Tessa vem de uma família conservadora e possui um namorado igualmente conservador. Habituada ao conforto de uma vida sem extremos, ela se sente perdida quando entra para a faculdade e precisa deixar esse mundo seguro no passado. Para aumentar o contraste, sua colega de quarto usa roupas despojadas e é uma assídua frequentadora de baladas. Tessa também conhece Hardin, dono de um comportamento agressivo, condizente com suas tatuagens espalhadas por todo o corpo. Depois de uma antipatia inicial, os dois começam a se envolver numa relação doentia e destrutiva.

Ler AFTER foi uma tarefa difícil. Ouvi falar dele através de uma amiga. Devido ao sucesso que alcançou no Wattpad, eu me rendi e comprei o livro. Afinal, precisava conhecer o que ele possuía de tão sensacional para colocar milhões de leituras no seu contador. O que encontrei me espantou.

Primeiro, acho importante destacar que AFTER , independentemente do quanto já tenha vendido, é uma fanfic; a história foi construída como uma fanfic; usa os cantores do One Direction como personagens, apenas mudando um pouco seus nomes; os capítulos são curtos, característica própria dos livros do Wattpad; e foi desenvolvida mediante as respostas que os leitores passavam para a autora. Assim, não foi uma criação normal de um livro, mas sim uma criação sob a demanda do desejo dos leitores. Quando se escreve algo nessas condições, você pode acabar perdendo do foco, o desenvolvimento emocional e as características psicológicas de seus personagens. Você cai na armadilha de criar situações que mantenham os leitores on-line e deixa todo o resto para trás. Eu não sei se foi realmente isso que aconteceu, mas foi a justificativa crível que encontrei para a total falta de conteúdo e de responsabilidade de AFTER.

Apesar de Tessa ter 18 anos, ela é totalmente reprimida sexual e sentimentalmente. Ela possui a forma de pensar de que o sexo só é válido após o casamento, mesmo não sendo religiosa. Não há uma explicação para isso. Ela simplesmente é assim. E isso é refletido em Noah, seu namorado. Ele é apresentado como alguém sem cor, sabor ou odor. Não existe no personagem qualquer característica que o diferencie de um boneco de plástico de cabelos loiros e olhos azuis. Assim, Tessa e Noah fazem um par perfeito.

Hardin é um cara que é o oposto de tudo o que Tessa preserva. Ele é grosseiro, tatuado, usa piercing e é mulherengo. Ele tem todas as características típicas de um bad boy, inclusive o segredo de algo traumático que aconteceu no passado e que é tão profundo psicologicamente que o faz ter pesadelos todas as noites. Apesar disso, nada do que é contato em seu passado justifica um trauma. E nem os comportamentos bipolares que ele apresenta durante a história. Não existe absolutamente nada em seu passado que justifique seu comportamento. E ao contrário de sentir repulsa por ele, Tessa se sente atraída de imediato.

Os personagens de AFTER são unidimensionais e são os extremos de suas imperfeições. Apesar de Hardin avisar Tessa, enfaticamente, de que não namora e de que gosta de ficar com uma garota diferente a cada semana, ela fica na expectativa de ser sua namorada a cada demonstração de interesse dele. E apesar de Hardin não hesitar em transar com uma garota, ele se controla e se satisfaz com Tessa apenas com mutua masturbação. Como descrever dois personagens que não possuem qualquer traço de personalidade ou coerência entre o que pensam, dizem e fazem? Não há evolução de maturidade. Não existem características que prendam o leitor através de alguma identificação.

AFTER possui um ciclo de um mesmo acontecimento. Tessa tenta conquistar Hardin; Hardin fala alguma grosseria ou faz algo rude; Tessa chora, se recrimina por acreditar nele e promete deixá-lo para trás; Hardin pede desculpas; Tessa, baseada apenas nos olhos verdes dele e no quanto o acha bonito, acredita e aceita as desculpas; um masturba o outro; Hardin solta outra grosseria, e todo o ciclo se repete. E repete. E repete. E repete por todas as 520 páginas do livro. Se você ler os cinco capítulos iniciais e os cinco finais, fica com toda a história de AFTER. O que existe no meio, é apenas a repetição de uma mesma situação.

Baseado nisso, a história costuma ser vendida como um exemplo de relacionamento abusivo. Não é verdade. Não existem alertas ou qualquer aprendizado para repassar a quem vive situações de abuso. Hardin não é controlador. Na maior parte do tempo, ele não se importa com Tessa. Ele não força qualquer relação íntima. Ele não é agressivo. Ele não diminui as qualidades de Tessa. Ele não repassa a culpa de algo para Tessa. Ele alerta para que Tessa se afaste. O personagem é construído como um predador, cuja presa deseja ser morta, sem qualquer motivo lógico para isso. Sim, porque em todas as brigas, Tessa nunca é impedida de ir embora, e ela vai, mas para retornar assim que tem uma chance. Ela chora, ela grita, mas ela repete sempre as mesmas coisas.

A personagem é construída sem qualquer grau de amor próprio, sem qualquer orgulho, sem qualquer sentido de preservação. Tessa foi construída pela autora como uma boneca a ser usada. A história não é sobre um relacionamento abusivo, mas sobre dois personagens terrivelmente mal construídos, que existem apenas para saciar o desejo dos leitores por brigas e sexo. O problema disso, é que passa uma mensagem tóxica para quem realmente vive por uma situação de abuso. Serve de gatilho e ofende quem sofre, quem não possui forças ou condições de se libertar de um abusador.

Mas aí você me pergunta: por que tanto sucesso no Wattpad? A explicação talvez seja a mesma que justifica o fascínio por Big Brother ou qualquer outro programa desse tipo: acompanhar a briga e o sexo de dois personagens sem precisar saber seu passado ou seu futuro. O que importa é que brigas aconteçam e que ao fim delas o casal transe. AFTER agrada mediante esse objetivo. E apenas nele.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Anna TODD é uma escritora norte-americana de 27 anos que vive em Los Angeles, com seu marido Jordan, quem ela atingiu à metade das estatísticas casando-se um mês depois de se formar no ensino médio. Entre os três turnos de seu marido no Iraque, ela trabalhou em lojas de maquiagem e na receita federal americana. Anna sempre foi uma ávida leitora e muito apaixonada por boybands, agora, ela encontrou uma maneira de combinar tudo isso e viver o sonho de sua vida que se tornou realidade
TRADUÇÃO: Alexandre BOIDE e Carolina Caires COELHO
EDITORA: Paralela
PUBLICAÇÃO: 2014
PÁGINAS: 528


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