Cristina “Tina” de Sousa Lima foi criada em 1970 por Maurício de Sousa e apareceu pela primeira vez no suplemento da Folhinha de São Paulo. Ela tinha um visual hippie, assim como seus amigos, o Rolo e a Pipa, o que refletia a época, quando o mundo recebia influências sobre o comportamento coletivo de contracultura dos hippies, cuja máxima era “paz e amor” e criticavam duramente o uso de armas nucleares, além de cobrarem questões ambientais, praticarem o nudismo e lutarem pela emancipação sexual. Como os demais personagens de Maurício, Tina foi sendo adaptada ao longo do tempo, seus traços e roupas mudaram, a faceta hippie foi deixada no passado. Atualmente, ela é estudante de jornalismo e faz trabalhos para o jornal da faculdade. TINA: RESPEITO avança no tempo e mostra a personagem já formada e com a conquista de seu primeiro emprego na redação de uma revista.
Segundo o próprio Maurício de Sousa, “A Tina talvez tenha sido a minha personagem que mais mudou visualmente com o tempo. Nasceu hippie e baiana, com um jeitão de ‘bicho-grilo’, e passou por uma remodelada radical no visual. Teve vários namoradinhos, virou jornalista e viveu aventuras das mais malucas ao lado dos amigos Pipa e Rolo. Só uma coisa não mudou: a sua personalidade. Em todas as suas versões, a Tina sempre foi uma jovem mulher determinada, confiante, leal, inventiva e extremamente independente”, e é com base nessa personalidade forte, que a autora Fefê Torquato construiu sua versão de Tina.
Um diferencial das Graphic MSP em relação às edições mensais da turminha é a representatividade, é a abordagem de assuntos mais voltados para os jovens adultos, sempre com uma mensagem social, política, racial, educacional, bem direta, sem floreios. Foi assim nas HQs da Mônica, que tratam de assuntos como bullying e identificação; com a HQ do Jeremias, que bate no racismo; até mesmo com o Astronauta, algo mais ficcional, que aborda a solidão e a insegurança. Em RESPEITO, o assunto é sobre respeito à mulher como profissional, como pessoa, como gênero.
Fefê Torquato demonstra possuir uma enorme sensibilidade e inteligência para tratar do assunto. O óbvio seria colocar Tina em situações abertas sobre as várias vertentes do tema, mas não é isso o que ela faz. Nada é óbvio na narrativa de Torquato. Através de desenhos simples, claros, em aquarela, de cores pastéis e traços redondos, Torquato exemplifica de forma muito discreta, várias das sensações que uma mulher recebe ao longo de um dia de trabalho. Ela faz isso através de um olhar da personagem, como quando ela volta de noite para casa e desvia o olhar para quem anda atrás dela; ou como quanto ela atravessa uma rua, e dois homens dentro de um carro sussurram uma cantada que só ela pode ouvir; ou quando está sentada em um ônibus vazio e um homem senta ao seu lado; ou mesmo em situações mais íntimas, quando demonstra o zelo pela aparência, quando Tina levanta sua blusa que deixa visível uma pequena dobra na barriga, e ela abaixa novamente a blusa, com um rubor de vergonha, criando uma comunicação direta com o leitor, afinal, apenas ele está olhando.
Até mesmo quando Torquato levanta um assunto de forma mais clara, ela consegue ser discreta. Em um determinado momento, Tina tem uma happy hour com seus colegas de trabalho. Fica tarde, Tina mora em um bairro mais distante, e uma das colegas convida Tina para dormir na casa dela, uma vez que é mais perto e é mais seguro as duas andarem juntas. A conversa que elas têm sobre como é trabalhar ou morar no centro de uma grande cidade, com todos os seus benefícios e malefícios, é extremamente real, corriqueira, com detalhes que todos nós conhecemos, mas não reparamos, ou não damos a devida importância.
E mesmo com um roteiro sem ação, centrado apenas no dia-a-dia de Tina, Torquato soube criar uma tensão crescente. Eu já sabia que RESPEITO era sobre vários assuntos ligados à mulher, mas também sabia que o ponto focal de maior destaque, seria o assédio dentro do trabalho. Então, a edição já começa com as consequências e volta quatro meses no passado para explicar como se chegou até àquela situação. E tudo é construído com calma, sem pressas, criando no leitor uma expectativa e uma apreensão pelo que irá acontecer. Ainda mais que o nome da pessoa que comete o assédio é mencionado logo no início, mas Torquato só apresenta o personagem no clímax da história. E quanto o faz, passa uma falsa impressão, junto com a parte inicial, antes de se voltar ao passado, que é revertida e cria uma enorme surpresa. É preciso ser muito competente para criar uma reviravolta com um material tão simples, mas nem por isso superficial.
Aliás, RESPEITO está longe de ser superficial na abordagem que faz. E a importância dos assuntos que a HQ levanta, ficam evidentes diante dos ataques que a autora e a editora sofreram. Várias críticas foram feitas nas postagens de divulgação, ou melhor, críticas não! Quem critica algo, precisa ter a capacidade, a habilidade de examinar e avaliar uma produção artística, bem como costumes e comportamentos, sem preconceito ou preferência pessoal. Os comentários eram ataques agressivos e irracionais, que diminuíam a competência da autora nos desenhos e no roteiro, que afirmavam que a edição era apenas para lacrar, sugeriram boicotar a obra, reclamaram da falta de sensualidade da personagem, adicionando desenhos da Tina nua ou seminua. Sim, todos esses comentários eram de homens que se sentiram ameaçados apenas por causa de uma HQ que tem como tema o respeito à mulher como gênero igual. Respeito.
Pelos comentários acima, e eu coloquei poucos, porque existem muitos, muitos mais com o mesmo teor, o que se pode absorver é a total falta de empatia e respeito desses homens, não apenas com as mulheres em geral, mas com as mulheres com quem eles se relacionam. Mas o que explica uma agressão tão descabida? Não sei dizer com certeza. O que posso abstrair é que esse tipo de homem é aquele tipo frustrado, com alguma impotência, que passa o dia em sites de pornografia, que nunca amou ou se sentiu amado, com uma infância problemática, e que não conseguiu conquistar o objeto de afeto. Quando uma HQ denuncia assédio e machismo, entre outras coisas, eles se identificam com os acusados, se sentem atacados, e resolvem revidar denegrindo o material que os denuncia.
São poucos os motivos que explicam uma reação tão irracional e desproporcional ao lançamento de uma HQ. E vale observar que esses homens que atacaram a autora e a editora, eles não são obrigados a comprar a HQ, não são obrigados a ler a HQ, não são obrigados a gostar da HQ, não são obrigados a concordar com o que a HQ representa, mas, entretanto, em uma sociedade civilizada, democrática, com atitudes sensatas de pessoas equilibradas, eles são obrigados a respeitar. Ou sequer podem ser considerados pessoas.
E aí você pode questionar que eu, como homem, estou completamente fora de meu local de fala para dissertar sobre esse assunto. Eu concordo que não é meu local de fala, e nunca será. E eu sei que, mesmo como homem, posso compreender, mas nunca irei sentir alguns dos medos que uma mulher enfrenta diariamente:
– Medo de andar na rua de noite. Sim, homem também tem medo de andar de noite na rua, de ser assaltado, mas mulher, além do medo de ser assaltada, também tem medo de ser estuprada, coisa que não acontece com homens, mas é feito por homens;
– Medo de ficar sozinha em um ponto de ônibus onde tem um ou mais homens;
– Medo de ao sentar no ônibus, algum homem a assediar ou apalpar alguma parte de seu corpo ou encostar o pênis ou mesmo ejacular;
– Medo de ir em uma delegacia reportar um assédio ou agressão e ser ridicularizada ou mal tratada;
– Medo de dizer não ao sexo quando está namorando por não ter vontade de ter uma relação sexual no momento e ser atacada, agredida, chantageada, criar um conflito;
– Medo de usar uma roupa mais curta e sofrer assédio ou ser estuprada;
– Medo de entrar em uma acadêmia de ginástica e precisar lidar com cantadas desnecessárias e olhares para suas partes íntimas;
– Medo de ser assediada e chantageada em uma entrevista de emprego;
– Medo de responder às dezenas de cantadas que recebe quando anda na rua e sofrer alguma agressão;
– Medo de ir numa festa e ter sua bebida drogada para algum homem poder se aproveitar;
– Medo de não conseguir um emprego com um salário igual ao de seu colega homem;
– Medo de em uma reunião ter suas ideias recusadas apenas por seu gênero;
– Medo de discutir com o parceiro e ser agredida;
– Medo de sua palavra valer menos do que a palavra de um homem em qualquer situação de conflito ou denúncia;
– Medo de sentir medo o tempo todo.
Entretanto, eu, como homem hétero, branco, formado, casado, mais privilegiado do que a maioria absoluta, convivo com outros homens de forma isolada, jogo futebol, vou a noitadas em bares, participo de rodas de conversas, e usando meu local de fala como integrante do gênero, eu posso afirmar que em uma proporção de 9 entre 10 dos homens que conheço, nenhum deles se interessa por qualquer um desses medos femininos. Para eles, é exagero, é choro sem motivo, não existe, é conversa de feministas para atacar os homens, de mulheres mal amadas, solitárias ou feias. Mas a falta de interesse não é porque não acreditam, mas porque seria reconhecer as próprias falhas, os próprios preconceitos, seria reconhecer que são machistas, que são, no mínimo, cúmplices do medo que meu gênero dissemina.
Por último, preciso dizer que os desenhos de Torquato são belíssimos, coloridos, feitos com uma delicadeza excepcional. E ao contrário das críticas machistas, eles não são desprovidos de sensualidade. Tina nunca foi representada de forma mais perfeita como uma mulher, com todos os nuances que o gênero possui. Vários quadrinhos mostram toda as curvas de uma mulher, que para ser bonita e sensual, não precisa ser desenhada com peitos enormes, coxas grossas e cintura fina, em poses que só uma contorcionista conseguiria reproduzir. A Tina de RESPEITO tem suas curvas, tem sua sensualidade, sua beleza, basta saber enxergar.
TINA: RESPEITO se mostra mais necessária do que seria de se desejar. Os ataques comprovam que nossa sociedade ainda vive em uma idade das trevas, onde o conceito de homem e mulher está distante de ser igualitário, que a agressão ainda é a primeira frente para se discordar de algo, que o caminho para o fim do preconceito ainda é longo e tortuoso. Mas não se pode desanimar e nem desistir, e Fefê Torquato apresenta uma história simples, que fala diretamente com o público a que ela se destina, com uma personagem sensível, frágil, mas que sabe se defender, não de forma agressiva, mas de forma inteligente e com classe. Algo que só uma mulher consegue fazer.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Fefê TORQUATO
ILUSTRADOR: Fefê TORQUATO
EDITORA: Panini
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 96
COMPRAR: Amazon
Sempre gostei da Tina. Uma jovem mulher emponderada que luta pelas causas que acredita, que busca ser uma excelente profissional.
Palmas para a autora pela coragem de tratar assuntos importantes para as meninas, as jovens essa mulheres nessa plataforma e tratar de uma maneira que não choca mas que abre o assunto a questões que as vezes passam batido ou que empurramos pra debaixo do tapete.
Quanto aos infelizes comentários acho uma falta de respeito ao Maurício de Sousa, a Fefe, a Tina (E tudo o que ela reapresenta), as leitoras e as mulheres de forma geral.
Uma coisa que esses protótipos de pessoas têm, é respeito.
Realmente Tina é a personagem que mais mudou neste tempo todo. A bicho grilo sempre foi muito dona de si, mas pelo que vi e li acima, agora ela se tornou mais “mulherão” ainda e isso é maravilhoso.
Mas dá um nó em ler alguns dos comentários tão baixos, tão pequenos e infelizmente muitos homens nunca irão entender este universo feminino e esse montão de medos diários. Ainda mais nas grandes cidades(aqui no interior ainda é sossegado graças a Deus).
Mas a humanidade ainda precisa evoluir demais e não acredito que um dia, essa evolução irá chegar por completo.
Que mais “Tinas” gritem alto e que Maurício, Fefê e tantas outras pessoas continuem mostrando um pouco deste universo assustador que é ser mulher!!
Beijo
Espero mesmo que sim, o gênero masculino está a cada dia mais nojento.
Nossa, estou boquiaberta com a sua fala, o seu discurso. Meu, se um décimo dos homens pensassem como você muita coisa estaria bem melhor. Graças a Deus tenho um homem ao meu lado que me defende e protege e faz isso por qualquer mulher que conhece.
Agora, esses “homens” que fizeram esses comentários maldosos, não merecem o respeito de ninguém. Muito menos da Tina!
E que HQ é essa. Eu lia muito a Turma da Mônica mas acho que vi muito pouco da Tina na época, mas lembro bem daquele jeito bicho-grilo que ela tinha, toda hippie. Era bem divertida. Claro que ela amadureceu, como todos os outros personagens e é excelente ver a evolução dela também. Estou curiosa para conhecer essa HQ.
Pessoas boçais que não possuem qualquer caráter.
Carl!
Acho o máximo a evolução da personagem no decorrer dos anos e culminar nessa Tina com medos e receios reais das mulheres na atualidade, acredito que há muita identificação pelas mulheres.
Quanto as observações depreciativas dos homens em relação a esses receios e pela HQ, sabe que não me conformo? Até entendo quando 90% dos homens não tem a sensibilidade de perceber os receios femininos, a cultura, a mania de se achar superior, não querer assumir seus próprios medos e receios, preconceito, enfim, desculpas múltiplas, porém nenhuma convincente a meu ver, infelizmente. Nada custa o homem se colocar uma vez no lugar da mulher e perceber todo turbilhão de sentimentos que existem dentro de nós.
cheirinhos
Rudy
Homem é escroto por natureza…
Tu sabe que a história é boa quando o anúncio de sua publicação já começa a tratar do que acontece lá dentro kkkkkkkkkkk sinceramente, viu? Tu só esqueceu de dizer uma coisa: parte dos “homens” que atacam o tema abordado se sentem sexualmente atraídos por mulheres fora do padrão, mas devido à estupidez de quererem ser os garanhões do grupinho acabam sendo uns babacas ao quadrado.
E ressaltando um item da sua lista (realíssima) de percepções: o medo de sentir medo é o que mais nos corrói. A situação já é tão corriqueira que a gente tem MEDO de, por exemplo, ir a um lugar um pouco mais movimentado e ficar com MEDO de alguma coisa acontecer.
É uma realidade dura, que estamos tentando mudar diariamente, mas que ainda precisa de muito tempo pra ser mudada por completo.
Mas não deveria precisar. Não entendo como em 2019, com tanta informação, a maioria dos homens ainda se comporta de forma irracional e sem qualquer respeito. Até ano passado, muitos usavam máscaras, mas com o atual sistema de governo, eles resolveram jogar as máscaras fora e assumirem todo o preconceito escondido.
Oi Carl, tudo bem?
Essa foi a resenha mais bonita que eu ja vi. A Tina sempre foi uma personagem que me inspirou, pelo seu jeito bem resolvido e independente. Essa HQ acabou de ganhar o meu coração e o meu desejo de lê-la e distribuir para todas as pessoas lerem. É por causa de comentários como aquele citado acima, que o trabalho da autora se torna tão importante.
Olá! É impressionante como autora conseguiu retratar situações em que muitos leitoras acabarão se identificando, eu mesma me identifiquei com algumas e é muito assustador e triste saber que essa é a realidade de milhares de mulheres e que são poucos os que se importam em mudar essa situação, e chocante ver tantos comentários negativos. Os desenhos estão lindíssimos e é claro que eu já quero conferir.
Olá!
Ao terminar de ler essa resenha fiquei bastante, como posso dizer, pensativa e achei muito incrível como a autora coloca em apenas algumas imagens o que as mulheres passa, como ela abordo sobre o machismo. Gostei muito disso e com certeza estou querendo ler e conhecer a trajetória da pena Tina que tenho certeza que pelo mundo existe muitas Tinas.
Meu blog:
Tempos Literários
O quão ridiculo e desrespeitoso das pessoas criticando uma obra tão inteligente e bem criada como essa HQ. Isso só demonstra o quanto a sociedade é machista, onde precisam de muito mais obras como essa para falar na cara, com assuntos atuais e importantes. Sério, quando li o titulo já pensei, quero muito ler. As ilustrações estão belíssimas com toda a delicadeza e os tons claros.
Leia mesmo, é excelente e verdadeira.
Oi!
Eu sempre amei as Tirinhas da Tina, e realmente ela sempre se mostrou bastante determinada. Para algumas mentes fracas, qualquer proposta que vá contra os seus ideias é lacração. Nem sabe o que é feminismo.
Admiro muito a sua postura nesse post, quem dera todos os homens pensassem como você…
Olá, Carl
Adorei sua resenha é tudo o que você falou, o mundo precisa de homens que pensam e agem como você.
Peço a Deus que um dia encontre um homem que me respeite e claro me ame, porque só de ver esses tipos de comentários é desanimador e de uma falta de respeito com só com a autora, editora e sim com as mulheres que fazem parte da vida desses homens.
Gostei muito da HQ, das ilustrações que mostrar uma mulher sexy, que não precisa mostrar o corpo para ser um mulherão e ainda mostra de uma maneira inteligente como passar por tudo isso que sofremos no dia a dia.
Claro que já vai para a lista de desejos, beijos.
Que resenha maravilhosa! Parabéns, Carl, usando sua escrita para divulgar uma obra, no mínimo, incrível como essa. Fiquei super curiosa de ler essa “nova versão” de Tina, ou melhor dizendo, essa nova proposta de aventura dela. Sem falar que é tão reconfortante encontrar homens inteligentes, como vc, que tem a preocupação de refletir sobre temas que nos envolve (mulheres)
Oi, Dany! Nem precisa de inteligência, basta respeito. Pena que a maioria de nós, homens, não conhecem essa palavra.
Sou um grande fã da tina desde pequeno, acho incrível os ataques que essa hq recebeu dessas pessoas iguinorantes e sem cérebro, o cara que ver nudez vai lé hentai Brasil!