O romance do sueco Frederick Backman é singular na sua construção. Embora não seja narrado em primeira pessoa, quem conta a história parece ser uma criança. E não é a personagem principal, Elsa, uma garotinha de sete anos de idade. Mas poderia ser. Outra singularidade é a forma como as informações sobre a maioria dos personagens, e da vida pregressa destes, são transmitidas ao leitor. Isso é feito através de trechos de fantasias que a avó de Elsa contava para ela. Assim, cabe ao leitor conseguir identificar qual personagem se encaixa nessas histórias. E quando você consegue, são descobertas que emocionam profundamente. E uma outra singularidade é a nomeação dos personagens, onde os mais importantes não são chamados pelos nomes, mas por suas características únicas diante dos olhos de Elsa. Pai, mãe, Monstro, Nosso Amigo, Mulher da Saia Preta, Olhos Verdes, Menino com Síndrome… e, mesmo que você não acredito, isso faz muito, muito sentido dentro do contexto da história. Aliás, singular é a palavra que define MINHA AVÓ PEDE DESCULPAS.

Elsa é uma menina muito inteligente, atrevida, curiosa, corajosa, independente, singular. Ela tem uma relação aberta com sua avó de 87 anos de idade, uma mulher que passou a vida viajando e ajudando pessoas, mas, por causa disso, se afastou da família. Ela é uma mulher singular. As duas vivem implicando uma com a outra, mas não se separam. Elas se tratam como iguais, apesar das sete décadas de diferença, e não economizam palavras nas discussões. A avó conta para Elsa histórias fantásticas de um reino cheio de aventuras mágicas e personagens incríveis. Mas a avó fica doente e falece. Mas antes, deixa para Elsa uma caça ao tesouro: a menina precisa encontrar algumas cartas e entregá-las a seus donos. Nessas cartas, a avó pede desculpas ao destinatário. Então, Elsa, com a ajuda de um Monstro e de um wurse, começa sua própria aventura, enquanto descobre que as histórias que a avó contava, na verdade, eram reais, muito reais.

Quase todos os personagens de MINHA AVÓ PEDE DESCULPAS, vivem no mesmo local, um pequeno prédio de apartamentos. Britt-Marie e Kent, um casal que parece perfeito; Lennart e Maud, que abrigam uma criança com síndrome e a mãe dela; o Monstro, um homem enorme, barbudo, que possui uma cicatriz no rosto e nunca conversa; Nosso Amigo, ou wurse (criatura das fantasias da avó de Elsa), um cachorro preto maior que Elsa; Alf, um taxista que é irmão de Kent; Elsa, sua mãe e George, seu padrasto. Mas existem alguns outros também importantes, como a mulher da saia preta, que tem alguma ligação com o Monstro, e a policial de olhos verdes. Também tem Sam, um homem terrível, de quem não posso falar. Todos eles possuem um passado com a avó de Elsa. Todos eles estão ligados de uma forma singular.

O policial olha para elas como se olha para uma criança de sete anos e uma senhora de setenta e sete que começam a discutir em uma língua secreta numa delegacia no meio da noite. Então vovó pisca um pouquinho sedutora para ele e implorando aponta de novo para o cigarro, mas, quando ele sacode a cabeça, vovó se inclina ofendida para trás na cadeira e vocifera na língua do dia a dia

A mensagem que a obra de Backman entrega é bastante simples, acho que todos nós temos conhecimento dela, mas não damos a devida importância. Todos nós somos seres complexos, imperfeitos, cheios de traumas, de frustrações, de pendências no relacionamento com outras pessoas. Pendências essas que não temos coragem de resolver, que vamos empurrando como uma bola de neve, que só vai crescendo com o tempo, até que nos tornamos amargurados, distantes, da mesma forma que nossos relacionamentos.

Assim é com Britt-Marie, Kent e Alf. Britt-Marie é uma mulher que parece não se importar com ninguém, que parece que só gosta de implicar com todos, que vive cheia de regras. Mas pode ser que ela seja diferente, pode ser que ela só queira um pouco de algo que ninguém lhe dá. Algo que ela pode já ter tido com Alf, algo que ela acha que tem com Kent, algo que os outros moradores do prédio não conseguem ver, por causa da camada de antipatia em que Britt-Marie se esconde. Ela é uma mulher singular, que tem sua chance ao receber a carta da avó de Elsa.

Lennart e Maud é um casal que cuida de um menino diferente e a mãe deste. Esse cuidado faz deles um casal singular, e Elsa, através da carta que entrega para eles, descobre que o sacrifício que eles fazem não é apenas sobre cuidar, mas muito mais extenso, que envolve fugas, maus tratos, quase morte e um perigo que continua presente, rondando o prédio.

Monstro é completamente singular. Sua aparência, seu tamanho, assusta qualquer um. Mas isso é quebrado quando Elsa entrega a carta que sua avó deixou para ele. Ela descobre que Monstro não assusta ninguém. Ela descobre que a avó deixou uma tarefa específica para ele: proteger Elsa. Mas proteger do quê? Proteger de quem?

Nosso Amigo, ou o wurse, apesar de ser um cachorro preto gigante, torna-se o amigo inseparável de Elsa. Ele a acompanha a todos os lugares, mesmo que precise ficar escondido no porão do prédio. O relacionamento que se constrói entre Elsa, o cachorro e o Monstro é singular. Três criaturas totalmente diferentes, desproporcionais no tamanho, mas que se completam de uma forma que deixará você emocionado a ponto de chorar em várias partes.

Todos esses personagens, e suas histórias, convergem para um único lugar. Todos eles ligados pela avó de Elsa. Todos eles com motivos para receberem as desculpas da avó de Elsa. E quando você começa a ligar os pontos, quando você descobre sobre o que a avó pede desculpas, qual a importância de Elsa em tudo isso, qual o perigo que ela corre, quem é o inimigo, aí você percebe como este livro é singular, único, triste e alegre ao mesmo tempo.

Porque ninguém se aborrece se a gente não diz nada. Toda criança de quase oito anos sabe disso

MINHA AVÓ PEDE DESCULPAS é uma história sobre abnegação, sobre perdão, sobre superação, sobre vingança, sobre violência, sobre traumas, sobre compaixão. Personagens únicos, perfeitos na sua imperfeição, é uma leitura emocionante, imprescindível, que deixará você com lágrimas ao término, mas com um sorriso que perdurará por muito tempo. Não deixe essa obra escapar da sua estante.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Fredrik BACKMAN é jornalista e escritor. Nasceu em 1981, na cidade de Estocolmo, Suécia. Um homem chamado Ove, seu primeiro romance, se tornou um best-seller com mais de 650 mil exemplares vendidos no mundo
TRADUÇÃO: Paulo Chagas de SOUZA
EDITORA: Fábrica231
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 384


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