Rixidenteron e Bleak Hope são jovens sobreviventes de perdas em um império medieval dividido pelo status social. Eles podiam ter sucumbido, mas a vida tratou de transformá-los em guerreiros. Suas jornadas tinham que se cruzar. Bleak Hope é a única sobrevivente da sua vila que foi atacada por soldados do Imperador, liderados por um biomante. Encontrada clandestinamente no navio do capitão Sin Toa, ela lhe conta sua triste história. O nome, Bleak Hope, é o mesmo da sua vila e ela passa a adotar a fim de nunca esquecer o horror que viveu. Para buscar vingança.

Nesse mundo criado por Jon Skovron, os navios não embarcam tripulantes mulheres, os marinheiros veem como mau agouro. Logo, Sin Toa decide deixar Bleak Hope em Ermo dos Ventos, na ordem dos Vinchen, onde monges lutam pelo império. Lá, não é aceito mulheres, mas como ela tem por volta de 8 anos é acolhida por Hurlo, chefe da ordem, apenas por tempo suficiente para chegar à idade de sobreviver como órfã. Com o tempo, Hurlo faz algo proibido: treina ela secretamente. Logo, temos uma Kill Bill em época medieval.

Rixidenteron é outro protagonista. Órfão de pais, sobreviveu na rua com sua esperteza incomum. Com olhos totalmente vermelhos, característica de crianças nascida por usuários da chamada “especiaria coral”, ele destoa das outras crianças.

Ao ser raptado por piratas que o tentavam escravizar como marinheiro, ele se une a Sadie Cabra (também raptada) nas empreitadas malucas dessa mulher totalmente independente. Ninguém a segura. Nem os capetas (apelido carinhoso para os soldados do império). Os verões passam e cada um aperfeiçoa suas habilidades nos ambientes que estão inseridos. Os objetivos são diferentes, mas a vida parece moldá-los como guerreiros para momentos que presenciaremos.

Quando uma venda mal-sucedida acontece com a tripulação da Bleak Hope, Rixidenteron (agora chamado de Red) corre para ajudar a garota desconhecida, e fica tão entranhado na vingança.

O mundo do IMPÉRIO DAS TORMENTAS é bem amarrado. Com elementos medievais a la Assassin ‘s Creed, temos uma mescla de ficção-científica, aventuras de piratas e pitadas bem insossas de romance (ufa!).

Os soldados mantêm controle a ferro e fogo sobre Nova Laven, que parece uma ilha prisional gigantesca onde a violência reina para ter o que comer. Não há cenas com o Imperador. Ele é uma sombra. Os que lhe representam são os chamados biomantes que
têm papel fundamental na criação de novas armas para destruição dos inimigos. Enquanto os biomantes servem ao Imperador, os Vinchen servem ao império.

Senti uma falta gritante de ação por parte dos Vinchen. São uma ordem isolada. Não participam de nenhuma frente de batalha. É quase como se fossem uma arma secreta para um momento da história. Bleak Hope vive alguns anos por lá. Com regras que só a
diminuem como mulher, ela sofre todo tipo de tortura por parte dos irmãos da ordem. É uma escrava que tem a liberdade, mas não se atreve mesmo que no fundo saiba que os seus dias estão contados. Entretanto, Hurlo é um milagre em meio aos desgraçados, à treina tão bem que só consigo vê-la como uma prodigio.

Todo capítulo que surgia de Bleak Hope eram os melhores. O frio na barriga pelo desconhecido vinha. Suas atitudes seguem uma ordem vinchen, mas ela surpreende. Não é exagero quando associo sua imagem à icônica Kill Bill, mas Bleak sabe o momento de esperar. Sua evolução na busca do biomante assassino do seu povo é gradativa e estimulante de acompanhar.

Durante a leitura, me acompanhou a sensação de falta de destaque para personagens profundos. Senti isso com Sadie e Brigga Lin, essa última tem a história mais inusitada de todas. Mesmo com motivação foi jogada de escanteio com desfechos que só a diminuíram até se tornar uma figurante. Isso foi algo estressante de ler. Jon poderia ter trabalhado mais nessas personagens. Elas tinham tudo para ser chaves nos desfechos. Fiquei com a impressão de que elas podiam apagar as histórias de Red e Bleak Hope.

Red é um personagem que se molda conforme as situações aparecem. Ele não desperta aquela vontade de ver a próxima ação impensada que com certeza virá. É uma baita sorte ele não morrer por conta das decisões que toma. Serve até como representação da
juventude: imprudência.

A divisão dos bairros em Nova Laven é bem definida: Círculo do Paraíso, Costas de Prata e Ponta do Martelo são os mais pobres e recorrem à formação de gangues para defendê-los. Salto Fundo é a parte rica do mapa e ninguém se atreve a chegar em seu porto se não pertence ao local. A parte política desse mundo despertou minha atenção. Cada gangue permanece em seu território. Fugir disso já é motivo para pancadaria.

Outro ponto que me chamou atenção é a utilização de gírias para pessoas e situações. Às vezes parava para assimilar uma palavra dentro do contexto. Esse tipo de vocabulário enriqueceu a história. É algo que deviam adotar em criações de mundos.

Os grandes vilões da obra são os biomantes. Temidos, lembram os cientistas com seus experimentos. Mas diferente da realidade, eles utilizam sem consentir os humanos como cobaias. Assassinar a “escória” é apenas um fim que justifica o meio. Além disso, ninguém se atreve a tocá-los, pois com o toque coisas inimagináveis acontecem. Jon tenta descrever visualmente o que acontece no corpo humano quando recebe o toque de um biomante, e quando imaginamos é nauseante.

A escrita da obra tem fácil compreensão. Você consegue se situar durante as cenas tranquilamente. Demorei um mês para concluir porque lia no ônibus, mas tenho certeza que concluiria muito antes se realizasse leituras mais focadas.

Houveram pontas soltas, pois estamos falando de uma trilogia. Infelizmente os outros volumes não foram traduzidos para o português brasileiro. Se o(a) leitor(a) quiser concluir vai ter que importar de Portugal na versão feita pela Saída de Emergência que deu a cara e fechou a trilogia. A editora Arqueiro bem que podia resgatar.

A edição física segue o mesmo padrão de outras obras da casa editorial. Tem o mapa das ilhas que compõem o Império das Tormentas logo nas primeiras páginas. A fonte das letras tem um tamanho até que confortável, mas preferia que fosse um pouco maior. Os capítulos tem tamanho excelente. Recomendo a leitura para aqueles que exploram a fantasia medieval. Só não garanto que vai ser o seu livro do ano.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Jon Skovron
TRADUÇÃO: Alves Calado
EDITORA: Arqueiro
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 368