Logo na primeira página, a trama já explode na nossa cara, é literalmente na primeira página mesmo. Vamos fazer igual aqui. Simon está cursando o ensino médio e, assim como os adolescentes nessa fase, ele é cheio de mini-problemas. Sendo um rapaz gay não assumido, Simon se vê em um precipício quando, de repente, começa a ser chantageado por um colega de classe. É na Internet onde os jovens encontram refúgio e também problemas, e com o nosso protagonista acontece exatamente as duas coisas. Simon conversa há meses com um garoto pela Internet anonimamente, única pessoa para o qual consegue se abrir e ser quem realmente é. Porém, depois de deixar seu e-mail acidentalmente aberto no computador da escola, Simon quase entra em colapso. O garoto chantagista pede que Simon o ajude a conquistar uma garota e, em troca, promete nunca divulgar as conversas que ele copiou.

Simon não está pronto para se assumir e sente receio de que caso essas conversas sejam divulgadas num blog da escola, o menino da Internet não queria mais falar com ele. E como se não pudesse piorar, o chantagista quer conquistar uma das melhores amigas de Simon. Como ele poderia ajudar esse escroto a namorar sua amiga? Como falar bem dele? E some isso a todas as inseguranças e medos de um adolescente em fase de descobrimentos, e você terá COM AMOR, SIMON.

O estilo da trama e da escrita lembra obras como SIMPLESMENTE ACONTECE e CIDADES DE PAPEL. Os capítulos são pequenos e alternam entre si: um para a trama principal; e outro para as conversas na Internet com o garoto anônimo. Acompanhamos a vida do protagonista na escola e em casa. No primeiro caso, temos também seu círculo de amizades. São duas meninas e um menino, a trama secundária das meninas disputando um rapaz é pouco interessante e, caso sumisse do livro, não faria muita diferença. Mas, mesmo assim, é apenas uma observação, tal arco não deixa a leitura ruim. O chantagista também recebe um desenvolvimento, tanto que ele age como se não estivesse fazendo nada de errado, ele sente que está apenas pedindo um favor para Simon. Para o leitor, só fica a vontade de dar uns bons tapas na cara desse moleque.

A família do protagonista é bem unida e cheia de manias estranhas, desde ver realitys shows juntos ou fazer uma caça ao tesouro no Facebook alheio. Mesmo tendo pais liberais, Simon não se sente à vontade em se assumir para a família. Ele se questiona a todo o momento, desde atitudes, gostos e desejos. É fácil se identificar com esses dilemas, afinal, como ter certeza de alguma coisa, sendo que você ainda não viveu tal experiência?

Como dito no inicio, o livro se inicia e imediatamente o problema é apresentado para o leitor. Porém depois que a trama é apresentada, quase nada acontece. O livro apenas desenvolve seus personagens e cada arco da historia. É possível sentir que nada está acontecendo, mas a melhor coisa do texto é seu protagonista. Simon é jovem e sabe que é gay, porém vive numa cidade dos Estados Unidos que não é tão amigável com os LGBT. A autora aborda todo esse drama de forma muito real e possível, não querendo aumentar nada e nem dramatizar demais. É possível imaginar tal trama acontecendo com um amigo ou com você mesmo. A historia aborda tudo de forma justa e com muito carinho, não tem nada destacado apenas por ele ser gay, ele é destacado por ser normal, apenas uma pessoa que ama e sente desejos.

Todos nós queremos nos identificar com personagens em filmes, séries e livros, e por isso a representatividade é tão importante. O livro não acerta em cheio apenas com os LGBTs, aborda muito bem os negros. Uma das melhores amigas de Simon, e uma das personagens mais importantes da trama, é uma jovem menina negra e extremamente forte. Quase todos os personagens têm suas peculiaridades e fogem dos padrões impostos pela sociedade. Algo extremamente necessário, já que não somos todos iguais. E tudo isso se encerra num clima muito agradável e otimista. É normal filmes e livros colocarem personagens gays morrendo ou sofrendo no final, mas a conclusão aqui tem a finalidade de nos animar e inspirar. Acima de tudo, acreditar que as coisas podem realmente dar certo.

O antigo título estranho, SIMONS VS A AGENDA HOMO SAPIENS, que a editora alterou por causa do filme, tem seu sentido na trama, e a antiga capa era beleza pura. Um livro delicioso e agradável, perfeito para curar uma ressaca literária.


AUTORA: Becky ALBERTALLI
TRADUÇÃO: Winarski REGIANE
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 272


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FILME

Está para nascer um gênero mais manjado do que as comédias românticas. Sejam elas boas, ruins, açucaradas ou azedas, sempre arrastam multidões para os cinemas ou lotam a audiência da Globo quando passam na sessão da tarde. Mas é raro encontrar tais filmes com protagonistas vindo de minorias, como negros, estrangeiros ou LGBTs. COM AMOR, SIMON vem para tentar mudar um pouco esse panorama, já que é um filme de grande porte e alcance, com um gay como protagonista.

A trama adaptada do livro tem praticamente a mesma historia e desfecho, mas seu desenvolvimento nas telonas foi drasticamente mudado. No livro, tínhamos uma estrutura não linear e fragmentada entre a vida de Simon e a vida virtual; já no filme, tudo é feito cronologicamente e apresentado calmamente. Basicamente, tiraram todo o diferencial, pois o livro é realmente familiar e não tem nenhuma grande reviravolta ou desfecho chocante, o atrativo era apenas sua estrutura, e isso, infelizmente, não está no filme. Mas o que torna uma comédia romântica boa? Pessoas bonitas, uma pequena dificuldade que afasta o casal e um final feliz.

Mas será que só isso sustenta todo um filme de quase duas horas? Passagens interessantes e desenvolvimentos mais profundos dos amigos de Simon foram deixados de lado, resultando, assim, em quase um conto de fadas da Disney. Longe de ser ruim, mas um pouco mais de conteúdo não faria mal à produção. O final reserva um momento “vergonha alheia” extremo, em uma sequência envolvendo uma roda gigante. É tão artificial, que se torna fajuto. A trilha sonora é a melhor coisa da produção, contendo clássicos e canções compostas especialmente para o filme. A edição flui bem e o ritmo não é chato, é um filme docinho e agradável de se assistir, mesmo sem muito conteúdo a oferecer.

O protagonista, Nick Robinson, dos filmes TUDO E TODAS AS COISAS e JURASSIC WORLD, demora um pouco até entrar no personagem e trava um pouco em cenas mais intensas, mas num todo, o ator é competente. Katherine Langford, estrela de OS 13 PORQUÊS, tem um desenvolvimento quase nulo, mas tem um dos melhores desempenhos da trama. Seu semblante dramático quase natural ajudam a dar vida a uma jovem triste e com pesados fardos. Alexandra Shipp, a nova Tempestade dos filmes X-Men, emite felicidade e energia, sua personagem é tão legal, que todos queremos ser amigos dela.

É difícil entender os motivos de um roteiro ignorar de forma significativa uma trama que já estava muito bem feita no livro. As novidades criadas para o filme não são muito boas, e o resultado para quem leu pode não ser tão satisfatório. Mas é importante frisar que a essência foi captada e a produção se destaca de muitas outras. É importante para toda uma comunidade, e que isso se torne mais comum, todos queremos nos ver em filmes e em grandes atores. A representatividade está em alta e esperamos que só cresça mais e mais com o tempo.


DIREÇÃO: Greg BERLANTI
DISTRIBUIÇÃO: Fox
DURAÇÃO: 1 hora e 50 minutos
ELENCO: Nick ROBINSON, Jennifer GARNER