Você pode contar uma mesma história de maneiras totalmente diferentes. Algumas são contadas de forma direta, com diálogos entre os personagens, que explicam o que está acontecendo e o que eles pensam. Outras, são contadas através de um narrador onipresente e onisciente, imparcial, mas que consegue transmitir tudo o que os personagens fazem, pensam e sentem. E existem aquelas histórias que são contadas através de insinuações, de descrições que apontam para algo, mas que na verdade querem mostrar outra coisa. Com diálogos dúbios, que ficam no ar, na imaginação do leitor tentar descobrir o que significam. Mas, acima de tudo, com descrições de ações que só ficam claras tarde demais, quando o leitor é surpreendido e se assusta com a verdade.
LONEY é esse terceiro tipo de leitura, que não é direcionada para o leitor apressado, que gosta de começar e terminar um livro rapidamente, sem se prender nas páginas, tentando compreender o que acabou de ler. A obra de Hurley não é contada pelas palavras de letras negras, mas, sim, com o que ele não escreve entre elas. Cada diálogo, cada pensamento, cada ação, por mais corriqueira que seja, é impregnada por um duplo sentido, por um aviso de que as coisas não são o que parecem, que cada um dos personagens é motivado e guarda uma verdade dentro de si que não deixa transbordar. Mais do que isso, eles provam, através de suas confissões, que são guiados por uma fé, que é mais uma obstinação, do que realmente um temor a Deus.
Smith, como narrador, não esconde suas próprias imperfeições. Ele não omite o peso que é cuidar do irmão, que é mudo e possui um pequeno grau de atraso mental. Ele se esgueira nas sombras para ouvir as confissões que são feitas ao padre Bernard, e esconde a verdade sobre a morte de Wilfred, o padre que o educou como coroinha. Acompanhamos sua indignação diante da insistência na peregrinação de sua família e vizinhos, comandada por sua mãe, na tentativa de realizar o milagre de curar o irmão. Rodeando todo esse clima de inverdades, temos uma região deserta, fria e hostil, com traiçoeiros pântanos de areia e mudanças de maré que isolam áreas e afogam desavisados. Temos o total isolamento de qualquer coisa que nos traga calor. Ou segurança.
Desde o capítulo inicial, até o penúltimo, o leitor sente, em todas as frases, que algo de muito ruim irá acontecer. É como se estivéssemos assistindo a um filme de suspense, onde a música alta fica constante por toda a película. E quanto começamos o último capítulo, o personagem principal, Smith, alerta que o que ele irá contar a seguir é terrível, é nojento, é totalmente inadmissível. E, mesmo assim, quando terminamos a página final, não sabemos o que pensar. Não sabemos se compreendemos o que acabamos de ler. Não sabemos, sequer, dimensionar o tamanho do horror que aquelas palavras significam. Mas ficamos com a certeza de que o ser humano não tem a menor ideia de como viver. No que acreditar. No tamanho dos atos de crueldade que é capaz de cometer. Não sabemos separar o bom do mau. O milagre da blasfêmia. A fé da obstinação cega. A verdade da total mentira.
Após finalizar LONEY, eu precisei pesquisar na Internet sobre o significado de seu final. E fiquei surpreso por constatar que muitas pessoas reclamavam do ritmo lento da narrativa, da falta de diálogos, da falta de ação e de um final que não se mostrava tão assustador quanto imaginavam. Bem, eu li um livro diferente dessas pessoas. LONEY não é um terror onde existe sangue jorrando, onde fantasmas aparecem a cada capítulo ou onde o final é um duelo apocalíptico. LONEY é muito mais assustador do que isso. É uma leitura intimista, que precisa ser apreciada e não absorvida às pressas, e que guarda o horror nos pensamentos e nas ações egoístas e escabrosas de cada personagem. Ele demonstra o quanto a convicção cega em uma fé, que não reflete a bondade de Deus, pode destruir vidas, de como o ser humano pode usar a crueldade como resposta para o que não deseja, em como nosso desinteresse no próximo pode direcionar os desesperançados para o precipício da morte, e em como a falta de esperança pode ser mais mortal que uma bala no coração.
O horror de LONEY reside na essência egoísta do ser humano e na sua competência para realizar, e aceitar, atrocidades em nome de Deus. Ou de outro que não Ele.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Andrew Michael HURLEY é autor de duas coletâneas de contos publicadas no Reino Unido e Loney é seu primeiro romance. Lançado originalmente em edição limitada – apenas trezentos exemplares -, o livro rompeu as fronteiras do mercado independente, recebeu resenhas elogiosas de todos os principais veículos de imprensa, conquistou o grande público e arrebatou o júri do prestigioso Costa Book Awards, rendendo a Andrew Michael Hurley o prêmio de melhor autor estreante de 2015. O autor mora em Lancashire, Inglaterra, onde leciona literatura inglesa e escrita criativa
TRADUÇÃO: Renato Marques de OLIVEIRA
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 304
COMPRAR: Amazon
Nossa, eu tinha certeza que esse livro era cheio de ação e policial, coisa que não gosto. Agora que soube que é mais lento e talz, me atraiu demais kkkkk ao contrário da maioria, não gosto de thriller, então esses livros mais constantes me acalmam. Eu amo eles. O povo criticou demais A Filha por isso, é virou um favorito da vida ♡
Pois é, ação ele não tem nenhuma. Mas a carga psicológica é imensa!
As vezes o terror psicológico é muito mais assustador.
A fé cega de alguns personagens também é quase um monstro não é?
A relação entre esses dois irmãos também é interessante e questionável
A fé cega não é fé.
Olá! Caramba, lendo a resenha não tem como deixar de associar ao que acontece aqui no mundo real, ao nosso redor, e saber que mesmo depois de tantos anos, o ser humano ainda é capaz de cometer atos horrendos e como é de praxe, colocar a culpa em outro (seja pessoa, entidade, bem maior). A dúvida que fica é até quando?! Fiquei bem curiosa com o enredo do livro e achei super importante o aviso de que essa é uma leitura que deve ser realizada de maneira mais lenta para que possamos absorver melhor tudo que o autor quer passar.
Não tem como ler esse livro de forma rápida. Você perde muita coisa se fizer isso.
O que mais gosto em uma resenha é quando você está começando a ler e já vai abrindo a página ao lado do Skoob, para colocar o livro na listinha de desejados.
Não conhecia o livro, aliás, só tinha visto a capa, mas não havia dado atenção.
Fé cega não é ter fé. E por tudo que li acima, é bem isso. Fanatismo? Esperança?
Parece ser uma história carregada de todos os tipos de sentimentos, de conflitos, não só dos próprios personagens, mas até de colocar o leitor neste tipo de conflito também.
Quero muito conferir!!
Beijo
Confira, sim, vale muito!!!
Muito bom ler uma resenha que passa realmente a essência do livro e explica o que realmente é ,tenho esse livro a bastante tempo ainda não li,pois toda resenha que lia era desdenhando o livro e desanimando os leitores mas agora vou ler esse livro com outros olhos.
Não é um livro para qualquer leitor. Não tenha pressa de ler, vá com calma e preste atenção. Vai ver que assim consegue compreender o terror da história.
Lembro a época em que esse livro explodiu, todos os booktubers falavam sobre Loney. Eu li na época e lembro de achar super interessante a religião ser algo que faz parte dos personagens: eles são religiosos de uma forma forte, então o autor usa isso pra mostrar o quanto eles pecam em seus julgamentos ao mesmo tempo em que possuem uma fé gigante no invisível. Muito legal!
Mas não fica por aí. O final é aterrador!
Se eu não estiver enganada eu já li uma resenha de loney no blog antigo acho, que me deu uma certa curiosidade desde aquele dia de ler loney, mas vou confessar que nunca tive coragem pois tenho um certo medo de livros que contem terror e o terror de loney eu um interpreto como uma terror mas assustador do que um terror comum pois para mim se trata de uma tipo de terror psicológico onde cara leitor dependendo do seu estado de espirito dentre outros fatores pode terminar um livro, com acala cara de meu deus a que ponto chegamos/o que aconteceu aqui socorro, mas tenho esperança de um dia perder esse medo é ler loney.
Eu resgatei do blog antigo. Aos poucos, vou resgatar as melhores resenhas para poder desativá-lo