Florence Green, uma viúva de meia-idade, decide abrir uma livraria — a única — na pequena Hardborough, uma cidade costeira no interior da Inglaterra. Florence não esperava, contudo, que seu projeto pudesse transformar Hardborough em um campo de batalha: enquanto a influente e ambiciosa Violet Gamart, que tinha outros planos para a centenária casa que ela escolheu como sede, faz de Florence sua inimiga, a empreendedora também conquista um aliado na figura do excêntrico Sr. Brundish.

Penelope Fitzgerald é uma autora inglesa que viveu entre 1916 e 2000, faleceu aos oitenta e quatro anos de idade, e, hoje em dia, faz parte da lista dos maiores escritores de todos os tempos. Em 1978, ela escreveu A LIVRARIA, uma novela sobre o comportamento das pessoas inseridas em uma sociedade conservadora e egoísta, que habita uma pequena cidade do interior do Reino Unido.

Para quem não conhece o gênero novela (não, não é aquilo que passa na Globo), é um termo em desuso que engloba obras literárias. Para você entender melhor, vou trazer um pequeno trecho que Victor F. Gomes, Publisher da editora Morro Branco, enviou para os blogs parceiros e que faz parte de uma iniciativa de trazer obras desse gênero para o Brasil:

Enquanto no romance a estrutura apresentada é mais lenta e densa, as novelas tendem a ser muito mais econômicas, focando em um evento principal ou um grande conflito, e dando ênfase à história que é contada. Assim, mesmo com um número reduzido de páginas, os autores conseguem estruturar narrativas incríveis, seja nas ideias apresentadas em clássicos como A Revolução dos Bichos ou A Metamorfose, ou na construção dos universos fantásticos de O Pequeno Príncipe e a Máquina do Tempo. No Brasil, a terminologia nunca foi muito utilizada, de modo que as novelas acabam sendo comumente chamadas de romances ou de forma ainda mais simples, livros. Mas nos Estados Unidos, o uso da expressão vem crescendo em importância, especialmente no mundo da Ficção-Científica e Fantasia, com os principais prêmios do gênero, como Nebula, Hugo e Locus, criando categorias específicas para premiarem as principais novelas do ano, e grandes editoras internacionais, como a Tor, criando setores especiais dedicados à categoria.

Assim, a história de A LIVRARIA pode ser lida de uma só vez, em um par de horas, o que torna a experiência mais densa de acompanhar a trajetória de Florence, uma viúva que deseja abrir uma livraria, a única da cidade, em uma velha mansão, mas que precisa vencer um embate contra Violet, uma mulher rica e influente que tem planos diferentes para a referida mansão.

A escrita de Fitzgerald é uma das coisas mais belas que já li. Em sua narrativa, existe a mistura de um humor negro, junto com uma crítica social ácida, que consegue entregar ao leitor uma mensagem bastante realista de como o ser humano é pomposo, egoísta e cruel. Mais do que isso: Fitzgerald brinca com o destino ao apresentar soluções para que Florence consiga vencer e manter sua livraria, para logo em seguida, destruir tudo com acontecimentos inesperados e que deixam o leitor sem chão.

Além de Florence e Violet, todos os demais personagens, por menos que eles apareçam durante a história, são apresentados e trabalhados de forma tão competente, tão direta, que é impossível o leitor pensar que eles não existam, que não seja uma réplica de alguém que a autora conheceu em algum momento de sua vida. Todos eles possuem características tão distintas, personalidades tão facilmente identificáveis, e tudo feito em tão poucas linhas e com tão pouca participação, que o leitor pode duvidar de que leu tão poucas páginas.

Entre esses personagens, preciso destacar três em especial: Christine, a pequena garota de dez anos de idade, que ajuda Florence na livraria e que se torna a peça chave do sucesso da empreitada, mas que também se torna o seu ponto fraco; o velho Sr. Brundish, o fiel aliado e conselheiro de Florence e o único capaz de enfrentar Violet de igual para igual, mas que o destino se encarrega de tratar; e Milo, o rapaz que passa a trabalhar mais para o fim do livro na livraria e que representa o fato de que amizades que parecem verdadeiras, podem, na verdade, representar a mais pura falsidade e maldade.

Todos os três possuem uma importância fundamental na construção e conclusão da história, todos os três representam o que existe de bom e de ruim nas pessoas, todos os três passam uma mensagem de aprendizado ao leitor, mas não um aprendizado singelo, mas aquele aprendizado que é dado como um tapa no rosto, para não ser esquecido, mesmo que isso cause uma tristeza imensa.

Tristeza. Essa é uma das características das histórias de Fitzgerald. Ela é uma das autoras que menos tem pena dos sentimentos de tristeza que impregna no leitor. Em A LIVRARIA, como em quase toda as suas obras, você vai se deliciar com a narrativa, com os personagens, com a criatividade da história, com os detalhes, sempre tão condensados, mas completos, com a forma como tudo caminha para o clímax… então, de surpresa, Fitzgerald irá apertar seu coração de forma impiedosa, direta, sem qualquer pena, e você irá chorar.

Mas sabem o que é mais incrível? A tristeza, e acreditem, ela é enorme no fim de A LIVRARIA, irá afetar você, mas você não ficará deprimido, eu não fiquei, porque você compreenderá que a vida é exatamente dessa forma, você sentirá que no fim, apesar do que está sentindo, apesar de você estar chorando, você aprendeu algo que não esquecerá para o resto de sua vida. E isso, isso, é o que torna um livro excepcional!

Ah, uma dica importante: existem dez páginas de uma apresentação escrita por David Nicholls, autor de vários best-sellers, que disseca toda a obra de forma muito, muito interessante, explicando vários trechos e contando um pouco da vida da autora, mas essa apresentação está carregada de spoilers, inclusive da conclusão, então não leia antes de terminar o livro. Mas não deixe de ler após!


AUTORA: Penelope FITZGERALD
TRADUÇÃO: Sonia Coutinho
EDITORA: Bertrand
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 160


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