Recebi “A Glória e seu cortejo de horrores” do Carlos em fevereiro. Não me perguntem o dia exato em que o pacote chegou, porque sinceramente me poupei desse detalhe. Não é vergonha, é mais um tipo de auto-pseudo-preservação. Veja bem, por algum motivo, antes de iniciar o livro, eu já sabia que a leitura se estenderia por um tempo (olha eu aqui, 24 de maio, escrevendo finalmente esta resenha).

Dizer que nunca demorei tanto para ler um livro seria uma mentira (eu sou boa em demorar, inclusive com certo orgulho). Tenho esse costume de ler vários ao mesmo tempo, mas ultimamente, confesso, nem isso. Desde que terminei “Um Toque de Escuridão” (o livro, não a metáfora existencial), meu ritmo está estranho. Culpa do livro? Talvez. Mas não estamos aqui para falar dele, estamos? O foco é “A Glória e seu cortejo de horrores” , da Fernanda Torres.

E que belíssimo timing o meu, não é mesmo?! Desculpa, Companhia das Letras — sei que vocês enviaram o livro com toda a boa intenção, divulgá-lo, valorizar a literatura brasileira, essas coisas aí. E talvez seja justamente por isso que… pera, acho que preciso começar essa explicação de outro jeito. Eu escrevi essa resenha nos últimos meses, mais de cinquenta vezes.

Todas, é claro, dentro da minha cabeça. Em momentos aleatórios, durante dias seguidos, eu pensava exatamente como colocaria em palavras o que senti lendo este livro, mas nunca realmente conseguia fazer isso sair do pensamento para a página. Pelo menos não até agora. E aqui vem uma grande questão (pelo menos para mim): normalmente, a ideia de não conseguir transformar tudo o que penso em palavras não me assusta. Já assustou, admito, mas hoje não mais. Eu entendi que nossa mente sempre será mais rica em detalhes do que o pobre filtro entre o cérebro e o momento exato em que as mãos começam a digitar. E tudo bem. Por isso passei tantos dias pensando no que dizer, sem dizer.

Primeiro, porque foi complicado terminar a leitura. Não foi porque me senti pressionada a dizer coisas bonitas só porque é uma obra da Fernanda Torres, cuja carreira como atriz é espetacular. É que, como uma pessoa ansiosa de carteirinha, eu sofri por antecipação. Só de imaginar o que eu precisaria escrever, eu me desfalecia e, claro, acabava não terminando o livro. Não que eu tenha tentado tanto assim, sejamos honestos.

Eu carreguei o livro para tudo quanto é lugar, para o Rio de Janeiro quando viajei, para o trabalho, para a sala de espera do reumatologista, sempre pensando “vai que sobra um tempinho, eu leio”. Mas nunca conseguia. Toda vez que começava, parava. E quer saber? Tudo bem. Porque eu já não enxergo minha relação com os livros como algo tão cobrador, tão tóxico, como vejo muita gente tratando por aí. Não estou dizendo que não me cobro para ler. Só não tenho lido muitos livros ultimamente. Chamariam isso de ressaca literária, certo? Mas, sinceramente, acho que é mais do que isso. Confesso que estou num momento em que é difícil me concentrar. Nada me parece interessante o suficiente. O curioso é que, na semana passada, eu li três artigos sobre análise semiótica de imagens (o que, sim, conta como leitura, vamos combinar). Mas sinto falta de não sobrecarregar meu cérebro apenas com conteúdos acadêmicos. Sinto falta do respiro literário, mesmo que ele venha a passos lentos, atravessando meses.

Então, sobre a obra. Antes de falar sobre o conteúdo, vamos aos aspectos gerais: o livro tem 211 páginas divididas em duas partes, folhas amareladas, fonte confortável e capa mole.

Sobre a escrita… ah, a escrita. A Fernanda escreve exatamente como eu imaginava, uma coisa sofisticada, cheia de referências culturais, irônica, lírica. Ela é aquele tipo de intelectual brasileiro que não está tentando provar nada para ninguém porque já domina tudo, o que, claro, pode soar pretensioso, mas também irresistível.

Na trama, acompanhamos Mario Cardoso, um ex-galã de novela. Eu até pensei em citar o Rafael Cardoso como exemplo, mas, o nosso detestável personagem já está na casa dos sessenta.

Então, acompanhamos um ator interpretando um ator que encara a sua própria ruína, o tal do metateatro. Mario narra em primeira pessoa (e com uma generosidade absurda no uso de adjetivos), o que torna a leitura um pouco claustrofóbica, porque ele é, digamos, pouco simpático. Ele reclama. Muito. Do diretor, dos figurinos, dos colegas, do mundo. É quase um reality show da autocomiseração. Sério. E não, essa impressão ruim sobre Mario não é só eu sendo implicante. Ele próprio tem uma percepção péssima de si mesmo.

E a Fernanda sabe exatamente o que está fazendo. Ela expõe o ego masculino artístico sem dó. E o mais interessante, creio eu, é que nada parece exagero.

Esse foi meu primeiro contato com a escrita da nossa Pikachu, e sabendo que este foi seu terceiro livro (depois de Fim em 2013 e Sete anos: crônicas em 2014), não me surpreende o domínio que ela demonstra ao trabalhar a linguagem literária. Fernanda tem propriedade no assunto, afinal, cresceu, como contou tantas vezes em entrevistas, dentro do teatro. Não por acaso, dedica o livro a Fernanda Montenegro: “a quem devo a vida, a coxia e o título”.

Sendo bem sincera, eu já não sei muito bem o que dizer. Acho que o livro ganha fôlego quando entra na segunda parte, justamente porque, finalmente, eu não estou mais presa dentro da cabeça do Mario. Não posso dizer que desgostei da leitura, mas também não posso afirmar que gostei de verdade. Acho que é isso.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Fernanda Torres
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 216
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