Após seis meses da morte do pequeno Ewan, de apenas cinco anos de idade, Juliette e Richard continuam lutando contra o luto e a dor emocional, além de um imenso trauma psicológico criado pela tragédia. Enquanto Richard se refugia no trabalho de pesquisar a história de um lendário carvalho que existia no terreno de frente para sua casa, Juliette apresenta uma perda da realidade, quando passa os dias no quarto do filho, chorando e afirmando ouvir a voz de Ewan de noite.

Para ajudar Juliette, a família aceita participar de uma reunião com os Faróis, um grupo de pessoas que afirmam conseguir se comunicar com os entes falecidos, proporcionando uma visão de como eles estão em um lugar melhor e dando um alívio ao sofrimento de quem ficou para trás. Embora Richard não acredite nisso, ele concorda que é uma tentativa de interromper a queda da esposa em direção a um precipício de escuridão e loucura.

Enquanto aguarda o dia da reunião com os Faróis, Richard descobre indícios do tal carvalho, que foi a árvore usada para o enforcamento de três jovens em um passado nebuloso da pequena cidade onde vive. Ele também encontra o esqueleto de uma lebre, enterrada bem ao lado do que seria a raiz do carvalho. Richard leva os restos do animal para casa, para estudar e tentar descobrir o motivo da causa da morte e de ter sido enterrada naquele local. Para seu espanto, no dia seguinte, o processo de decomposição começa a se reverter. Em menos de uma semana, o animal tem o corpo reconstituído e volta à vida. Richard não compreende como isso aconteceu, mas decide libertar a lebre na floresta próxima, sem contar a ninguém o que aconteceu.

Quando os Faróis finalmente realizam a reunião com Juliette, ela realmente afirma ter conseguido ver a luz do filho e de como ele está bem. Em um primeiro momento, ela parece melhorar e a vida com Richard ganha a promessa do retorno a uma normalidade. Até que Juliette encontra a lebre que Richard desenterrou.

Eu comecei a ler TERRA FAMINTA sem reconhecer o autor. Durante a leitura, o estilo de narrativa me pareceu familiar, mas não fiz nenhuma conexão com leituras anteriores. Até que finalizei a história, totalmente atônito, e fui pesquisar. Andrew Michael Hurley é o autor de LONEY (resenha aqui), um dos livros de maior terror que eu já li. E em TERRA FAMINTA, ele confirma sua habilidade em criar uma atmosfera tensa, tóxica, carregada de maldade e com um final tão desesperançoso e aterrador quanto em LONEY.

Ewan é o único personagem que não está presente fisicamente no tempo presente da história. A narrativa é em terceira pessoa, mas sempre feita pelo ponto de vista de Richard. Conhecemos Ewan pelas lembranças do pai, em flashbacks pontuais, inseridos em partes específicas, revelando aos poucos o que precedeu à morte da criança. Ewan mudou de comportamento ao entrar na escola. Se mostrou agressivo sem nenhuma causa aparente. Aos pais, ele diz que fazia o que fazia, motivado pela voz de um homem que morava na floresta.

Richard aparenta ser um bom pai, embora em muitos pontos seja letárgico e inconsequente em relação a Ewan. Ele entra em negação quando se trata de procurar alguma ajuda psicológica para Ewan. E após a morte do filho, ele não tem a preocupação em descobrir o que realmente aconteceu, qual a verdade por trás das coisas que Ewan dizia e nem mesmo contestou a causa desconhecida da morte. Richard assume a mesma posição em relação a Juliette. É evidente que a esposa está perdendo a noção da realidade. A irmã de Juliette vem morar um período com eles, para tentar recobrar o juízo da irmã, uma vez que Richard se mostra incompetente nesse quesito. Esse comportamento não é proposital, não é maldoso, é apenas a característica de um homem perdido e sem motivação.

Conhecemos Juliette pela descrição de como Richard a enxerga. No início, é compreensível a dor que ela demonstra, bem como a necessidade de se apegar ao quarto e aos pertences do filho. Até mesmo quando ela diz que ouve a voz do filho de noite, é algo compreensível. A dor faz essas coisas. Mas algumas atitudes de Juliette parecem desconexas. Há algo nas coisas que ela diz e faz que trazem uma carga de estranheza indefinida. E após a reunião com os Faróis, parece que o bloqueio que Juliette enfrentava para se comunicar com o filho, é quebrado, e ela se entrega totalmente a um destino de grande horror.

Como escrevi na resenha de LONEY, cada diálogo, cada pensamento, cada ação, por mais corriqueira que seja, é impregnada por um duplo sentido, por um aviso de que as coisas não são o que parecem, que cada um dos personagens é motivado e guarda uma verdade dentro de si que não deixa transbordar. A narrativa é propositalmente impregnada de uma estranheza que só é compreendida no clímax da história. Exatamente o mesmo acontece em TERRA FAMINTA. Não nos damos conta de para onde as ações dos personagens os estão levando, até que o impensável acontece. Uma metáfora precisa sobre a forma como Hurley escreve, seria comparar com alguém massageando sua barriga com um pouco mais de pressão e com movimentos irregulares, que te deixam levemente desconfortável, poderiam ser mais leves, até que quando a massagem chega ao fim, você leva um soco no estômago. É aquele terror desmedido, irracional, que incomoda. Livro incrível!


AUTOR: Andrew Michael HURLEY
TRADUÇÃO: André CZARNOBAI
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 240


COMPRAR: Amazon