
Com mais de um milhão de leitores e oitocentas reimpressões só no Brasil, “Os Meninos da Rua Paulo” é o clássico por excelência; pelo caráter universal e pela alta qualidade literária, mantém-se capaz de atingir um vasto público ao longo de décadas.
A história dos garotos que defendem o “sagrado grund”, um pedaço de terra que serve de palco para as brincadeiras, projetou o húngaro Ferenc Molnár na literatura mundial, tornou-se um best-seller e inspirou cineastas por todo o mundo – das adaptações para o cinema, a mais conhecida é de Zóltan Fábri (1969).
Está para nascer uma geração que não se identifique com o espírito de amizade e união presente no livro. Os garotos da Sociedade do Betume tinham duas importantes tarefas: manter o betume – símbolo da sociedade – sempre molhado, por meio da mastigação, e defender o grund, quartel general onde jogavam péla. Eis que os camisas-vermelhas, desterrados e, conseqüentemente, impedidos de jogar péla, declaram guerra à Sociedade e decidem tomar-lhe o grund. Do líder Boka ao soldado raso Nemcsek, a Sociedade do Betume se organiza para a grande batalha de Budapeste do começo do século. O que era brincadeira de criança transformou-se num belo retrato da infância
O ponto central de “Os Meninos da Rua Paulo” é o significado da honra na vida de duas gangues de crianças que se enfrentam em uma disputa por um terreno onde podem brincar e jogar bola. À primeira vista, pode parecer apenas uma história juvenil e despretensiosa, mas, ao chegar à última página das 250 que compõem a obra do húngaro Ferenc Molnár, entendemos que a honra não é algo simples. Ela surge de um conjunto de valores e atitudes que poucos são capazes de ter ou sustentar. E então, sentimos um aperto no peito, um choque de realidade que nos atinge profundamente.
A honra é moldada pelo caráter de cada pessoa e começa a ser construída no momento em que tomamos consciência de nossos próprios atos. Ao ambientar a história na infância, o autor retrata, de forma sensível e envolvente, a convivência de um grupo de garotos que adotou como seu o terreno de uma carpintaria na Rua Paulo, transformando-o em um espaço de lazer e pertencimento.
Essas crianças organizam suas brincadeiras como se fossem um exército. Criam regras rígidas, se dividem em patentes como generais, capitães e soldados, e respeitam a hierarquia que estabeleceram. Mas, apesar dessa estrutura disciplinada, ainda há a ingenuidade da infância. Essa mistura entre o sério e o lúdico torna a leitura envolvente e surpreendente.
Acompanhamos de perto a trajetória de três personagens principais: Boka, o líder respeitado do grupo; Nemecsek, o único soldado raso, pequeno e subestimado; e Geréb, que trai seus amigos ao se juntar à gangue rival. Através das escolhas que cada um faz e das consequências que enfrentam, descobrimos o verdadeiro significado de amizade, coragem, lealdade, sacrifício, arrependimento e perdão.
“Os Meninos da Rua Paulo” vai muito além de uma história com uma simples lição de moral. Ele nos apresenta um retrato profundo do comportamento humano, especialmente na infância, quando ainda não fomos tomados pela maldade ou pela corrupção que muitas vezes surgem na vida adulta.
Boka é o herói da história. Ele carrega a responsabilidade de seus companheiros, pensa estrategicamente, sabe estabelecer prioridades e toma as decisões mais justas.
Geréb representa a fraqueza humana. Ele cede às próprias ambições, escolhe o caminho que parece mais vantajoso para si. Mas também mostra que há espaço para reconhecer um erro, pedir perdão e tentar compensar o mal que causou.
E Nemecsek… Nemecsek é diferente. Ele é cada um de nós. Ele simboliza aqueles que lutam, que sonham, que se sacrificam por algo maior, mesmo quando isso exige mais do que podem suportar. Ele é a coragem pura, aquela que coloca o bem dos outros acima do próprio bem-estar. Seu destino nos marca de uma forma intensa, impossível de ignorar.
No momento final, é Boka quem carrega o peso da história. Ele se torna os olhos do leitor, nosso coração na última cena. É por meio dele que enxergamos as consequências de pequenas ações movidas pela honra. É através de Boka que vemos um pai continuar seu trabalho diante da indiferença do mundo, mesmo com a dor mais profunda ao seu lado. É através dele que sentimos o último suspiro de uma alma inocente que deu tudo o que tinha, mas não teve tempo de ver o que conquistou.
Na última página, no último parágrafo, nos damos conta de que, por mais nobres que sejam nossas ações, elas nem sempre mudam o rumo inevitável da vida. E é nesse momento que choramos.
“Os Meninos da Rua Paulo” é uma leitura essencial, um livro que emociona e transforma. Mais do que apenas ser lido, ele precisa ser compartilhado, especialmente com aqueles que ainda não compreenderam o verdadeiro significado de lealdade e honra.
AVALIAÇÃO:
AUTOR: Ferenc Molnár TRADUÇÃO: Paulo Rónai EDITORA: Companhia das Letras PUBLICAÇÃO: 2017 PÁGINAS: 272 COMPRE: Amazon |