Porto Alegre, abril de 2016. Em meio aos dias tensos que sucederam à votação do impeachment, três jovens sem planos para o futuro – ou mesmo para o presente – se apaixonam e desapaixonam, enquanto flertam com outras tentações e procuram, sem muito esforço, entender se a manjada tríade sexo, drogas e rock-and-roll ainda é a única resposta para o vazio e a desesperança.

Lola trabalha na noite, é uma DJ, e sabe que o espaço conquistado se deve não apenas à sua competência, mas também, e talvez principalmente, à sua beleza. Ela aproveita o que aparece com total dedicação, e isso em relação às bebidas, ao sexo, à música, quase sem apresentar limites. Isso não significa que seja realizada ou feliz, mais parece uma camada de ilusão que existe para que não desmorone.

César é um advogado de classe média, o homem mimado que carrega consigo, apesar da idade, acima dos 30 anos, a famosa Síndrome de Peter Pan, ou seja, aquele comportamento infantil e imaturo característico do gênero masculino, que não consegue crescer mentalmente e nem em comportamento. Isso pode até ser o resultado de uma profissão que não deseja, motivo de pressão familiar. Ou mesmo uma forma de se vingar pela infelicidade da vida que é obrigado a levar. É a representação do macho alfa, cis, branco, previlegiado, frustrado.

Júlia é irmã de César e vem de um relacionamento sem qualquer emoção. Terminou esse relacionamento e agora procura por algo que lhe dê algum significado, tenta recuperar o tempo perdido. Entretanto, ela tem um história de bebidas e drogas que compromete as escolhas futuras. Embora irmã de César, ela conseguiu me passar melhores sentimentos, uma certa simpatia, principalmente por sua consciência política e social, brevemente discutida em alguns diálogos que mantém com seu ex.

A narrativa é em primeira pessoa, feita por diferentes personagens a cada capítulo, e, por vezes, se assemelha a uma sequência de contos que se interligam de forma direta ou indireta. Tanto é que, alguns deles, podem ser lidos de forma aleatória. E embora os três personagens sejam bem diferente, eles possuem algumas características em comum: uma vida vazia, sem um futuro breve definido. E por vazia, quero dizer, sem um sentimento profundo e duradouro, com os próprios ou com outros, que os leva a passeios solitários, sexo apenas pelo prazer, sem qualquer vínculo afetivo, muita bebiba para tornar levar a consciência a uma ilusão escapista da prisão em que vivem. Uma prisão sem muros, porque os três são limitados pelas próprias incapacidades de criarem qualquer coisa mais consistente e que os satisfaça ou os realize.

Além de outros personagens secundários, como Bianca, uma escritora que está para lançar seu novo livro, e Max, o personagem principal do livro anterior do autor, A ERA DE OURO DO PORNÔ (que inclusive é o título do livro de Bianca), e que possuem seu lugar dentro da narrativa, embora de forma menos importante, vale destacar um que é presente de forma bastante significativa nas romances do autor, embora não tenha corpo ou forma: o sexo. O sexo é peça fundamental do livro anterior, e neste se mantém. Sabe-se e espera-se, a cada capítulo, como, quando e onde será praticado o sexo do narrador desse capítulo, e a expectativa é se será ainda mais explicito, ou com alguma descrição menos usual, mais surpreendente, do que o anterior. Em comparação com romances do gênero Hot, se tem uma coisa que os livros do autor se diferem, é na criatividade e na sempre diferente relações sexuais, quase nunca são repetidas e cada vez mais impactantes. E isso sem apelar para violência, mas por serem cruas e diretas como a escrita.

E falando nisso, apesar de eu gostar bastante da escrita do autor, de seu estilo cru e bruto de descrever as situações e as ações dos personagens, sem qualquer censura, mas sem avançar a linha do inaceitável, ela é impregnada de forma inerente por seu gênero, ou seja, é um homem tentando criar vozes femininas, e embora muitos consigam com relativa credibilidade e fidelidade, o mesmo não acontece com Lola e Júlia. Em diversas partes, é de se notar que os pensamentos, as atitudes e as reações, condizem mais com as de um homem, do que com as de uma mulher. Isso se destaca principalmente pelo autor não conseguir diferenciar, em alguns casos, que liberdade sexual, não significa dar voz à mulher. Liberdade feminina vai muito além de poder escolher com quem e onde transar. Entretanto também reconheço uma forte tentativa de conseguir, de convencer, e acredito que, com o tempo, e talvez, com uma abertura maior para o universo feminino, eventualmente o autor consiga atingir o objetivo de forma mais eficiente e natural.

Um outro detalhe que poderia ter impactado minha leitura, são as menções à realidade política e social brasileira no ano em que se passa a história: 2016. A narrativa não é levada para qualquer debate político e nem toma partido, o que me deixou aliviado. Confesso que se ela seguisse pelo caminho de defender um determinado lado do que acontecia na época, ainda mais pela situação totalmente calamitosa que vivemos hoje em dia, muito devido às péssimas escolhas dos últimos anos, eu seria obrigado a interromper a leitura. Felizmente, o cenário brasileiro é apenas comentado, para ilustrar uma ou outra situação, ou um ou outro diálogo.

TUDO O QUE PODERÍAMOS TER SIDO é um título que explica perfeitamente os personagens. Todos os três são frutos das escolhas que fizeram, ou das escolhas a que foram impostos, e nenhum deles está satisfeito com o resultado. O que eles possuem é o desejo de conseguirem chegar naquilo que poderiam ter conseguido, que, por consequência, poderia representar a felicidade e a realização que não possuem. É uma história de possibilidades, onde fica claro a tristeza e a frustração, abafada pela música, pela bebiba e pelo sexo, uma vez que é apenas isso que resta para tentar ocultar aquilo que não conseguiram conquistar.

Pessoalmente, confesso ter gostado bem mais deste livro do que A ERA DE OURO DO PORNÔ. Este tinha o objetivo de mostrar o sexo como é apresentado em filmes pornô, apenas como intervalo entre situações, ou mesmo o contrário, onde as situações eram o intervalo entre o sexo. Já em TUDO O QUE PODERÍAMOS TER SIDO, a crueza e a explicidade do sexo se mantém, mas desta vez ele possui interpretes e está inserido no contexto da vida dos personagens, além de explicar, pela indiferença na qual o praticam, o vazio que possuem. Vale muito pela discussão que levanta, sobre uma geração que está cada vez mais perdida, mais sem propósito, à deriva.


AUTOR: Zeka SIXX
EDITORA: Coralina
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 216


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