Em um futuro totalitário e tecnologicamente avançado, onde a sociedade é estruturada com base em princípios de controle social, conformidade e prazer sensorial, onde a reprodução humana ocorre em laboratórios, e as pessoas são geneticamente condicionadas desde o nascimento para desempenhar papéis específicos na sociedade, Bernard Marx é um alfa de baixa estatura e não conformista que se sente deslocado.

Bernard se apaixona por Lenina Crowne, uma beta conformista, e os dois decidem fazer uma viagem para uma Reserva Selvagem, uma área não controlada pelo estado, onde as pessoas vivem de forma mais primitiva e natural. Na reserva, eles encontram um grupo de pessoas não condicionadas, incluindo John, “O Selvagem”, filho do diretor do Centro de Incubação e Condicionamento, que foi concebido de forma natural e não foi sujeito ao condicionamento do Estado. John cresce lendo obras literárias clássicas e filosofando sobre a natureza da liberdade e da individualidade. Ele é um estranho na Reserva Selvagem, pois não se encaixa completamente em nenhum dos dois mundos.

Bernard e Lenina decidem levar John de volta ao mundo civilizado, esperando que ele possa revelar as falhas do sistema. No entanto, a adaptação de John à sociedade altamente controlada é difícil, e ele se torna um ponto focal de curiosidade e exploração midiática. John, perturbado pela sociedade e suas próprias contradições, retorna ao mundo selvagem e se isola em uma cabana. Os membros da sociedade, que inicialmente se interessaram por ele, acabam se entediando e o tratam como uma atração de circo. John se sente alienado e, finalmente, resolve tomar uma atitude definitiva.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO é uma distopia que, como a maioria das obras que se seguiram, oferece uma visão sombria do futuro da humanidade. Publicado em 1932, o livro permanece como uma das melhores obras do gênero até hoje, se não a melhor. Huxley faz uma crítica à perda de individualidade, à busca insaciável pelo prazer e à desumanização que ocorrem em uma sociedade excessivamente tecnológica e controladora. Ele questiona a que custo a estabilidade e a felicidade são alcançadas quando se elimina a liberdade de escolha, a autenticidade e a diversidade humana.

No livro, as pessoas são programadas desde o nascimento para desempenhar funções específicas na sociedade, como se seguissem um roteiro pré-definido. A ideia de escolher seu próprio caminho praticamente não existe, pois tudo é controlado para manter a ordem social. As relações entre as pessoas tendem a ser superficiais e passageiras. Há um incentivo para que todos tenham vários parceiros, mas sem criar laços emocionais profundos. Desde cedo, a sociedade valoriza a conformidade e ensina a todos a aceitar as regras e autoridades sem questionamentos.

O livro critica essa correria louca atrás de prazeres rápidos e satisfações momentâneas, que é bem comum na nossa sociedade consumista. Aqui, as pessoas estão sempre querendo comprar mais coisas ou viver experiências rasas, esquecendo de procurar um sentido mais profundo na vida. Isso mostra o problema de uma sociedade que só pensa no agora: as relações verdadeiras e significativas acabam ficando em segundo plano. Além disso, tem essa preocupação com a maneira como as pessoas aceitam tudo que lhes é dito, sem questionar ou pensar por si mesmas. E ainda tem essa questão de todo mundo ter que se encaixar num mesmo padrão, deixando de lado a individualidade e a diversidade de pensamentos, tudo para manter uma suposta “estabilidade”.

Em ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, o hedonismo, ou seja, a busca pelo prazer, é uma peça-chave. No Estado Mundial, eles mantêm todo mundo na linha oferecendo um monte de distrações e prazeres. Inclusive, tem até uma droga especial que deixa a pessoa super feliz e relaxada, sem nenhum efeito ruim. O sexo também é bem incentivado como uma forma de curtir e se satisfazer, mas sem aquela complicação de criar conexões emocionais fortes.

Um dos líderes do Estado Mundial defende o hedonismo como uma maneira de manter as pessoas superficialmente felizes e a sociedade estável. No entanto, à medida que a história avança, fica claro que essa busca constante pelo prazer pode acabar erodindo a individualidade, a profundidade emocional e até a verdadeira liberdade. Essa abordagem acaba simplificando demais a complexidade humana, ignorando aspectos cruciais como moralidade, justiça e a procura por um sentido mais profundo na vida.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO mostra como o Estado controla cada detalhe da vida dos cidadãos, e isso é feito principalmente através de condicionamento, uso de tecnologia e controle social. Desde que nascem, as pessoas passam por um processo de condicionamento rigoroso que molda o que elas acreditam, como agem e o que valorizam, tudo isso de acordo com as regras do Estado. Elas são geneticamente projetadas para pertencer a uma casta específica e, depois, são ensinadas a aceitar e até gostar do seu papel na sociedade.

Na história, a educação é uma ferramenta poderosa nas mãos do Estado para manter o controle. Desde pequenas, as crianças são ensinadas a seguir as regras, consumir produtos produzidos em massa e buscar constantemente o prazer. A propaganda é outro meio usado para moldar as percepções e crenças dos cidadãos, garantindo que todos vejam o mundo da maneira que o Estado deseja. Para completar, o Estado fornece uma droga especial que não só cria uma sensação de felicidade, mas também mantém a população calma, dócil e submissa.

O Estado mantém um controle rígido sobre a reprodução, recorrendo à tecnologia para fabricar seres humanos sob medida para suas necessidades. A reprodução natural é vista como algo totalmente inaceitável, e o processo de procriação é feito em laboratórios. Isso permite que o Estado decida quantos e que tipo de cidadãos vão nascer. Além disso, o acesso à literatura, ao conhecimento e às artes é severamente limitado pelo Estado. Livros e obras de arte que possam questionar a ordem estabelecida são banidos ou até destruídos. E, olhando para a história real da humanidade, é possível ver como esses passos são comuns em regimes que buscam dominar e controlar totalmente suas populações.

Bernard Marx é um dos personagens principais da história. Apesar de ser um alfa, a elite da sociedade do Estado Mundial, e ter sido projetado para ser superior em inteligência e habilidades, ele não se enquadra nas expectativas da sua casta. Sua estatura física mais baixa e sua tendência à introspecção o fazem sentir-se um peixe fora d’água numa sociedade onde ser igual a todos é super valorizado. Bernard está sempre tentando entender quem ele é e qual é o seu lugar no mundo. Ele se sente alienado e descontente com a vida que leva, sempre questionando os valores e as normas impostas. Ele acaba se tornando um símbolo da resistência contra a conformidade sufocante do Estado Mundial, mas também reflete o quão difícil é lutar contra um sistema tão poderoso e enraizado.

Bernard desenvolve um relacionamento com Lenina Crowne, que é uma beta, uma casta social abaixo dos alfas. A diferença entre eles evidencia ainda mais o deslocamento de Bernard no mundo que o rodeia. Lenina é a imagem da conformidade e da obediência às regras e expectativas sociais. Ao contrário de Bernard, que se rebela contra as normas, Lenina se adapta facilmente aos condicionamentos impostos pela sociedade.

Bernard, buscando algo além dos limites do seu mundo, convence Lenina a viajar com ele para a Reserva Selvagem, um lugar não controlado pelo Estado Mundial, onde vivem pessoas não condicionadas. Para Bernard, essa viagem é uma tentativa de fugir das restrições da sua sociedade e encontrar um propósito mais profundo para sua vida. Durante a jornada, Lenina enfrenta um verdadeiro choque cultural e um conflito interno ao se deparar com as práticas e valores diferentes da Reserva Selvagem. Ela se torna um ponto para explorar as tensões entre a busca pelo prazer imediato, tão prevalente em sua sociedade, e a procura por um significado mais profundo na vida.

John é o terceiro personagem central da história e tem uma trajetória bem diferente dos demais. Ele nasceu e cresceu na Reserva Selvagem, um lugar onde o Estado Mundial não tem controle, e por isso não passou pelo mesmo processo de condicionamento e conformidade que os outros cidadãos. Durante sua infância e adolescência, John teve a chance de ler livros clássicos e se aventurar pela literatura, algo que aguçou sua curiosidade intelectual e o fez questionar o mundo ao seu redor.

John vive em um constante dilema tentando descobrir quem ele é e onde ele se encaixa. Ele se sente como um estrangeiro tanto na Reserva Selvagem quanto na sociedade avançada do Estado Mundial, não encontrando um verdadeiro sentido de pertencimento em nenhum dos lugares. Sua relação com Lenina é complicada e cheia de nuances. Ela se sente atraída por ele, mas ao mesmo tempo tem dificuldades para compreender a maneira como ele vê o mundo, já que ele não foi moldado pelos mesmos condicionamentos que ela.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO é um livro que mergulha fundo em questões essenciais sobre o ser humano, a sociedade e o papel da tecnologia. Aldous Huxley nos leva a explorar temas como a pressão para se conformar, a importância da individualidade, a obsessão pelo prazer, o poder do Estado e as consequências de uma busca incessante por conforto e satisfação superficial.

O que torna este livro tão especial é sua habilidade em provocar reflexões profundas sobre a complexidade da natureza humana e o impacto disso na sociedade moderna. É uma leitura que desafia o leitor a pensar de forma crítica e que, mesmo décadas depois de sua publicação, ainda se mostra incrivelmente relevante e instigante.

Eu acho que a maneira como o estado é mostrado em ADMIRÁVEL MUNDO NOVO simplifica demais a complexidade da sociedade e do ser humano. Em algumas partes, a sociedade descrita parece até uma caricatura, bem extrema e com uma dose grande de pessimismo e alarmismo. Os personagens principais, e até a maioria dos secundários, são meio superficiais e dá para prever as escolhas morais que eles fazem. A história foca muito em criticar, mas fica devendo soluções que pareçam mais realistas para os problemas que mostra. E tem mais: a visão que o livro traz é bem ocidental, meio que deixando de lado a diversidade cultural e social do mundo, o que acaba sendo uma abordagem bem eurocêntrica da civilização. Mesmo assim, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO continua sendo uma obra marcante, que gera muitos debates e reflexões, e isso por si só já mostra o quanto ela é importante na literatura e no pensamento crítico.

Esta versão que tenho é uma adaptação em quadrinhos feita pelo artista britânico Fred Fordham. Ele já tem um histórico de dar vida nova a clássicos, como quando trabalhou na adaptação de ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE, de Agatha Christie, para uma graphic novel. O que me chamou atenção nessa adaptação foi o estilo de Fordham: os desenhos têm traços bem marcados e as cores são em tons pastéis. Isso, de alguma forma, parece tirar um pouco da intensidade emocional dos personagens, como se tudo estivesse envolto em uma atmosfera estéril, quase desprovida de sentimentos. Pode ser que essa tenha sido a intenção dele, para refletir o mundo descrito por Huxley. Mas, claro, isso fica a critério de quem lê e interpreta.


AVALIAÇÃO:


AUTORES: Aldous Huxley
ARTE: Fred Fordham
TRADUÇÃO: Luisa Geisler
EDITORA: Quadrinhos na Cia.
PUBLICAÇÃO: 2023
PÁGINAS: 240