James Watson e Charlotte Holmes estão em busca de férias sossegadas depois dos últimos acontecimentos que quase os mataram. Mas Charlotte não é a única Holmes que guarda segredos, e o clima na casa da família em Sussex está palpavelmente tenso. Mais importante do que isso, Holmes e Watson poderiam se tornar mais do que amigos, mas o passado sombrio dela ainda é uma barreira entre os dois.

Uma distração logo surge, porque Leander, o tio querido de Charlotte, desaparece da casa da família – depois de ser muito misterioso em relação a sua nova missão na Alemanha, que envolve falsificadores de arte. Charlotte agora está determinada a encontrá-lo. A primeira parada deles? Berlim. Seu primeiro contato? August Moriarty (a obsessão de Charlotte no passado, que muitos acreditavam estar morto), membro de uma poderosa família que falsificava pinturas famosas nos últimos cem anos. Mas quando entram na cena underground de Berlim e no luxo das galerias de arte em Praga, Holmes e Watson começam a perceber que as coisas são mais complicadas do que parecem. E muito mais perigosas também.

O primeiro livro da série, UM ESTUDO EM CHARLOTTE, resenha aqui, apresenta James e Charlotte, ambos adolescentes de 17 anos de idade, às voltas com uma série de assassinatos. James é apaixonado por Charlotte, mas a aproximação é difícil, uma vez que ela enfrenta o trauma de uma violência sexual, além de ter herdado aquele isolamento social característico do Holmes original. Mesmo assim, os dois criam uma amizade que ao final do livro caminha para algo mais. James é fofo, insistente, enquanto Charlotte tenta negar seus sentimentos para não ferir James.

Esse conflito se mantém por quase toda a história de O DESGOSTO DE AUGUST, mas de uma forma que transforma a relação dos dois jovens em algo mais problemático. Existe um avanço, há uma demonstração de afeto que leva a relação para um outro patamar, mas mesmo assim é nítido que um faz mal para o outro. E isso não se deve apenas aos dois personagens, mas a outros que os rodeiam. Na verdade, quase todos fazem parte de algo tóxico. E não sei dizer se é proposital da autora.

Charlotte tem seus traumas, como já disse, além de um temperamento e atitudes que a isolam socialmente. Ela é constantemente cobrada e atirada de um lado para o outro pela maioria dos membros de sua família. E sofre a mesma pressão pela família dos Moriarty, com o adendo de que parte deles a querem matar por ter destruído a vida do caçula, August. Mesmo que August não culpe Charlotte ou mesmo nutra algum desafeto por ela. Não existem demonstrações de carinho ou de cumplicidade dentro dos Holmes, tudo é sempre uma corrida, uma competição e uma rede de intrigas que impede qualquer confiança.

James sofre outro tipo de toxidade. A família dele sempre foi submissa aos Holmes, por gerações. A coisa se mantém. São considerados amigos fiéis, mas tratados como inferiores, como quase criados. Embora existe respeito e carinho de James com seu pai, e vice-versa, os dois não ficam juntos, moram em pontos diferentes do globo, e existe aquela cobrança para James se afastar de Charlotte, como se ele fosse inferior, não pudesse acompanhar em pé de igualdade.

E isso se reflete na relação de James com Charlotte. Ela pensa o tempo inteiro que ele sairá ferido da relação, ou morto por algum inimigo dela. Todos os trechos que os dois ficam juntos e se abrem, terminam ou são interrompidos por causa de algum complexo criado pela relação familiar de um deles. Quanto mais James tenta se provar corajoso e demonstrar seu amor por Charlotte, mais ela sofre por não acreditar que possa dar certo. E esse posicionamento vai criando um ciclo vicioso altamente destrutível.

Ao redor de tudo isso, existe o complicado caso do desaparecimento de Leander, o tio da Charlotte, e um tipo de acerto de contas pelo que aconteceu com August. Ele é mais velho que o casal de jovens, tem 23 anos, e tem outras prioridades em sua vida, bem como planos diferentes. Então, leitor, não pense que é formado um triângulo amoroso entre Charlotte, James e August. Felizmente isso não acontece, nem passa perto. Charlotte e August dividem uma amizade tão tóxica quanto todo o resto. Ela destruiu a vida dele, ele a perdoou. Ele tem uma admiração por ela, ao mesmo tempo que tenta competir com sua inteligência. Ela se sente apenas entediada com isso.

Quase toda a narrativa é feita em primeira pessoa por James, mas alguns poucos capítulos são contados por Charlotte. É uma pena que não sejam mais. A visão que James tem dela, não reflete o que ela realmente pensa e sente. Nos capítulos dela, isso fica claro. Ela é fria e distante aos olhos de James, mas na verdade, ela enfrenta uma batalha interna onde confessa intimamente o quanto ama James. Ela é uma pessoa melhor, mais humana, mais emocional quando acompanhamos seus pensamentos, e esses breves momentos, são suficientes para reverter toda a antipatia que ela pode causar. Isso demonstra como é uma personagem complexa e cheia de dualidades.

Quanto à trama sobre o desaparecimento do tio, confesso que me perdi na metade. São tantas reviravoltas, tantos complôs, tantas mentiras, tantos vai e vem, tantas traições, que teve uma hora que eu simplesmente desisti de tentar compreender o que estava acontecendo. Foquei apenas na relação dos três personagens principais, Charlotte, James e August, e fui sobrevivendo até o clímax. E não me perguntem o que aconteceu com o tio, ou porque ele desapareceu, porque eu não entendi até agora. Acho que a autora tentou reproduzir as reviravoltas das histórias originais de Sherlock Holmes, mas creio que ela exagerou.

O DESGOSTO DE AUGUST é bom pela relação de seus personagens principais, apesar de toda a toxidade em que estão inseridos, mas eles são tão bem construídos que fica difícil não torcer para que consigam encontrar um pouco de felicidade. Em termos de trama detetivesca, deixa a desejar pela confusão que a autora cria. Essa complicação coloca o livro abaixo da qualidade do primeiro volume. Entretanto, espero ansioso pelo próximo, porque aprendi a gostar de Charlotte e James. Dê uma chance para os dois, você também.


AUTORA: Brittany CAVALLARO
TRADUÇÃO: Maryanne LINZ
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 384


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