Lumikki tem dezessete anos. Como quase todo adolescente nessa idade, o que motiva a vida, são as emoções mais fortes ou a química que as produzem, como adrenalina e hormônios. Por isso, jovens adoram parques de diversões, esportes radicais, festas agitadas, contrariar ordens dos pais, fazer coisas escondidas, enfim, qualquer coisa que seja proibido ou que provoque um aumento das batidas do coração. Quem nunca, ao ver um acidente de carro, ou uma tentativa de assalto, ao invés de se afastar e se manter seguro, não tenta espreitar, se aproximar, para ver melhor, para descobrir o que aconteceu, quem se machucou ou o que foi roubado? É exatamente isso que Lumikki faz.

Ela viveu a infância sob algum tipo de ameaça, por isso ela possui algumas habilidades fortuitas e capacidade de se defender fisicamente de oponentes mais fortes. Alguém educado nessas situações, está acostumado com emoções fortes. Somado à sua idade, quando ela descobre que os três colegas, Elisa, Kasper e Tuuka, estão envolvidos com uma sacola cheia de dinheiro, manchada de sangue, e que o pai de Elisa parece estar ligado a atividades ilícitas, ela sente necessidade de se envolver. Nem tanto para ajudar os pretensos amigos, mas para ela se sentir útil, viva.

No início do livro, acompanhamos alguns momentos de sua rotina diária, sem qualquer atrativo, que a deixa aborrecida e sem perspectiva. Isso vai mudando conforme ela se envolve nessa confusão. Em todos os momentos em que Lumikki avança para desvendar de onde vem o dinheiro, quem é seu dono, entre outros segredos que vão sendo jogados ao leitor, ela passa a ser uma personagem mais vibrante, mais feliz, até.

Quanto à história em si, muita coisa é explicada de forma superficial, principalmente o passado de Lumikki. Acredito que seja proposital, uma vez que se trata de uma trilogia. Se a autora jogar tudo no primeiro livro, complica para os seguintes. Então isso não me causou incômodo.

Alguns autores possuem características bem definidas quanto à forma de escrita. O estilo de Salla Simukka se assemelha muito ao estilo de Jo Nesbo, onde ambos utilizam quebras abruptas de narrativa para construir sequências de ação. Não é um defeito, mas um feitio. Cabe ao gosto de cada um, apreciar ou não.

Embora o resultado da trama não tenha sido presencial, ou seja, o leitor apenas fica sabendo através da descrição feita por Lumikki após os eventos, isso é suficiente, a meu ver. E mais importante que isso, é a revelação de quem é o vilão principal da obra.

VERMELHO COMO O SANGUE é um thriller de suspense bem ágil e que satisfaz diante do proposto. Lumikki me conquistou com seu jeito atrevido, confiante e, por que não, prepotente de ser. Ela não hesita nas coisas que faz, controla seu medo, raciocina sobre pressão e, embora ajude as outras pessoas, mantém para si a principal preocupação. Ou seja, é uma personagem que tem firmeza, que sabe o que deseja e mantém essas características por toda a história. Isso, para mim, é suficiente para tornar a obra de grande qualidade.

No segundo livro, BRANCO COMO A NEVE, recuperando-se do terror que vivenciou nas mãos da máfia, Lumikki tem a chance de deixar a Finlândia, se livrando das roupas pesadas, das lembranças sombrias… e do perigo. Ela só quer ser uma garota normal, misturar-se à multidão de turistas e aproveitar as férias. Quando Lumikki conhece Zelenka, uma jovem misteriosa que alega ter o mesmo sangue que ela, as coincidências são inquietantes. Rapidamente ela se vê envolvida no mundo triste daquela mulher, descobrindo peças de um mistério que irá conduzi-la a uma seita secreta e aos mais altos escalões do poder corporativo. Para escapar dessa trama asfixiante, Lumikki não poderá fazer tudo sozinha.

Zelenka é a irmã que Lumikki não conhecia, uma vez que seu pai parece ter tido um relacionamento extraconjugal sem ninguém saber, e que está envolvida com um seita de fanáticos religiosos, cujo líder planeja fazer algo terrível. Para tentar livrar a irmã dessa seita, ela precisa descobrir quais as verdadeiras intenções deles, fugir de um assassino contratado e descobrir quem mais está envolvido.

A narrativa segue a mesma linha do primeiro livro, bem direta, pouco descritiva, com trechos de suspense e tensão. Descobrimos um pouco mais sobre o passado de Lumikki, bem como o relacionamento que ela teve. Inclusive, até nesse relacionamento vemos que a garota é bem diferente da maioria, porque ela não se apaixona por um homem, digamos, normal.

Entretanto, apesar da trama prender a atenção do leitor, senti falta de uma continuidade com relação à revelação que é feita ao final do primeiro livro, sobre as gêmeas mafiosas. Sinceramente, achei que o segundo livro desenvolveria a relação das duas com Lumikki, mas elas sequer são mencionadas. Talvez tenham ficado para o último volume da trilogia. Pelo menos, espero que sim.

Uma coisa que dá para reparar em BRANCO COMO A NEVE, é uma melhora nos trechos de ação. As partes onde Lumikki precisa se esconder e fugir do assassino, são bem elaboradas, e uma delas, inclusive, consegue ser visualmente sensual. Ficaria curioso como seria adaptado para um filme.
As habilidades de Lumikki para escapar das situações perigosas em que se mete, continuam surpreendentes. E acho que é isso que me encanta na personagem. Ela consegue encontrar soluções que são críveis de serem usadas por qualquer pessoa que consiga se manter calma para raciocinar. Ela é daquelas pessoas que não precisa procurar por um problema, o problema que procura por ela.

BRANCO COMO A NEVE está no mesmo nível do primeiro livro, o que me deixou bastante satisfeito, porque tinha medo de que isso não acontecesse.

VERMELHO COMO SANGUE e BRANCO COMO A NEVE são os dois primeiros livros de uma trilogia. Infelizmente, a editora não concluiu a publicação com o terceiro livro. Esse é um dos piores problemas de se seguir uma história dividida em vários livros, o leitor não tem garantias de que poderá ler todos. Não sei dizer se os direitos ainda estão com a Novo Conceito. Na verdade nem sei dizer se a Novo Conceito ainda publica algo. Então fica a indicação dos dois livros, valem a leitura, e a sugestão de procurar o terceiro em outro idioma.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Salla Simukka
TRADUÇÃO: Bárbara Menezes
EDITORA: Novo Conceito
PUBLICAÇÃO: 2014 e 2017
PÁGINAS: 240 e 224