Merry era cenógrafa em Nova York, mas interrompeu a carreira quando ficou grávida. Com a chegada do recém-nascido, Sam, seu esposo, a convence a se mudarem para a Suécia, um lugar mais propício para a educação de uma criança, segundo ele. A nova casa, linda, com paredes de vidro e concreto, ricamente mobiliada, fica em uma região florestal que mais parece o paraíso. A vida longe da agitação e os perigos da cidade grande, mostra-se ideal e cumpre as promessas feitas por Sam. Os dias são longos, ocupados com refeições fartas; os vizinhos são simpáticos e educados; Merry está sempre animada e parece ter nascido para ser mãe e dona de casa. Sam se dedica ao seu novo trabalho, enquanto busca financiadores para um projeto pessoal. Tudo é perfeito. Só que não.
Sam, na verdade, foi demitido da universidade e, com a chegada do filho, pede ajuda à sua família rica e consegue manter as aparências longe dos EUA, mas sem contar a Merry. Na Suécia, ele tenta conseguir dinheiro para seu projeto, mas é recusado por todos. Ao mesmo tempo, ele mantém uma relação secreta com uma outra mulher, que visita regularmente, mas diz para Merry que está indo trabalhar. Sua única certeza é de que Merry adora a vida que tem, que ama o filho e que é uma perfeita cozinheira e dona de casa. Só que não.
Merry odeia a nova casa, odeia o novo país, odeia cuidar da casa, odeia cozinhar, odeia se manter linda e limpa para Sam, odeia ser mãe. Ela mal consegue segurar o filho no colo e perpetua atos de maldade com a criança, como apertar suas pernas e braços, deixar que ele fique chorando por horas, observar se ele se mexe e cai da cama, deixá-lo sozinho no meio da floresta enquanto corre. Ela sequer sente prazer quando Sam tem relações com ela, mas finge para que, assim, termine rápido. Mas ela pensa que Sam é o marido perfeito, que aquele lugar é perfeito, que o problema é com ela. Assim, quando ela recebe uma carta de sua melhor amiga, Frank, vê a chance de mudar um pouco a rotina e convida a amiga para passar uma temporada com eles na Suécia. Só que não.
Frank sabe quem é o verdadeiro Sam. E sabe quem é a verdadeira Merry. Mas Sam e Merry não sabem quem é a verdadeira Frank. E quando a moça se hospeda na casa do casal, observa aquela vida perfeita sobre mentiras e descobre que o bebê não é amado como deveria, Frank começa a cobiçar essa felicidade fantasiosa para ela, afinal, tudo o que ela sempre procurou foi essa estabilidade familiar, mas uma real, de verdade, e ela acha que poderá conseguir isso alí. Só precisa se livrar de Merry e controlar Sam.
Em VOCÊ NASCEU PARA ISSO não existem personagens heróis, apenas vilões. Ou melhor, o único personagem inocente da história, é o bebê, e é ele quem sofre mais e quem paga pela crueldade dos adultos. Sam, Merry, Frank e até mesmo seus vizinhos, dos quais não vou falar, para não estragar algumas surpresas, são pessoas perturbadas, doentes, más, que acham que são vítimas das próprias escolhas, que acham que o outro é culpado pelas próprias falhas, e que se enganam com desculpas para justificarem as atrocidades que cometem. A relação do casal, a relação da amiga, a relação dos três com os vizinhos, tudo é falso e rodeado de mentiras e interesses escusos.
Durante a leitura, eu tentei compreender o que Merry sentia em relação a ser mãe e em relação ao filho. Eu cheguei a pensar que ela sofria de depressão pós-parto, uma doença grave que acomete muitas mulheres quando são mães pela primeira vez. Mas a própria Merry pensa nessa possibilidade e confirma que não é nada disso. A personagem, em determinado momento, quando termina de cometer mais uma atrocidade com seu filho, diz para si mesma que ela simplesmente odeia o que a criança a obriga a fazer, que ela nunca quis ser mãe e que ele é a representação de sua frustração. Isso, muito sabiamente, e vale um elogio para a autora ter essa habilidade em seu primeiro livro, afasta qualquer piedade do leitor quanto a Merry. Ela é uma vilã, sem desculpas, sem doenças que sirvam de justificativa.
Os únicos momentos em que Merry é ela de verdade, é quando Sam não está presente. Ela se sente livre, ela faz o que deseja, sem medo de consequências ou de se revelar para o marido. Ela não se maquia, não se penteia, não troca de roupa, não toma banho, não cuida da criança, não cozinha, não limpa a casa. Ela sequer precisa fingir que gosta de Sam, que não sente nojo até de seu hálito. Ela apenas curte aquilo que aquela vida limitada consegue oferecer, e mesmo isso a deixa frustrada, porque nada naquele lugar agrada.
Sam é o típico homem idiota, machista, mentiroso, infiel, que acha que engana a esposa, mas que, na verdade, é enganado. Ele não suspeita das coisas que Merry pensa ou faz, ele realmente pensa que ela é perfeita e que ela o ama incondicionalmente. Inclusive, ele é tão idiota, que pensa que ela não sabe que ele é infiel. Na verdade, ela não se importa. Mas ele não mente apenas para Merry, ele mente para ele mesmo, com sonhos que sabe que não vai conseguir realizar. Ele mente para a família, com ameaças vazias, apenas para conseguir dinheiro e manter o padrão elevado de vida que leva. Ele mente para os vizinhos, nos dias de encontros de confraternização, sem saber que os vizinhos também mentem para ele, e que sabem que ele está mentindo.
Em uma relação tão delicada, tão fadada ao fracasso, basta um elemento a mais, tão perturbado quanto Sam e Merry, para desencadear uma tragédia. É isso que Frank é, uma tragédia anunciada. E quando Frank confirma suas suspeitas, baseada no que já conhece de Merry e Frank, ou seja, que ele continua tão infiel como sempre foi, e que Merry odeia a vida que leva e odeia o próprio filho, ela vê a chance de conseguir o que mais deseja, que é exatamente aquela vida de mãe e dona de casa.
Da mesma forma que tentei compreender as atitudes de Merry, eu tentei compreender as de Frank. Ainda mais quando é apresentado ao leitor os motivos de Frank ser do que jeito que é. Aliás, quase todos os motivos, porque o mais importante, o decisivo, nós só descobrimos no final do livro. E esse motivo é suficiente para explicar muito do que Frank faz, mas não a inocenta de seus pecados. E eles são muitos durante a leitura. Mas são bem diferentes dos pecados de Sam e Merry.
Não pense que existirá justiça ao final de VOCÊ NASCEU PARA ISSO. Os crimes que Sam, Merry e Frank cometem, bem como os de seus vizinhos, são denunciados, julgados e condenados por eles próprios. Mas isso não quer dizer que eles escapam. Todos eles ganham uma pena pesada pelo que cometem, mas uma pena que será executada por eles próprios. A forma como a autora faz isso, deixa claro que foi feita justiça, mas nem por isso consegue livrar o leitor de sentir um gosto amargo na boca, um embrulho no estômago. Principalmente o último capítulo. Acredite, poucas vezes li o capítulo de um livro onde os personagens estão tão impregnados de culpa, de ódio, de completo abandono da vida, do que são, de qualquer futuro.
Por último, preciso destacar a narrativa da autora, feita em primeira pessoa pelos três personagens, Sam, Merry e Frank, em capítulos alternados. Os diálogos não são como os que estamos acostumados, mas inseridos na própria descrição, como se cada um dos personagens estivesse relatando o ocorrido em uma conversa informal e íntima com o leitor. Pode parecer estranho no começo, mas após algumas páginas, eu já estava habituado. Achei, inclusive, que casou perfeitamente com o tom da história e com os personagens. Abaixo, um exemplo de como é.
Merry, começou ele. Sobre Frank.
O que tem ela?, retruquei. Eu não queria pensar em Frank.
Ele comeu uma garfada de comida. Nada, nada sério, é só que… Acho que está na hora de ela ir.
Por quê?, perguntei. O que aconteceu?
O que ela fez? O que você fez, pensei.
Ele balançou a cabeça. Não, nada.
VOCÊ NASCEU PARA ISSO é uma leitura extremamente pesada, de uma complexidade psicológica incrível, com personagens que representam, de forma real, o quanto as aparências podem esconder atitudes e pensamentos doentes pela frustração de uma vida que não é a aque sonharam. Uma leitura incrível, mas que não é indicada para qualquer leitor, pelo tom pesado e trágico da narrativa. Mas se você decidir ler, tenha a certeza de que lerá uma obra incrível, que irá mexer com seu psicológico e deixará você pensativo por muito tempo.
Esta é mais uma RESENHA PREMIADA, e para participar do sorteio e concorrer a um exemplar de VOCÊ NASCEU PARA ISSO, basta seguir as regras abaixo!
REGRAS
UM: Preencher o formulário de participação, sendo que existem entradas obrigatórias, que valem um ponto cada uma, entradas opcionais, que valem cinco pontos cada uma, e uma entrada diária opcional, que vale cinco pontos a cada dia que você a fizer. Quantos mais pontos você somar, mais chances tem de ser sorteado;
DOIS: Deixar um comentário neste post;
TRÊS: O ganhador precisa ter endereço no Brasil para receber o prêmio;
QUATRO: Após 07/04/2019, será feito o sorteio pelo formulário de participação;
CINCO: O prêmio será enviado em até 30 dias úteis, após divulgado o resultado. O blog não se responsabiliza por extravios, danos ou roubos do prêmio enviado;
SEIS: O ganhador(a) terá 48 horas para responder ao e-mail de solicitação do endereço. Caso não responda nesse prazo, será desclassificado(a) e um novo nome será sorteado;
SETE: O blog GRAMATURA ALTA se reserva o direito de dirimir questões não previstas nestas regras.
GANHADORA
Lucia Santos (@lucia_esantos)
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Michele SACKS nasceu na África do Sul e mora na Suiça. Mestre em literatura e cinema, foi indicada ao prêmio da Commonwealth para contos em 2014 e duas vezes ao South African PEN Literary Award. Você Nasceu Para Isso é seu romance de estreia
TRADUÇÃO: Carolina SELVATICI
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 272
COMPRAR: Amazon
Gosto de livros que saem do que esperávamos como final perfeito. Gosto de livros que mexem com nossas idealizações.
Vou participar.
Otemo! kkk
Achei um thriller psicológico forte, intenso e doentio.
Sam, Merry e Frank são imperfeitos e totalmente desprovidos de índole e caráter. Os três se escondem sob máscaras mas cedo ou tarde elas cairão.
As aparências enganam não é?
E como enganam…
Carl!
Nossa! Com todo esse mistério rondando a perfeição do casal e da amiga, com esse final impopular e com essa sua ira durante a leitura, fiquei foi curiosa em ler, porque afinal, um bom drama, sempre é bom e se ele nos faz aflorar sentimentos adversos, é porque tem alguma lição à contribuir.
Nunca tinha ouvido falar do livro.
Participo e sairá divulgação no blog.
Rudynalva Correia Soares
rudynalva@yahoo.com.br
cheirinhos
Rudy
Obrigado!!! Bjos!
Uma verdadeira teia de mentiras e falsidade. Já senti o clima tenso na resenha, e percebi que essa leitura não é para qualquer um.
O que mais me incomodou foi o tratamento dado por Merry ao bebê. Coitado!!
De fato, Sam é o maior idiota a da história. Afinal de contas ele acha que está enganando e mentindo, quando na verdade ele é o enganado. Rsrsrs
Não sei se eu tenho psicológico para ler Você nasceu para isso.
Mas eu gostei muito da resenha. Mesmo eu tendo ficado um pouco incomodada com o comportamento dos personagens com o bebê.
Bjos
É, o pior realmente é o tratamento com o bebê. Dá uma revolta imensa…
Olá! Eita que só de ler a resenha fiquei arrepiada (e chocada) com a proposta do livro, bem diferente de tudo que eu já li. A cada linha lida eu arregalava os olhos, a autora foi muito criativa e despertou meu interesse, por mais que eu saiba que terei que estar com o psicológico muito bem preparado para encarar a leitura até o fim. Acho que o mais assustador foi perceber que apesar de ser uma história de ficção, poderia também ser só mais uma notícia no jornal.
Sabe que é verdade? Acho que existem relações reais bem parecidas. Assustador!
Olá Carl.
Eu amo livros desse gênero. Amei essa premissa, amei a resenha e fiquei super intrigada com a história. Confesso que fiquei meio assustada porque todo mundo é ruim nesse livro hahaha mas isso mostra como o ser humano é de verdade.
Verdade, no livro todos são bem ruins, mas na vida real, sempre tem aquela exceção… 😉
Vou confessar algo: eu já li algumas resenhas deste livro antes de chegar aqui no blog. E sinceramente não havia dado muita atenção. Talvez até tenha comentado que queria ler e tals, que a capa é horrorosa..mas oh, não havia lido uma resenha até o momento que me fizesse abrir a página do Skoob ao lado e já adicionar o livro na lista de desejados.
Preciso urgente deste livro!!!(mesmo achando a capa ainda muito feia rs)
Três seres maldosos, que não usam as desculpas esfarrapadas da vida para se auto julgarem. São ruins por natureza? É do ser humano trazer a maldade em si,mas até que ponto? Maltratar uma criança inocente? Fiquei gelada ao ler que a própria mãe deixava o pequeno na mata para correr e o apertava por maldade. Caramba!
Nem tudo é o que parece e vivemos vendo casos de fachada seja na realidade ou ficção.
Mas acredito que nunca tinha lido nada que fosse assim, tão cru.
Quero demais conferir!!!
Beijo
Que bom e obrigado 🙂 O livro é muito bom, leia que não vai se arrepender. Esqueça as outras resenhas, a nossa que importa kkkkkkkkkkkkkk
Eu amei a resenha desse livro. Estou megafone ansiosa pra lê-lo. Apesar de sua apagente complexidade, ele traz assuntos cotidianos que muitas vezes não temos coragem de admitir que acontecem.
Leia, sim, vai ver como é bom!
OLá Carl!!
Esse livro parece ser muito pesado e instigante, e adoraria ter a oportunidade de ler!!!
Adorei a resenha, fiquei chocado com a Merry, como uma mão pode maltratar um filho e não amá-lo da maneira que ele merece, afinal ele não pediu para nascer!!
Fiquei muito curiosa em conhecer os detalhes das punições que foi dada a eles!!
Quero muito ler!!
Marque para ler um dia, vai gostar. Apesar que nem sempre o culpados são punidos… ou são de uma forma bem diferente…
:0
Livro adicionado em minha wishlist com sucesso! : )
Ultimamente tenho entrado no Reino dos thriller e devo admitir, está se tornando um dos meus gêneros literários favoritos. Estou completamente atordoado com tudo que li nesta resenha, sem sombra de dúvidas este livro mostra um pouco do que a há de mais sombrio no ser humano, toda essa tramada de verdades e mentiras, vinganças e traições vai se tornando um emaranhado que terei o prazer de destrinçar e entender como ele foi construído.
A propósito, a resenha está fantásticas! Uma das mais completas que já vi sobre esse livro! <3
Obrigado! Também gosto muito de thrillers.
Esse livro parece ser muito interessante… É um dos lançamentos da Intrínseca e gostei muito da tua resenha….Depois de ler a tua resenha, já estar na minha lista de desejáveis.
Que bom, espero que leia 😉
Quero muito ler 🙂
Parece ser uma leitura bastante pesado, no entanto, como você falou, é uma leitura que deixa o leitor pensativo. As vezes precisamos ter experiencias como essa leitura para compreender melhor o mundo a nossa, além de nos deixar com um olhar mais crítico. É ficção, porém não tenho duvidas de que retrata acontecimentos diários da nossa realidade.
Retrata sim, ainda mais hoje em dia, que estamos rodeados de pessoas doentes…
Já fiquei interessada em ler essa drama,pois os suspenses psicológicos sempre mexem com quem os lê, pois podemos tirar muito do jeito que os personagens agem e pensam, já que se assemelha muito com a nossa personalidade,todos temos um lado bom e um ruim!!
Isso é um fato, ningúem é 100% bom!
Minha nossa mais um livro para a lista, quando você mencionou que era um livro especialmente de vilões me senti obrigado obrigado ler.
Leia mesmo 😉
Os personagens são bem cruéis!! Como você falou, o único inocente é o bebê e o que mais sofre com o descontamento dos pais, principalmente a mãe!!
Verdade!
Gosto de suspense e mistério. Tenho certeza de que vou amar ler esse livro.
Participando.
suquinha@gmail.com
Pensa em um livro que eu fiquei confusa nas emoções :0
Eu comecei lendo a resenha achando parecido com Precisamos falar sobre Kevin, aí depois eu já tava fazendo comparações filosóficas sobre como a gente se porta em sociedade e quem é ou não real.
Parece intenso.
Muito intenso, leia que vai ver 😉
É disso que eu gosto, livros diferentes, com acontecimentos que saem do que costumamos ver, sem final feliz, sem clichê de felizes para sempre… só a realidade crua e fria… Nem sempre a justiça acontece, nem sempre o vilão é preso e a “mocinha” vive feliz para sempre…
Participando na esperança de ganhar esse livro… Muito me chamou atenção essa trama <3
Se ganhar, vai ver como é forte!
Oiie! só de ler a resenha fiquei arrepiada com a proposta do livro, bem diferente de tudo que eu já li. A cada linha lida eu ficava mais curiosa e animada para ler mais e mais, a autora foi muito criativa e despertou meu interesse, estou louca para ler.
Oi, Carl
Li algumas resenhas sobre o livro. Mas a sua resenha sanou umas dúvidas que eu tinha sobre o livro e me fez ver de outra forma.
Mesmo sendo tenso e que trás uma carga imensurável, ainda é uma leitura que quero fazer quando for possível.
Viver mentindo, temos muitos exemplos nos dias atuais. Fiquei com dó de imaginar o sofrimento do bebê.
Beijos
Oxe, e como temos exemplos de mentirosos hoje em dia kkk
Gosto muito de enredos assim, e ainda não conhecia esse livro. Cada uma das personagens cria uma máscara para esconder seus próprios demônios. O coração desse ficar na mão porque tem uma criança em jogo no meio dessas pessoas que sabe-se lá Deus o que são capazes de fazer. Esses diálogos inseridos nos parágrafos de descrição acho um pouco incômodos, prefiro o tradicional, mas realmente nos habituamos. Dica anotada.
Participando
Que bom, boa sorte e não deixe de ler 🙂
Boa sorte!