas obras, que não era racista, que se fosse, não teria intitulado uma de suas publicações com histórias da tia Nastácia. Essas pessoas são tão racistas, quanto era Lobato, e suas justificativas são irrisórias e ofensivas. Entretanto, não pretendo usar este texto para discutir o comportamento de Lobato. Quero, sim, falar de um lado seu que pode ser admirado, sua criatividade, e não aquele outro lado que revolta e cria repulsa.

Eu sei que é difícil ler, de forma passível, histórias lotadas de frases preconceituosas e racistas. E eu sou de pele branca, então sequer consigo imaginar como se sentem as pessoas que são alvo desses injúrias. Entretanto, como objeto de estudo, como objeto de ensinamento, considero importante a leitura das obras de Lobato. Por estudo, considero a narrativa ímpar e de fácil compreensão, a criação dos personagens, suas características de fácil assimilação por uma criança de qualquer idade, o incentivo ao sonho, a brincadeiras e à pesquisa do que não existe na realidade. E por ensinamento, aquilo que não se pode repetir mais, onde são explicadas as frases e falas racistas que denunciam uma época e um comportamento que não pode ser mais tolerado e nem justificado, que as crianças aprendam o que significa respeito e igualdade.

Por isso, esta edição da Companhia das Letras é um exemplo de como se mantém uma obra controversa com seu texto original e, ao mesmo tempo, se ensina a diferença do certo e errado. Por todo o livro, cada frase racista, preconceituosa ou fora da época, é acompanhada por uma explicação do que ela realmente significa, de como ela não é mais permitida, de como é ofensiva e não deve ser tolerada. É assim que se ensina uma criança, através da repetição, da demonstração e da diferenciação, com uma linguagem simples, direta, com a qual o pequeno leitor se identifica e acredita.

A edição é em capa dura, maior que o normal, e conta com ilustrações belíssimas, que enfeitam as onze história que compõem o miolo. Em “Narizinho Arrebitado” conhecemos a protagonista de quase todas as histórias infantis de Lobato, papel dividido com a boneca Emília, e a primeira incursão das duas no Reino das Águas Claras, um local recorrente e cheio de significado. “O Sítio do Picapau Amarelo” apresenta mais personagens, inclusive a chegada de Pedrinho nas férias, e continua as aventuras debaixo da água. Em “O Marquês de Rabicó” temos o casamento da Emília e o surgimento do Visconde. E logo depois, em “O Casamento de Narizinho”, temos aventuras com aranhas, fugas, e mais aventuras no reino. Nas “Aventuras do Príncipe”, o sítio recebe a ilustre visita do monarca, sempre na companhia de Narizinho. Depois acompanhamos “O Gato Félix”, outro personagem bastante recorrente, e em “Cara de Coruja”, a rixa de Pedrinho com Aladino. A edição fecha com “O Irmão de Pinóquio”, “O Circo de Cavalinhos”, “Pena de Papagaio” e o famoso “O Pó de Pirlimpimpim”, onde viajamos desde o menino mentiroso, passando pelo lobo mau e indo até o barão de Munchausen e a morte prematura de um personagem bastante querido.

O maior diferencial da narrativa de Lobato, reside nesse capacidade de contar sequências inteiras de ação sem qualquer lógica aparente, coisas que acontecem apenas porque acontecem, porque assim a imaginação permite. Para um adulto é confuso, absurdo, cômico, mas para uma criança é tudo claro e divertido. Crianças não precisam de explicações, de porquês, elas aceitam as coisas como são, desde que sejam sequenciais e surpreendentes. E isso, elas encontram em REINAÇÕES DE NARIZINHO. O livro é um exercício de como os pais podem entreter seus filhos longe dos jogos eletrônicos, dos celulares, da Internet, e, ao mesmo tempo, dar uma aula de lição cívica, de igualdade, de respeito, bastando ler as notas que acompanham cada uma das páginas da obra.

Não sei se você consegue separar uma obra da personalidade de seu autor, mas sei que se você conseguir, poderá usar histórias repletas de adjetivos datados, para tentar demonstrar para seu filho que conseguimos evoluir um pouco como seres humanos, e, de brinde, mostrar como a criatividade não tem limites.

A edição da Companhia das Letras é muito especial, feita com um capricho sem igual, e algo assim precisa ir para as mãos de pais para ser lido para crianças, que elas entrem nesse mundo encantando e aprendam que não existem diferenças entre pessoas, que todos somos iguais. Assim, o blog vai sortear um exemplar de REINAÇÕES DE NARIZINHO, basta seguir as regras abaixo!

REGRAS

UM: Preencher o formulário de participaçăo, sendo que existem entradas obrigatórias, que valem um ponto cada uma, entradas opcionais, que valem cinco pontos cada uma, e uma entrada diária opcional, que vale cinco pontos a cada dia que vocę a fizer. Quantos mais pontos vocę somar, mais chances tem de ser sorteado;

DOIS: Deixar um comentário neste post;

TRĘS: O ganhador precisa ter endereço no Brasil para receber o prêmio;

QUATRO: Após 30/04/2019, será feito o sorteio pelo formulário de participaçăo;

CINCO: O pręmio será enviado em até 30 dias úteis, após divulgado o resultado. O blog năo se responsabiliza por extravios, danos ou roubos do pręmio enviado;

SEIS: O ganhador(a) terá 48 horas para responder ao e-mail de solicitaçăo do endereço. Caso năo responda nesse prazo, será desclassificado(a) e um novo nome será sorteado;

SETE: O blog GRAMATURA ALTA se reserva o direito de dirimir questőes năo previstas nestas regras.

GANHADORA

Adriana Tavares (@adrianahtavares)

 


AVALIAÇĂO:


AUTORA: Monteiro LOBATO foi um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX. Foi um importante editor de livros inéditos e autor de importantes traduções. Seguido a seu precursor Figueiredo Pimentel (“Contos da Carochinha”) da literatura infantil brasileira, ficou popularmente conhecido pelo conjunto educativo, bem como divertido, de sua obra de livros infantis, que constitui aproximadamente a metade da sua produção literária. A outra metade, consistindo de contos (geralmente sobre temas brasileiros), artigos, críticas, crônicas, prefácios, cartas, um livro sobre a importância do petróleo e do ferro, e um único romance, O Presidente Negro, o qual não alcançou a mesma popularidade que suas obras para crianças
EDITORA: Companhia das Letrinhas
PUBLICAÇĂO: 2019
PÁGINAS: 248


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