Na Itália renascentista, Bianca, uma jovem de boa família, está em idade de se casar. Seus pais lhe encontram então um noivo do seu próprio agrado: Giovanni, um jovem, simpático e rico comerciante. O casamento parece auspicioso, embora Bianca não consiga esconder sua frustração por ter de se casar com um homem que não conhece.

Mas isso foi antes de ela descobrir o segredo guardado e legado, por gerações, pelas mulheres de sua família: uma “pele de homem”! Ao vesti-la, Bianca se torna Lorenzo, e passa a desfrutar de todos os atributos de um jovem incrivelmente belo. Ela agora pode visitar o mundo dos homens disfarçada e conhecer seu noivo em seu hábitat natural. Mas em sua pele masculina, Bianca rompe os limites impostos às mulheres e descobre o amor e a sexualidade.

Para entender PELE DE HOMEM direito, ajuda saber um pouco sobre como era a vida na Itália uns séculos atrás, durante a Renascença. Essa época foi entre 1300 e 1600 mais ou menos e foi importante, porque muita coisa que a gente valoriza em cultura e arte começou ali. Cidades como Florença, Veneza e Roma eram centros de ideias novas e gente criativa. Foi lá que artistas famosos como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael e Botticelli apareceram, fazendo um monte de obra de arte incrível que a gente ainda admira hoje. Eles não só pintaram e esculpiram coisas lindas, mas também mudaram a maneira como a arte era feita. Nesse tempo, as pessoas começaram a pensar mais no valor e na dignidade de cada pessoa, e isso refletiu em tudo: nos livros, na arte, na maneira de pensar o mundo. Essa onda de valorizar o ser humano ficou conhecida como humanismo.

Naquela época, a Itália não era um país só, mas um conjunto de cidades que se governavam sozinhas, como Florença, Veneza e Milão. Cada uma tinha seu jeito próprio de fazer as coisas e muitas vezes era uma família com bastante dinheiro e poder que mandava. Essas cidades muitas vezes brigavam entre si por poder ou território, mas todas elas eram lugares onde o comércio dava dinheiro e movimentava a economia. Com essa grana, eles apoiavam os artistas e construíam prédios e igrejas bonitões que até hoje a gente para pra olhar.

Na Renascença italiana, a religião, especialmente o Catolicismo, era muito importante no dia a dia das pessoas. Ela influenciava desde a arte até como as cidades eram governadas e como as crianças aprendiam na escola. As igrejas tinham muito dinheiro e poder, e muitas vezes usavam isso para ajudar artistas a criar obras de arte que todo mundo podia ver e admirar. Mas nem tudo era tranquilo, havia muitas discussões sobre a religião e algumas pessoas queriam mudanças. Além disso, algumas vezes as pessoas exageravam na paixão pela sua fé e isso podia levar a atitudes extremas, como tratar mal ou até perseguir quem pensava diferente, como outros grupos religiosos. A Inquisição, por exemplo, era uma forma organizada de tentar controlar as crenças das pessoas e punir quem não seguia as regras da igreja.

A vida das mulheres dependia muito de onde elas vinham e da família delas, mas em geral, era uma sociedade que dava mais valor ao que os homens diziam e faziam. As mulheres eram mais reconhecidas como filhas, esposas e mães do que qualquer outra coisa. Elas quase não tinham voz nas decisões importantes e ficavam de fora dos lugares onde as pessoas aprendiam coisas como política e ciência. A maioria só aprendia o básico para cuidar da casa e da família. Se uma mulher viesse de uma família com mais dinheiro, às vezes ela aprendia sobre arte ou música, mas mesmo assim, ela não tinha muita liberdade para fazer o que quisesse ou ir aonde quisesse.

Casar era mais um jeito de as famílias ficarem mais fortes juntas, misturando seu dinheiro e poder. Não era tanto sobre amor. Geralmente, as mulheres se casavam bem jovens e se esperava que elas tivessem filhos e cuidassem da casa. Era muito importante que elas fossem fiéis e vivessem de um jeito que a sociedade achava certo, mas essa regra nem sempre valia para os homens. As mulheres não tinham muitos direitos: não podiam escolher os governantes votando, não podiam ser eleitas para cargos importantes e, na maioria das vezes, não podiam ter coisas no nome delas se não fosse por meio do pai ou marido. A igreja era um dos poucos lugares onde uma mulher podia chegar a ter um cargo de respeito, como se ela se tornasse freira, por exemplo.

Naquela época, como as pessoas viam a homossexualidade era bem complicado, porque se misturava com as crenças religiosas, as regras da sociedade e a cultura. Mesmo com toda a criatividade e as novas ideias de arte que surgiram na Renascença, não era fácil ser homossexual. Às vezes, o jeito que as pessoas reagiam podia ser confuso: algumas eram mais aceitáveis, enquanto outras não aceitavam de jeito nenhum. Nos livros e nas pinturas, dava para ver histórias e imagens de amor entre pessoas do mesmo sexo, e em alguns momentos, essas histórias e imagens eram até mais aceitas do que em outras épocas. E na arte, a admiração pelo corpo dos homens era bem comum e fazia parte de muitos trabalhos famosos.

Mesmo que artistas e pensadores algumas vezes fossem mais abertos a diferentes jeitos de viver e amar, a maior parte da sociedade e a Igreja não aceitavam a homossexualidade. Era contra a lei e a igreja dizia que era errado, e as punições para quem era pego podiam ser muito duras, até mesmo a morte. A Igreja tinha muito poder e dizia que gostar de alguém do mesmo sexo ia contra as regras de Deus. Mas mesmo com todas essas regras duras, a gente sabe que tinha padres e outros líderes religiosos que tinham relações com pessoas do mesmo sexo.

De uma cidade para outra na Itália Renascentista, as regras sobre o que podia ou não podia variavam bastante. Mas, em muitos lugares, havia leis duras contra relações entre pessoas do mesmo sexo, com punições que iam de pagar multa, ser mandado embora da cidade, até a pena de morte. Em cidades como Florença, por exemplo, eles levavam isso a sério e tinham até departamentos do governo só para lidar com esses casos. Mesmo com todo esse perigo, tinha gente que vivia sua vida e amava quem queria, mas faziam isso escondido para não ter problemas. As maneiras como as pessoas viviam o amor e a amizade eram bem diferentes, indo de uma paixão que não passava de olhares e conversas até relações amorosas de fato, o que mostra que, mesmo com as leis, as pessoas são diversas e cada uma vive de um jeito único.

Agora que já falamos sobre o passado, fica mais fácil entender a história de PELE DE HOMEM. O quadrinho conta a vida de Bianca, uma mulher prestes a se casar. Tudo muda para ela quando sua tia lhe dá uma pele mágica que a transforma em homem. Bianca não só parece um homem por fora, mas também sente tudo o que um homem sentiria, inclusive ereção, experienciando coisas novas para ela. Estar acostumada com restrições e limitações, de repente, ela se vê explorando a liberdade. Ela pode andar pelas ruas sem medo, entrar em lugares onde só homens podem ir, como bares, e ver como é a vida dos homens quando estão só entre eles, longe das mulheres. Bianca, então, começa a entender um mundo totalmente diferente do seu.

Bianca, prestes a se casar, se vê numa situação difícil porque não conhece bem seu noivo, Giovanni. Para resolver isso, ela usa uma pele mágica que a transforma em um homem e assume o nome de Lorenzo. Disfarçada assim, ela pode se aproximar de Giovanni sem levantar suspeitas, pois uma mulher não poderia ter esse tipo de contato antes do casamento sem causar um escândalo. Como Lorenzo, Bianca consegue entrar no mundo dos homens, um lugar cheio de liberdades que ela nunca teve. Giovanni, pensando que Lorenzo é realmente um homem, fica amigo dele e o introduz nos círculos sociais masculinos. Enquanto Bianca, ainda como Lorenzo, conhece melhor Giovanni, ela acaba se apaixonando por ele. Mas as coisas se complicam porque Giovanni também começa a gostar de Lorenzo, não sabendo que é Bianca disfarçada.

Os homens, quando em grupo e em locais apenas frequentados por eles, dispunham de total liberdade sem preconceito, inclusive de se relacionar com outros homens sexualmente. Vestida de Lorenzo, Bianca experimenta todos os prazeres do sexo com Giovanni, mas não apenas isso, ela experimenta algo mais enibriante, o prazer de poder dizer e fazer qualquer coisa sem que a recriminem. Mas essa relação com Giovanni traz consequências, uma vez que após o casamento, ele permanece apaixonado por Lorenzo, e Bianca se vê no dilema de revelar a verdade ou viver sem amor.

PELE DE HOMEM demonstra como as pessoas e seus comportamentos são complexos. Este quadrinho questiona regras de gênero e os papeis que a sociedade espera que cada um desempenhe, trazendo um olhar crítico que nos faz pensar sobre problemas atuais também. A história de Bianca se transformando em Lorenzo nos faz ver como a sociedade pode limitar quem somos e como nos expressamos. O livro aponta o dedo para as regras sociais duras e injustas, explicando como elas podem segurar as pessoas e criar desigualdades. Além disso, ele mergulha nas diferentes formas do amor, seja o romântico, o desejo ou a amizade, e como tudo isso é moldado pela nossa identidade e pelo que os outros esperam de nós.

PELE DE HOMEM toca em como a religião afeta a sociedade, mostrando a falsidade dentro da Igreja. Na história, o irmão de Bianca usa a religião para apoiar ações ruins, como oprimir pessoas ou agir de forma corrupta, principalmente sobre temas como moral e pureza. O livro mostra como ele convence pessoas mais tradicionais a seguir suas ideias, levando-as a atacar a arte e perseguir quem se comporta de maneira livre, criando um clima de medo e acusação, só para provar que suas crenças distorcidas estão certas.

Bianca é uma personagem especial. Ela é inteligente e tem um forte senso de justiça. Ao se disfarçar de homem, ganha a vantagem de ser tratada com mais respeito, como os homens são naquela época. Ela usa isso para enfrentar o irmão, que não sabe que Lorenzo, na verdade, é Bianca. Suas ações inspiram outros a se juntarem a ela, mostrando que as pessoas podem se unir e lutar juntas quando percebem a importância da liberdade.

A arte do quadrinho usa poucas cores, principalmente tons suaves e que lembram a terra, dando a impressão de ser algo antigo, como se estivesse usando tintas daqueles tempos passados. As cores são bem uniformes, sem muita mudança ou efeito de sombra, o que faz com que as imagens pareçam mais simples e diretas, ajudando a gente a focar no que está acontecendo e no que a história quer contar. Os desenhos têm linhas bem feitas e claras, meio parecidas com desenhos animados, o que dá um toque especial e faz com que seja fácil entender e sentir o que está sendo mostrado. O artista parece ter escolhido fazer os desenhos de um jeito mais simples de propósito, para que seja fácil de ver e entender tudo.

Os rostos dos personagens são feitos de forma bem simples, mas mesmo assim mostram claramente o que estão sentindo. Eles têm traços fortes e não muitos detalhes, como narizes grandes ou olhos bem desenhados, mas é fácil entender suas emoções. Isso faz com que a gente consiga perceber rápido o que eles estão passando, mesmo que os desenhos não sejam super realistas. Os desenhos também usam linhas que parecem mostrar movimento e as poses dos personagens ajudam a contar a história, mostrando se estão fazendo alguma ação ou interagindo com alguém. Detalhes como como as roupas amassadas ou como eles mexem os braços e as pernas dão a impressão de que estão se mexendo de verdade, fazendo as cenas parecerem mais vivas e cheias de ação.

Na história, quando aparece nudez, ela é mostrada de um jeito simples e sem muitos detalhes. Os desenhos dos corpos são feitos com linhas retas e não mostram tudo, para não chamar atenção de mais ou causar impacto. Essa forma de desenhar faz com que a nudez pareça normal e parte da história, sem querer chocar ou provocar quem está lendo. Os corpos não têm muitos detalhes como músculos marcados ou sombras fortes, então não parecem reais ou tridimensionais. Isso ajuda a gente a focar mais no que está acontecendo na história do que em como os corpos estão mostrados.

PELE DE HOMEM é um quadrinho incrível e importante porque fala de temas complicados de um jeito cuidadoso e inventivo. A trama combina momentos divertidos, sérios e de amor, tornando a leitura muito envolvente. Ela nos faz refletir sobre nossa identidade, nossos sentimentos e o conceito de liberdade. Além disso, mostra como a nossa sociedade ainda carrega muitos dos preconceitos, crenças erradas e injustiças que existiam séculos atrás.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Hubert
ARTE: Zanzim
TRADUÇÃO: Renata Silveira
EDITORA: Nemo
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 160
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