Houve um incidente que resultou na morte de uma garotinha, e a reverenda Jack Brooks é vista como a responsável. Por conta disso, o bispo transfere Jack para a remota cidade de Chapel Croft, que ficou sem vigário recentemente e precisa da vaga preenchida. Jack tem uma filha de quinze anos, Flo, que ama fotografar, tem aquela rebeldia da adolescência e tenta aceitar a mudança de uma cidade grande para um vilarejo.

Chapel Croft é uma cidade cheia de histórias e segredos. Quinhentos anos atrás, seis mártires protestantes foram queimados na fogueira. Duas garotinhas se refugiaram na capela, mas foram delatadas, capturadas, torturadas e depois foram queimadas na frente da capela. A lenda diz que elas assombram o local. Aparecem para quem enfrenta um grande perigo ou uma grande dificuldade. Por respeito, muitas pessoas fazem pequenas bonecas de palha, colocadas no cemitério da igreja, para queimar no aniversário da morte das garotas. Essas bonecas são chamadas de Garotas em Chamas.

Quando Jack Brooks chega em Chapel Croft, descobre duas coisas: a primeira, que o reverendo anterior não foi embora, mas se enforcou na frente do altar; e a segunda, que trinta anos atrás, duas adolescentes desapareceram e não tiveram buscas ou investigações da polícia. Aos poucos, Jack encontra informações e pistas de que os dois eventos estão relacionados. Mais ainda, que os eventos de quinhentos anos atrás, podem ser diferentes da história e que também repercutem no desaparecimento das adolescentes.

As garotas desaparecidas, Merry e Joy, eram melhores amigas, sendo Joy de uma família religiosa que beirava o fanatismo. A relação das duas era de superação, uma apoiava a outra nas dificuldades, principalmente nos relacionamentos familiares e com os moradores da cidade. Elas planejavam fugir para longe, assim que completassem 18 anos. Esse é um dos motivos que levou a polícia a não realizar buscas. Mas poucos dias depois, a família de Merry se muda sem avisar, e a mãe de Joy desaparece igual à filha.

Os descendentes dos mártires ainda vivem em Chapel Croft. A família Harper possui um abatedouro de porcos, tem dinheiro e é influente. A caçula da família é a primeira a aparecer quando Jack chega na cidade. Ela tem um trauma relacionado com a morte da filha de Mike, o repórter do jornal da cidade. As duas estavam brincando perto da casa da fazendo dos Harper, quando um acidente acontece e a filha de Mike morre. Por conta disso, a menina parece ter um comportamento errático, estranho, e é isolada pelos Harper.

Os Harper tem uma outra menina, Rosie, adolescente, que vive andando na companhia do primo, Jacob, aprontando pela cidade. Quando os dois conhecem Flo, a filha de Jack, implicam com a forma diferente da menina se vestir e começam a fazer bullying. Para complicar a situação, Flo fica amiga de Wrigley, um colega de escola que possui um problema de saúde que faz com que ele tenha pequenos tremores. Os garotos Harper odeiam o rapaz, e como Flo fica amiga dele, encontram mais motivos para persegui-los.

A narrativa de GAROTAS EM CHAMAS é dividida entre Jack, Flo, um terceiro personagem, desconhecido até metade do livro, e algumas poucas páginas sobre Merry e Joy. Mas a história se concentra mesmo em Jack e Flo. A parte de Jack e a parte do personagem desconhecido, são contadas pelos próprios, em primeira pessoa. A parte de Flo e de Marry e Joy, são contadas em terceira pessoa. Essa mistura ficou perfeita no sentido de criar uma atmosfera de suspense e de estranheza. A autora já fez isso em obras anteriores e funciona muito bem.

Jack é uma personagem incrível. Ela é uma mulher numa função majoritariamente ocupada por homens. Uma função religiosa, ainda por cima. Muda com a filha para uma cidade desconhecida, cheia de segredos e mistérios. E ainda precisa lidar com a situação que deixou para trás sobre a menina que morreu. Além disso, existe algo não conversado com a filha sobre o pai falecido.

Flo é outra personagem adorável. Ela vive se metendo em encrencas. Flo exala juventude e carrega os traços de caráter e personalidade fortes da mãe. Ao contrário do que vemos em muitos livros, Flo bate de frente com os Harper na questão do bullying, ela enfrenta, não se deixa intimidar, ao mesmo tempo em que tenta compreender porque eles são como são.

É triste acompanhar a história de Merry e Joy. São poucas páginas, todas em preto com letras brancas, que aparecem entre os capítulos. O que aconteceu com elas é contado aos poucos, para criar um suspense e se intercalar com a história principal. Apesar disso, é fácil gostar das duas garotas e torcer por elas.

E quanto ao personagem misterioso, ele é assustador. Mas se você pensa que ele é o vilão, apesar de ser um vilão, o papel dele não é de ser um antagonista de Jack. Pelo contrário. Seu papel é surpreendente e vai contra tudo o que se costuma ler.

GAROTAS EM CHAMAS tem várias linhas de suspense que correm em paralelo e vão se misturando até virarem apenas uma, no clímax. Tudo fica explicado, tudo tem sentido, e tudo fica resolvido. Existe algo de terror na história? De sobrenatural? Como nos livros anteriores da autora, sim, existe uma pitada do sobrenatural, mas nada muito explícito e apenas em algumas partes específicas. Nenhuma delas chega a causar medo ou desconforto, servem apenas para fazer o leitor pensar algo, que é desmentido no final. Essa é uma das marcas da autora, enganar quem está lendo. E desta vez ela consegue empregar uma artimanha sobre o narrador não confiável. Existem várias reviravoltas, mas a principal e maior delas, o leitor só descobre quando quem conta a história para de mentir.

Sou fã da C. J. Tudor, e GAROTAS EM CHAMAS segue o padrão de autora em criar vários suspenses que parecem isolados, mas que vamos descobrindo que na verdade são apenas um. Acho fantástico! Quarto livro que leio dela em sequência e sem qualquer desapontamento, um melhor do que o outro.


AUTORA: C. J. TUDOR
TRADUÇÃO: Regiane WINARSKI
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 352


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